Covid-19: vírus funcional é detectado no ar a 5 metros de um paciente

A descoberta, feita em um quarto fechado, sugere que a transmissão aérea é mais importante para o vírus do que se imaginava
Vinicius Szafran17/08/2020 19h27, atualizada em 17/08/2020 19h45

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Os mecanismos de transmissão usados pelo novo coronavírus para saltar de um único infectado na China em novembro para mais de 20 milhões de casos registrados no mundo continuam um enigma. A Organização Mundial da Saúde (OMS) segue dizendo que o vírus é transmitido principalmente por gotículas respiratórias, exaladas durante a fala ou a tosse, em um contato próximo ou prolongado entre duas pessoas.

A OMS reluta em reconhecer a transmissão aérea, propagação do vírus suspenso no ar durante maior tempo e distância, assim como acontece com tuberculose e sarampo, apesar da pressão feita pela comunidade científica. Segundo um novo estudo, isso pode ser mais impactante do que se imaginava.

O coronavírus foi encontrado no ar a quase cinco metros de distância de um doente sintomático em um quarto do Hospital da Universidade da Flórida em Gainesville (EUA), de acordo com a pesquisa.

Diferentemente de estudos anteriores que já haviam encontrado material genético do vírus no ar, nesse caso os autores demonstraram que o vírus continua “viável” mesmo flutuando a cinco metros de um paciente com Covid-19: o vírus capturado no ar foi capaz de infectar células e se multiplicar nelas. Além disso, eles são geneticamente idênticos aos extraídos da garganta do paciente sintomático.

O novo estudo encontrou a prova de que a transmissão aérea pode sim acontecer, principalmente em ambientes fechados, segundo o engenheiro espanhol José Luis Jiménez, especialista em aerossóis, da Universidade do Colorado (EUA), que não participou da pesquisa.

Reprodução

A tosse é um dos principais meios de disseminação da Covid-19. Imagem: Reprodução

As gotículas respiratórias têm um diâmetro de mais de cinco milésimos de milímetro e caem logo ao solo por conta de seu peso, embora possam evaporar e formar aerossóis de menor tamanho, mas que suportam mais tempo em suspensão.

“Para evitar a transmissão por aerossóis, tomar medidas como a distância física de 1,8 metros não seria útil em um espaço interno e proporcionaria uma falsa sensação de segurança, provocando a exposição ao vírus e surtos”, explicam os autores, liderados pelo virologista John Lednicky, da Universidade da Flórida. Seu estudo preliminar, pendente de aceitação na revista da Sociedade Internacional de Doenças Infecciosas, ainda não foi revisado por pesquisadores independentes.

A OMS já alerta para a possível transmissão aérea do coronavírus em hospitais, mas apenas após procedimentos que geram aerossóis, como a intubação traqueal. No hospital da Flórida, os pacientes não tinham passado por nenhum desses procedimentos: eram apenas duas pessoas com Covid-19 conversando e tossindo em um quarto sem janelas, porém ventilado. O ar era trocado com um filtro de partículas seis vezes por hora. O quarto abrigava um doente sintomático internado no dia anterior e um paciente prestes a receber alta.

O ar que respiramos é repleto de vírus de todos os tipos, que afetam humanos, plantas, animais e bactérias, mas a maioria não é infecciosa. O grande desafio desse estudo era capturar o coronavírus no ar sem danificá-lo, para demonstrar em laboratório que ele continuava ativo. Arantza Eiguren, especialista em aerossóis da empresa Aerossol Dynamics, de Berkeley (EUA), participou do desenho do aparelho capaz de realizar essa tarefa.

O instrumento, uma caixa de meio metro de altura, aspira o ar do ambiente e o conduz por uma seção quente, onde a água se condensa e adere às partículas em suspensão, tornando-as maiores e mais fáceis de capturar. “É muito similar ao que fazem seus pulmões”, explica Eiguren.

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Arantza Eiguren, com um aparelho similar ao utilizado para capturar o coronavírus. Imagem: Reprodução

Segundo a pesquisadora, o aparelho detectou até 74 partículas virais por litro de ar – uma quantidade pequena, talvez pela boa ventilação do quarto. Ainda não se sabe a quantidade necessária para infectar uma pessoa, “mas se você estiver sem máscara respirando esse ar durante um tempo, ao final a exposição pode ser alta”, alerta Eiguren.

O último relatório específico da OMS, datado de 9 de julho, era cético quanto a esse tipo de transmissão. “Até o momento, não se demonstrou que o Sars-Cov-2 seja transmitido por esse tipo de via de disseminação de aerossóis”, afirmava o documento, salientando que é necessário “investigar muito mais”. Ainda assim, a OMS reconhecia que “não se pode descartar que tenha ocorrido transmissão mediante aerossóis de curto alcance, especialmente em ambientes fechados específicos, por exemplo, lugares onde haja pessoas infectadas, exista aglomeração e não se disponha de ventilação suficiente durante um período prolongado”.

Um grupo de 36 pesquisadores internacionais pediu à OMS que estabeleça diretrizes claras para melhorar a ventilação e assim minimizar a possível transmissão aérea em locais fechados. Segundo eles, estudos anteriores já encontraram material genético viral flutuando no ar em quartos de hospital em Wuhan, onde a pandemia começou.

Via: El País

Vinicius Szafran
Colaboração para o Olhar Digital

Vinicius Szafran é colaboração para o olhar digital no Olhar Digital