OMS admite chance de transmissão aérea de Covid-19; entenda a polêmica sobre o tema

Há confusão sobre o que significa o conceito de 'transmissão aérea', e diferentes grupos entendem que precauções adicionais são necessárias
Renato Santino07/07/2020 21h51, atualizada em 07/07/2020 23h00

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Como o coronavírus se propaga? Desde que a Covid-19 começou a se tornar parte do cotidiano de praticamente toda a população mundial, há algumas recomendações: lave as mãos, use máscara e mantenha distância mínima de 1,5 metro e 2 metros das pessoas. No entanto, um grupo formado por 240 cientistas defende que isso não é suficiente, como afirmam em carta aberta.

Boa parte dessas recomendações nascem das propostas de prevenção da Organização Mundial de Saúde (OMS), que defende há meses que não há, ou é no máximo muito raro, transmissão aérea do coronavírus. O que os pesquisadores defendem é a ampliação dos conceitos da organização para que sejam adotados protocolos de prevenção também para esse tipo de contágio.

Depois da publicação da carta, a OMS afirmou nesta terça-feira (7), que existem “evidências emergentes” de transmissão aérea, conforme as palavras da Dra. Maria Van Kerkhove, epidemiologista e diretora técnica para Covid-19 na organização.

Afinal, o que é transmissão aérea?

Desde o início sabemos que não podemos respirar muito perto de alguém contaminado, então como assim a OMS dizia que não há transmissão aérea?

A confusão nasce do conceito de “aéreo”. Quando a OMS dizia não ver evidências de contágio aéreo, a organização queria dizer que não via evidências de que o vírus permanecia flutuando no ar por períodos prolongados.

Isso não significa que o vírus não pudesse ser contraído pelo ar, mas para isso seria necessário estar perto de alguém contaminado. A organização defendia que o vírus ficava presente apenas nas maiores gotículas de saliva geradas com a fala, espirros e tosse. Essas gotículas são pesadas e densas, e a gravidade age quase imediatamente para levá-las ao chão ou para alguma outra superfície, sem um deslocamento muito amplo. Daí a orientação de manter distância social e tomar cuidado com as mãos para não encostar em alguma área contaminada e levá-la ao rosto. Dentro desse cenário, essas medidas bastam.

No entanto, para os cientistas autores da carta à OMS, essas medidas, ainda que importantes, não são suficientes. Eles dizem ver, sim, evidências de que o vírus consegue se manter no ar por períodos mais prolongados. O coronavírus, segundo eles defendem, está presente nos aerossóis, que são gotículas muito menores, mais leves e menos densas produzidas expelidas pelo nariz e pela boca. Essas gotículas seriam, sim, aéreas e podem ser inaladas por alguém que não esteja dentro da “distância de risco” recomendada pela OMS em relação a alguém contaminado. Elas poderiam ser transportadas pela circulação do ar, ou permanecer flutuando por um tempo, mesmo que o paciente infectado já tenha deixado o ambiente.

Para exemplificar: a posição da OMS determinava que você só será infectado em um supermercado se estivesse no corredor simultaneamente com alguém com Covid-19, ou se levar ao rosto a mão contaminada por alguma superfície com gotículas da saliva contaminada. Do outro lado, os cientistas defendem que você também pode ser infectado depois de a outra pessoa deixar o corredor, mesmo que a distância de segurança seja respeitada.

Na visão dos pesquisadores, isso mudaria bastante as recomendações de segurança contra a Covid-19, que mudaria completamente a forma como se encara as medidas de precaução em ambientes fechados. Uma pessoa contaminada em um local com ar condicionado ou com algum tipo de problema na circulação poderia ser o suficiente para infectar todas as pessoas dentro de um estabelecimento.

E existem estudos que mostram, sim, que pessoas com Covid-19 em ambientes fechados possam ter contaminado outras pessoas muito além da “distância segura” de até 2 metros. Pesquisadores chineses conseguiram rastrear um evento de transmissão em um restaurante de Guangzhou em que uma pessoa infectada conseguiu transmitir o vírus para quatro pessoas em sua mesa e mais cinco sentadas em outras mesas, seguindo o fluxo do ar condicionado. Isso não seria possível se o vírus fosse transmitido apenas pelas gotículas maiores de saliva, que não ficam flutuando no ar.

Os signatários da carta reconhecem que as evidências de transmissão aérea ainda são escassas, mas eles pedem que as precauções passem a ser recomendadas pela OMS para que todos os potenciais canais de propagação do vírus sejam interrompidos. Para isso, eles sugerem três medidas que deveriam ser recomendadas o quanto antes:

  • Oferecer ventilação suficiente e eficaz (com fornecimento de ar externo, minimizar recirculação de ar), particularmente em estabelecimentos públicos, locais de trabalho, escolas, hospitais e casas de repouso para idosos;
  • Suplementar a ventilação geral com controles de infecção aérea, como exaustão local, filtragem de ar de alta eficiência e luzes ultravioletas germicidas;
  • Evitar superlotações, principalmente no transporte e estabelecimentos públicos.

Com a admissão da possibilidade de que a transmissão aérea do coronavírus seja real, a OMS agora começa a trabalhar em um novo resumo científico com mais detalhes sobre a transmissão da Covid-19, que deve ser publicado nos próximos dias.

Renato Santino é editor(a) no Olhar Digital