Antes dos planetas do nosso Sistema Solar surgirem, tínhamos planetesimais, pequenos corpos rochosos que se aglomeraram e formaram os planetas. Os cientistas acreditam que a maioria dos meteoros que atingiram a Terra são fragmentos desses “bebês planetários”.
Os cientistas acreditam também que esses planetesimais derreteram completamente, muito cedo em sua história, ou que se transformaram em pouco mais do que “pilhas de entulho”. No entanto, uma família de meteoritos encontrada em diversas partes do mundo parece vir de um planetesimal que contrariou essa tendência.
Novas pesquisas demonstraram que esses meteoritos parecem pertencer a um mesmo corpo parental, fornecendo evidências de que o corpo rochoso do qual eles vieram estava tanto derretido quanto quebrado em uma pilha de escombros. Um verdadeiro quebra-cabeças para os pesquisadores.
O estudo que apresenta esses resultados foi publicado na revista Science Advances e assinado por Clara Maurel, estudante de graduação do Departamento de Ciências da Terra, Atmosféricas e Planetárias (EAPS) do MIT.
Nosso sistema de classificação de meteoritos pressupõe que nenhum corpo parental possa ser a fonte de meteoritos condríticos (derretidos) e acondríticos (não derretidos). Isso parte de nossa compreensão sobre a formação de planetesimais.
Segundo os modelos, eles se formam quase instantaneamente, o que os impede de ter essa “vida dupla”. Existe a hipótese de planetesimais serem diferenciados, com regiões derretidas e não derretidas, mas provar isso tem se mostrado difícil. Pelo menos até agora.
O estudo de Maurel ressalta que planetesimais podem ter mais diversidade do que imaginamos. Segundo a equipe de cientistas, o corpo parental de um raro grupo de meteoritos encontrado na Terra deve ter sido diferenciado, com regiões derretidas e não derretidas. Ele também tinha um núcleo metálico líquido, que produziu um poderoso campo magnético.
Meteorito de Mont Dieu, de Ardenas, na França, é um meteorito de ferro IIE. Imagem: Meteorites.tv
Esse corpo parental mostra também que nossa compreensão sobre planetesimais e suas origens ainda é pequena. Algumas propostas recentes sugerem que eles podem levar mais de um milhão de anos para se formar, e esses resultados comprovam essa teoria.
Nesse período, segundo os autores, “isso poderia ter resultado em estruturas internas parcialmente diferenciadas, com corpos individuais contendo núcleos de ferro, mantos de silicato acondrítico e crostas condríticas”. A chave era encontrar meteoritos que provassem esse processo, os chamados ferros IIE.
Sua história começa nos primeiros dias do Sistema Solar, cerca de 4,5 bilhões de anos atrás. No começo, nosso sistema era apenas um turbilhão de gás e poeira. Com o tempo, esfriou. Assim, a matéria sólida começou a colidir e se fundir, criando os planetesimais. Eles são a fonte da maioria dos meteoritos que atingem a Terra, e a maioria das evidências mostra que eles vieram de corpos condríticos ou acondríticos.
Derretidos ou não, os cientistas acreditam que eles se formaram bastante cedo, e muito rapidamente – apenas alguns milhões de anos. Caso se formasse cedo o bastante, teriam elementos radiogênicos que geram calor conforme decaem para elementos mais estáveis. Elementos radiogênicos eram mais comuns no início do Sistema Solar, e o calor de sua decomposição poderia derreter todo o planetesimal.
Os planetesimais que se formaram depois teriam menos material radiogênico e, consequentemente, não teriam derretido. Não existem muitas evidências sobre planetesimais intermediários, entre esses dois extremos. Os intermediários teriam uma mistura de material derretido e não derretido.
Os meteoritos IIE evidenciam todas as camadas de um corpo diferenciado. Imagem: Maurel et al., 2020
Nesse estudo, a equipe focou na família dos meteoritos ferro IIE, que eles afirmam ser evidência de um planetesimal com núcleo magnético. A equipe se interessou por essa família justamente por ela apresentar evidências de ambas as situações.
O corpo parental desses meteoritos provavelmente tinha crosta sólida e um manto líquido, assim como a Terra. Mas a equipe queria saber se, assim como nosso planeta, o planetesimal tinha um núcleo metálico. O núcleo de ferro fundido da Terra gera um poderoso campo magnético. O mesmo acontecia com o planetesimal? Haveria evidência disso dentro dos meteoritos?
Quando alguns materiais fundidos se solidificam na presença de um campo magnético, eles se alinham com o campo como a agulha de uma bússola. Alguns minerais mantêm essa característica por bilhões de anos.
Para descobrir, os cientistas analisaram amostras de meteoritos de ferro IIE no Laboratório Nacional Lawrence Berkley, usando a Fonte de Luz Avançada (ALS) do laboratório, que gera raios X que interagem com grãos minerais. Eles procuravam por um mineral feito de ferro e níquel que interaja com os raios X de certa maneira. Em escala nanométrica, essa interação pode revelar a orientação magnética dos minerais.
E, como a equipe suspeitava, alguns grãos estavam alinhados magneticamente. Isso é evidência de que eles esfriaram em um campo magnético. Segundo a pesquisa, o campo magnético do planetesimal pode ter sido tão forte quanto o da Terra.
As análises mostraram que a origem do campo magnético era um núcleo de metal líquido. De acordo com os cálculos feitos pela equipe, o núcleo provavelmente tinha várias dezenas de quilômetros de largura.
Segundo Maurel, esse tipo de planetesimal leva mais tempo para se formar – vários milhões de anos a mais. Isso é muito mais do que os modelos atuais mostram.
Mas em qual parte dos planetesimais esses meteoritos se formaram? Eles não podiam ser do núcleo, já que foram solidificados na presença de um campo magnético, que por sua vez só existe enquanto o núcleo estiver em estado líquido.
Após simular diversos cenários, eles conseguiram uma resposta possível. Se um planetesimal com núcleo fundido colidisse com outro objeto, o material poderia ser desalojado do núcelo. Assim, chegaria mais perto da superfície, onde solidificaria.
Gráfico mostra resultados de uma colisão em um planetesimal diferenciado. O material do núcleo sobe à superfície após o impacto. Imagem: Maurel et al., 2020
“Mais tarde, esse corpo passará por muitas outras colisões até as colisões finais que colocarão esses meteoritos na trajetória da Terra”, diz Maurel.
Por enquanto, ainda não se sabe o quão comum é esse tipo de planetesimal. Seja qual for a resposta, provavelmente a encontraremos no cinturão de asteroides, lar de inúmeros objetos rochosos primordiais.
Via: Science Alert