‘Mr. Robot’: último episódio foi um final bem sem vergonha

Redação23/09/2016 15h42, atualizada em 23/09/2016 16h26

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Quando “Mr. Robot” ganhou repercussão na imprensa e nas redes sociais no ano passado, nós do Olhar Digital sabíamos que essa era uma série diferente. Pela primeira vez uma obra de ficção levava tão a sério questões e conceitos reais da tecnologia e da segurança virtual.

Foi por isso que decidimos cobrir, episódio a episódio, a segunda temporada, que chegou ao fim nesta semana. Pela última vez em 2016, confira abaixo nossa análise do capítulo mais recente da série, tome cuidado com os spoilers e aproveite para recapitular a temporada até aqui.

A esta altura, você deve estar se perguntando por que eu digo no título deste artigo que “eps2.9_pyth0n-pt2.p7z”, o episódio exibido nesta quinta-feira, 22, no Brasil, foi um final “sem-vergonha” para a série. A expressão, que muitas vezes carrega uma conotação negativa, no caso de “Mr. Robot” ganha um duplo sentido.

O primeiro sentido tem a ver com a sua coragem. “Mr. Robot” não tem vergonha em explorar uma personalidade própria. Não há nada na TV norte-americana ou mundial que se pareça com o trabalho de Sam Esmail e equipe, seja na temática, na direção, no roteiro ou qualquer outro detalhe artístico e técnico.

Dito isso, repito o que venho dizendo desde o início da temporada: “Mr. Robot” é a melhor série para quem ama tecnologia, como nós do Olhar Digital. Mas é inegável que o final dessa segunda temporada ficou bem abaixo da expectativa gerada pela primeira temporada.

O capítulo dessa semana, após muito suspense, parece confirmar que Tyrell Wellick está vivo e trabalhando esse tempo todo nas sombras em um misterioso “estágio 2” do plano do fsociety em parceria com o Dark Army. Criptografar os registros de cartão de crédito da E Corpo foi apenas um primeiro passo, pois descobrimos que o que Mr. Robot, Tyrell e Whiterose querem é acabar com a corporação até mesmo no mundo “analógico”.

A revelação de Tyrell é, aliás, o segredo mais mal guardado de toda a temporada. As dicas foram espalhadas por todo o lado e sem o menor pudor. Quando ele finalmente aparece contracenando com Elliot, fica a dúvida no personagem – e também em nós, espectadores – se o ex-ececutivo da E Corp é real ou apenas mais uma alucinação do protagonista.

Elliot vai até o limite da sua auto-confiança para descobrir o que de fato é real ou não no retorno de Tyrell e acaba levando um tiro. A cena fecha um elo perfeito com o início da temporada e a já clássica cena em que Mr. Robot atira na cabeça do personagem, forçando-o a usar uma bandagem – que, como sabemos, também não é de verdade.

Reprodução

Com essa referência aos primeiros episódios, a segunda temporada de “Mr. Robot” acaba deixando a impressão de que Elliot está preso em um looping criativo na cabeça dos roteiristas. O personagem foi, provavelmente, o mais mal desenvolvido de toda a série neste ano, diferentemente do papel de herói que ele teve no ano passado.

Elliot passou a maior parte da temporada totalmente alienado ao que acontecia no mundo real com o fsociety, sua irmã Darlene e sua melhor amiga Angela. A história do personagem percorreu um caminho paralelo enquanto ele (sem nos contar) se escondia dos outros personagem na prisão.

Essa história de prisão, aliás, já foi criticada por mim em artigos anteriores. Toda aquela subtrama sobre o isolamento de Elliot enquanto ele tentava aprender a conviver com seu alter ego foi interessante, mas não serviu para quase nada além de deixar a temporada mais longa. Até porque, como o episódio final confirma, os dois ainda não se dão muito bem.

Se pensarmos no conceito da “jornada do herói” de Joseph Campbell, Elliot deveria ter evoluído como personagem nesta temporada, saindo de um ponto de apatia e chegando a um ponto de redenção e revolução pessoal. Não é isso o que acontece. Elliot acaba a temporada do mesmo jeito que começou: assustado, confuso e duvidando de si mesmo. Nada mudou em 12 capítulos. O personagem não andou nem para frente e nem para trás.

Mas não é só nisso que o último episódio escorrega. Outros mistérios alimentados a conta-gotas durante os últimos episódios acabam revelados de maneira apática, para dizer o mínimo, sem o peso de uma catarse que se espera da recompensa de um suspense. Em especial o arco que envolve Joanna Wellick, a esposa de Tyrell.

Durante toda a temporada acreditamos que a personagem guardava um importante segredo sobre o paradeiro de Tyrell. No fim das contas, todo o suspense, a origem dos misteriosos presentes e as ligações mudas, tudo vinha do personagem menos importante em toda a série. Scott Knowles é tão insignificante que o espectador precisa de alguns segundos para lembrar quem ele é quando finalmente aparece na tela.

A cena do encontro dos dois é forte e muito bem escrita. O problema é que se trata da resposta para um suspense que, no fim das contas, enganou o público esse tempo todo. Não era bem isso o que nós estávamos esperando e, sinceramente, quem ainda se importa com a rixa entre Scott e Joanna? Esse foi, sem dúvidas, o núcleo mais cansativo e monótono da temporada.

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O que nos leva a outras revelações decepcionantes. O encontro de Dominique e Darlene no FBI rende uma sequência de diálogos muito boa, mas a informação de que Cisco foi a única vítima do ataque do Dark Army à lanchonete dois episódios atrás foi jogada no ar de uma maneira tão desleixada que ficou a impressão de que os roteiristas não davam a mínima para o personagem – um dos melhores da série, diga-se.

Um momento igualmente decepcionante, ainda, foi a revelação do segredo das investigações de Dom. No fim das contas, a agente do FBI mostra a Darlene tudo o que ela sabe sobre o ataque de 9 de maio, incluindo o protagonismo de Elliot e Tyrell. Mas o que isso significa? Ninguém sabe.

O episódio não deixa claro se aquele mural cheio de fotografias interlaçadas é apenas um punhado de suposições, um devaneio de Dominique, ou se a agente realmente tem pistas quentes para seguir nesse caso – o que ela negou ter alguns minutos antes em outra cena. Mais uma expectativa que o último episódio estragou de maneira “sem-vergonha”.

O gancho que a série deixa para a terceira temporada – já confirmada pelos produtores, com estreia agendada para 2017 – é a “prova” de que Tyrell está vivo em sua ligação para Angela. O convite que os roteiristas fazem aos espectadores é de que eles continuem assistindo a série por mais um ano só para entender a relação da personagem com tudo isso, por menos interessante que essa revelação pareça ser. O momento de catarse do episódio não tem peso algum e se mostra quase descartável.

A cena pós-créditos com Trenton, Mobley e Leon é mais instigante, é verdade, mas não compensa um season finale cheio de frustrações. “Mr. Robot” tentou ao máximo, nesta temporada, dar mais profundidade a seus personagens, mas acabou com um amontoado de explicações e um drama muito artificial. Algo que a série já havia resolvido e deixado para trás na primeira temporada.

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Essa escolha dos roteiristas em focar-se nos personagens em vez de na ação cria dois problemas. O primeiro: é muito difícil acompanhar “Mr. Robot” semana a semana. O ritmo da série é lento e construído com cuidado, o que a torna perfeita para serviços de streaming como a Netflix. Se toda a temporada tivesse sido disponibilizada na internet de uma vez, é provável que a experiência seria menos decepcionante.

Mas o segundo problema é ainda pior. Ao dar mais destaque ao drama, “Mr. Robot” se esquece de uma das suas principais qualidades: a tecnologia. Como dito anteriormente, foi justamente por levar a cultura hacker e o mundo digital a sério que o programa ganhou tanto destaque. Nesta segunda temporada, porém, o que menos importou foi a tecnologia.

Comparemos a cena da revelação de Tyrell, no último episódio, com a introdução de Mr. Robot e o fliperama que serve de base de operação ao fsociety. Na primeira temporada, a série se preocupa em explicar como os hackers se mantém fora de alcance, puxam sua própria rede elétrica e atuam AFK para manter suas operações.

Isso sem falar nas cenas fantásticas de desenvolvimento de códigos e a “engenharia social” empregada pelos personagens para descobrir segredos de pessoas vulneráveis, como os melhores filmes de heist de Hollywood. Na primeira temporada, “Mr. Robot” faz questão de deixar claro como e por quê tudo aquilo é possível de acontecer no mundo real.

Já na segunda temporada, ninguém explica como Tyrell tem acesso à rede elétrica e não atrai suspeitas num prédio abandonado; ou mesmo como aqueles mapas e trechos de firmware da E Corp foram parar nas mãos do Dark Army. Eles simplesmente dizem “conseguimos fazer isso”, sem dizer como, apostando que: a) o público não se importa; ou b), o público é burro demais para questionar esse tipo de coisa. Seja qual for a resposta, eles estão errados.

Fica, portanto, a esperança de que Sam Esmail e companhia aprendam com os erros e tragam “Mr. Robot” de volta ao ritmo frenético, roteiro inteligente e personagens cativantes da primeira temporada. Os fãs merecem mais do que o que vimos neste ano.

“Mr. Robot” é exibido no Brasil pelo canal Space.

Colaboração para o Olhar Digital

Redação é colaboração para o olhar digital no Olhar Digital