Covid-19: cientistas testam vacina experimental em si mesmos

Projeto conta com cerca de 20 pesquisadores que veem a oportunidade de se tornarem imunes 'sem esperar um ano ou mais para que uma vacina seja formalmente aprovada'
Luiz Nogueira30/07/2020 14h15, atualizada em 30/07/2020 14h45

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Atualmente, quase 200 vacinas contra a Covid-19 estão em desenvolvimento pelo mundo. Algumas delas encontram-se em estágios de testes em humanos. No entanto, ainda precisam de mais algum tempo até que possam ser distribuídas para a população.

Para tentar agilizar esse processo, Preston Estep, cientista especializado em genoma e diretor do projeto Genoma Pessoal de Harvard, teve a ideia de criar sua própria versão da vacina. Sem qualquer tipo de aprovação ética e utilizando um laboratório emprestado em Boston, o cientista decidiu ser a própria cobaia do estudo – pelo menos inicialmente.

Agora, Estep e pelo menos outros 20 pesquisadores, tecnólogos e entusiastas da ciência – muitos ligados à Universidade de Harvard e ao MIT -, se voluntariaram para a pesquisa. Segundo eles, essa é a única chance de se tornarem imunes “sem esperar um ano ou mais para que uma vacina seja formalmente aprovada”.

Reprodução

Vacina nasal foi aplicada em cerca de 20 pesquisadores. Polina Tankilevitch/Pexels

Entre as pessoas que participam dos testes está George Church, geneticista da Universidade de Harvard, que aplicou duas doses nasais por semana desde início deste mês. As doses foram enviadas para o médico por correio e ele mesmo misturou os ingredientes.

Ao comentar a criação de Estep, Church diz que acredita que a vacina projetada por seu protegido é “extremamente segura”, mesmo sem comprovação de eficácia. Por mais que a imunização produzida possa ser inofensiva em relação aos efeitos colaterais, ainda resta saber se funcionará como imunização para a doença.

Recrutamento de voluntários

Assim que teve a ideia da criação de um protótipo de vacina, Estep enviou um e-mail para um círculo de conhecidos apresentando a ideia e solicitando apoio. Desde então, o grupo de indivíduos que aceitou a proposta do cientista se denomina ‘Rapid Vaccine Collaborative’ (Radvac). Eles acreditam que há “informações suficientes” publicadas sobre o vírus para orientar um estudo independente.

Para elaborar um projeto inicial, foram analisados relatórios de vacinas contra Sars e Mers, duas outras doenças causadas por tipos diferentes de coronavírus. O objetivo de Estep era encontrar uma “fórmula simples que pudéssemos fazer com materiais prontamente disponíveis. Isso reduziu as coisas a um número pequeno de possibilidades”.

No início de julho, o Radvac publicou um white paper detalhando sua vacina para que qualquer interessado – com o mínimo de conhecimento, obviamente – pudesse reproduzi-la. Foram citados quatro autores no documento, além de uma dúzia de iniciais de participantes que permanecem anônimos.

Composição

A vacina consiste em fragmentos do patógeno – nesse caso, peptídeos, que são essencialmente pequenos pedaços de proteína que correspondem a uma parte do coronavírus. Vacinas do tipo já existem e são eficazes para outras doenças, como hepatite B e papilomavírus humanos.

Para administrar sua vacina, o grupo Radvac decidiu misturar os peptídeos com a quitosana, substância das cascas do camarão, que reveste os peptídeos em uma nanopartícula capaz de passar pela membrana mucosa.

Riscos

Estep acredita que tomar uma vacina peptídica, mesmo que não seja comprovada, pode ser uma maneira de reduzir o risco de infecção. “Estamos oferecendo a oportunidade de diminuir a chance de infecção. Não sugerimos que as pessoas mudem de comportamento, mas isso pode fornecer uma camada extra de proteção”, diz.

Ao distribuir instruções e até suprimentos para uma vacina, o grupo Radvac está operando em uma área cinzenta da ciência. A Food and Drug Administration (FDA) dos Estados Unidos exige autorização para testar novos medicamentos.

No entanto, Estep acredita que sua criação não está sujeita à autorização porque os próprios membros do grupo misturam e administram a vacina – e não há nenhum dinheiro envolvido. “Se você está fazendo e tomando sozinho, a FDA não pode impedi-lo”, declara.

Resultados

Uma vacina nasal é mais fácil de administrar do que uma que precisa ser injetada e, na opinião de Church, é uma opção negligenciada na corrida pela imunização da Covid-19. Aplicações do tipo podem criar o que é chamado de imunidade de mucosa.

No entanto, diferentemente dos anticorpos que aparecem no sangue, que são facilmente detectados, os sinais de imunidade de mucosa podem exigir uma biópsia para que sejam identificados.

Até agora, o grupo não pode dizer se a vacina funciona ou não. Eles não publicaram resultados mostrando a criação de anticorpos contra o vírus, o que é um requisito básico para que novos projetos sejam levados a sério na busca por uma imunização.

Via: Technology Review

Luiz Nogueira
Editor(a)

Luiz Nogueira é editor(a) no Olhar Digital