Nesta quarta-feira (27) a SpaceX tentará fazer história e se tornar a primeira empresa privada a colocar seres humanos em órbita.

Desde o voo de Yuri Gagarin com a Vostok 1, em 12 de Abril de 1961, apenas governos nacionais foram capazes de desenvolver programas espaciais tripulados. Além da União Soviética, os EUA (com John Glenn a bordo da Friendship 7 em 1962) e a China (com a Shenzou 5 em 2003) também desenvolveram esta capacidade.

O evento marca o início de uma nova era para a exploração espacial, e talvez uma nova corrida espacial disputada entre empresas como a SpaceX (de Elon Musk), Blue Origin (de Jeff Bezos, da Amazon) Boeing e Virgin Galactic (de Richard Branson), competindo entre si por outros “primeiros”.

Talvez, em alguns anos, estejamos nos preparando para os primeiros voos comerciais tripulados ao redor da Lua ou, se tudo ocorrer como esperado por Musk, missões a Marte.

O que vai acontecer?

Um foguete Falcon 9 decolará da base aérea de Cabo Canaveral, na Flórida, carregando uma cápsula Crew Dragon com dois astronautas da Nasa a bordo, Doug Hurley e Bob Behnken, ambos veteranos de missões com o ônibus espacial.

O lançamento acontecerá a partir da Platforma 39A, a mesma usada para o lançamento do foguete Saturn V que levou o homem à Lua na missão Apollo 11. Uma vez em órbita, a Crew Dragon realizará uma série de manobras para alcançar a Estação Espacial Internacional (ISS), onde deve se acoplar nesta quinta-feira (28).

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Falcon 9 e Crew Dragon prontas para o lançamento da Demo-2 na histórica plataforma de lançamento 39A, na base aérea de Cabo Canaveral, na Flórida.

A duração total da missão ainda não foi divulgada, mas os astronautas devem ficar a bordo da ISS entre 30 e 120 dias, com um retorno no máximo em 23 de Setembro de 2020. A decisão por uma missão de longa duração foi feita há cerca de seis meses, segundo a Nasa, e a Crew Dragon pode ficar até 190 dias no espaço. A limitação é a degradação natural dos painéis solares que fornecem energia elétrica para a cápsula, algo que ocorre em todos os veículos em órbita.

Com a chegada da Crew Dragon a ISS terá cinco tripulantes à bordo. Três norte-americanos, (Hurley, Behnken e Chris Cassidy) e dois russos (Anatoly Ivanishin e Ivan Vagner). Cassidy, Ivanishin e Vagner chegaram à estação em abril deste ano, como parte da Expedição 63.

Por que é importante?

Além de ser o primeiro lançamento comercial tripulado, a missão Demo-2 também é importante pois é a primeira vez desde 2011, quando o ônibus espacial Atlantis foi aposentado, que os EUA irão lançar astronautas norte-americanos, a partir de solo norte-americano, em um foguete norte-americano.

De 2011 até agora, todas as missões tripuladas à ISS foram lançadas a partir do cosmódromo de Baikonur, no Cazaquistão, usando foguetes e cápsulas Soyuz da agência espacial russa, Roscosmos. Além de ferir o orgulho nacional dos EUA, estas missões tinham outro ponto negativo: custo.

A mais recente (e teoricamente última) aquisição pela Nasa de um assento em uma Soyuz foi anunciada há cerca de duas semanas, por um valor de US$ 90 milhões (cerca de R$ 480 milhões). Além disso, a Nasa também concordou em transportar até 800 Kg de carga russa nas próximas missões norte-americanas à ISS.

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Foguete russo carregando uma cápsula Soyuz com astronautas a caminho da ISS.

A Demo-2 será apenas a primeira de uma série de missões tripuladas da SpaceX. A empresa tem contrato com a Nasa no “Commercial Crew Program” (Programa Tripulado Comercial) para ao menos mais seis missões à ISS.

Além da SpaceX, a Boeing também está desenvolvendo uma cápsula tripulada para missões à ISS, chamada CST-100 Starliner. Durante o primeiro teste, em Dezembro de 2019, a cápsula não conseguiu se acoplar à ISS, mas foi a primeira cápsula comercial preparada para voo tripulado a atingir a órbita terrestre e retornar com segurança ao solo norte-americano. A primeira missão tripulada está prevista para 2021.

Quando vai acontecer?

O lançamento está programado para as 17h33 (horário de Brasília). Caso as condições climáticas não sejam favoráveis ao lançamento, haverá outras janelas de lançamento nos dias 30 e 31 de maio e 1º de junho. Nesta manhã de quarta-feira (27) a previsão é de 60% de condições favoráveis para o lançamento.

Quem são os astronautas?

Bob Behnken e Doug Hurley são astronautas desde 2000, e ambos já voaram em missões do ônibus espacial. Hurley participou da STS-127 com o Endeavour, em 2009, e da STS-135, último voo do Atlantis, em 2011. Benhken também voou duas vezes, ambas no ônibus espacial Endeavour: na STS-123 em 2008 e na STS-130 em 2010.

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Bob Behnken (esquerda) e Doug Hurley, tripulantes da Demo-2.

Além deles há uma equipe de backup, composta pelos astronautas Michael S. Hopkins, que já esteve na Estação Espacial Internacional em 2011 como parte da Expedição 37/38, e Victor J. Glover, que ainda não foi ao espaço. Apesar de seus esforços no Twitter William Shatner, o “Capitão Kirk” de Star Trek, não foi selecionado para a missão.

Como assistir?

O Olhar Digital irá transmitir o lançamento ao vivo, com tradução simultânea para o português, a partir das 17h25. Você poderá acompanhar aqui em nosso site, ou através de nosso canal no YouTube.

A Nasa TV fará uma transmissão ao vivo via YouTube a partir das 13h15 (horário de Brasília), cobrindo todos os preparativos antes do lançamento em si. A SpaceX também transmitirá o lançamento, a partir das 13h30 (horário de Brasília).

Na página da empresa também há mais informações sobre a missão, incluindo uma lista de todas as etapas antes do lançamento, durante a ascensão do foguete e até o acoplamento da cápsula à Estação Espacial Internacional.

Como chegamos até aqui

O primeiro voo espacial tripulado da humanidade foi realizado por Yuri Gagarin a bordo da cápsula Vostok 1, lançada pela União Soviética em 12 de Abril de 1961. A missão durou 108 minutos, durante os quais Gagarin completou uma órbita ao redor da Terra. Curiosamente, o cosmonauta não pousou com sua cápsula: ele se ejetou a cerca de 7 km de altura e pousou de para-quedas.

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A cápsula Vostok 1 usada por Yuri Gagarin. Crédito: SiefkinDR, CC-BY-SA 3.0

Os EUA realizaram seu primeiro lançamento menos de um mês depois, com Alan Shepard a bordo da cápsula Freedom 7. Ela foi transportada ao espaço por um foguete Mercury-Redstone, um derivado de um míssil balístico intercontinental (ICBM) desenvolvido, ironicamente, para atingir alvos na União Soviética.

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Alan Shepard a bordo da Freedom 7. Fonte: Nasa.

Ao contrário de Gagarin, o voo de Shepard foi suborbital: a cápsula subiu em uma trajetória parabólica até uma altitude de 187,5 km antes de pousar, 15 minutos depois no atlântico norte, próximo das Bahamas. Shepard pousou dentro de sua cápsula, se tornando o primeiro astronauta a fazer isto.

O primeiro voo orbital dos EUA foi realizado em 20 de fevereiro de 1962, pouco mais de 10 meses depois de Gagarin, com o astronauta John Glenn a bordo da Friendship 7. A cápsula completou três órbitas ao redor da Terra antes de pousar no Atlântico Norte, e a missão teve uma duração total de quatro horas, 55 minutos e 23 segundos.

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John Glenn a bordo da Friendship 7. Fonte: Nasa

Chegam os chineses

Entre 1961 e 2003 os EUA, a União Soviética e sua “sucessora”, a Rússia, dominaram os voos tripulados. Embora outros países tenham lançado astronautas ao espaço neste período, isto sempre foi feito a partir de espaçonaves como os ônibus espaciais norte-americanos ou foguetes e cápsulas Soyuz, desenvolvidos pela USSR e Rússia, cujos descendentes estão em uso até hoje.

A China se juntou ao seleto clube de nações capazes de realizar missões tripuladas em 15 de outubro de 2003, quando um foguete Longa Marcha 2F levou a cápsula Shenzou 5 ao espaço, com o “taikonauta” (nome dado aos astronautas chineses) Yang Liwei a bordo.

Ao longo de 21 horas Liwei completou 14 órbitas ao redor da Terra, antes de pousar no deserto da Mongólia. Desde então, a China lançou seis missões tripuladas no programa Shenzou, com um total de 14 astronautas a bordo.

A vez do Brasil

Em 30 de Março de 2006, um momento de orgulho para os brasileiros: Marcos Cesar Pontes, atual Ministro da Ciência e Tecnologia do governo de Jair Bolsonaro, se tornou o primeiro astronauta brasileiro (e também o primeiro de língua portuguesa) quando decolou do cosmódromo de Baikonur, no Cazaquistão, para uma missão de uma semana na ISS a bordo da missão Soyuz TMA-8.

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Marcos Pontes a bordo do módulo norte-americano da ISS em 2006. Fonte: Nasa

Pontes inicialmente voaria a bordo de um ônibus espacial norte-americano e completou treinamento da Nasa como especialista de missão em dezembro de 2000, sendo oficialmente certificado como um astronauta. Entretanto, com o cancelamento de um acordo entre a Nasa e a Agência Espacial Brasileira (AEB) para construção de um módulo para a ISS, a missão foi transferida para a Rússia em 2005.

Pontes completou treinamento em Star City, próxima a Moscou, para se familiarizar com o equipamento e procedimentos russos antes de seu voo. Sua visita à ISS coincidiu com as comemorações dos 100 anos do primeiro voo do 14-Bis de Santos-Dumont, considerado por muitos como o pai da aviação.

Missões privadas

A Demo-2 não será a primeira missão tripulada privada a atingir o espaço. Esta honra pertence à Scaled Composites, empresa fundada pelo projetista de aeronaves Burt Rutan.

Em 21 de junho de 2004 a espaçonave SpaceShipOne, comandada pelo piloto Mike Melvill, se separou do avião de transporte White Knight a uma altitude de 14 km, acionou seu foguete e chegou a uma altitude de 100,12 quilômetros, tecnicamente acima da linha Kárman, reconhecida pela Federação Aeronáutica Internacional como o limite do espaço.

Um segundo voo, 16P, aconteceu em 29 de setembro de 2004, atingindo uma altitude de 102,9 km, também sob comando de Melvill. Em um terceiro voo, em 4 de outubro de 2004, a SpaceShipOne atingiu 112,01 quilômetros de altitude sob o comando de Brian Binnie.

Segundo voo da SpaceShip One.

Com a missão 17P a Scaled Composites conquistou o Ansari X Prize, competição organizada pela X Prize Foundation que oferecia um prêmio de US$ 10 milhões (cerca de R$ 53 milhões) para a primeira organização não-comercial a lançar uma aeronave tripulada reutilizável ao espaço em um espaço de duas semanas.

O que torna os voos da Scaled Composites diferentes da missão da SpaceX é que eles foram suborbitais, como o primeiro voo de Shepard em 1961. A Demo-2, além de entrar em órbita, chegará a uma altitude muito maior, se acoplando à ISS a 410 km de altitude.