O STF derrubou no início da noite desta quinta-feira (9) a decisão do desembargador Benedicto Abicair, do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro que determinava que a Netflix deveria parar a exibição do “Especial de Natal Porta dos Fundos“, lançado ao final do ano passado e que causou polêmica por representar Jesus Cristo como homossexual.
A liminar assinada pelo ministro do STF Dias Toffoli determina que a sátira humorística do Porta dos Fundos não é suficiente para “abalar valores da fé cristã”, julgando que a censura à obra, por mais polêmica que possa ser, é inadequada.
“Não se descuida da relevância do respeito à fé cristã (assim como de todas as demais crenças religiosas ou a ausência dela). Não é de se supor, contudo, que uma sátira humorística tenha o condão de abalar valores da fé cristã, cuja existência retrocede há mais de 2 (dois) mil anos, estando insculpida na crença da maioria dos cidadãos brasileiros”, diz o texto.
Em decisões passadas, Toffoli também havia defendido a liberdade de expressão, julgando-a como uma “condição inerente à racionalidade humana, como direito fundamental do indivíduo e corolário do regime democrático”.
Entenda o caso
Na reclamação apresentada ao Supremo, a Netflix sustentava que a decisão do desembargador desrespeitava decisões anteriores do tribunal ao impor “restrições inconstitucionais à liberdade de expressão, de criação e de desenvolvimento artístico”.
A censura determinada pelo desembargador Abicair foi feita a pedido da Associação Centro Dom Bosco de Fé e Cultura, para a qual o especial violou a fé, a dignidade e a honra de milhões de católicos do Brasil, ultrapassando os limites da liberdade de expressão prevista na Constituição.
A Justiça já foi acionada ao menos dez vezes contra a Netflix por conta do programa do Porta dos Fundos, com pedidos de indenização aos fiéis e pedidos de censura ao especial. Na história, Jesus Cristo é retratado como homossexual, em uma trama na qual ele comemora seu aniversário e recebe entidades de outras religiões durante uma “viagem” alucinógena.
Em sua defesa, a Netflix alegou que o direito fundamental à liberdade de expressão não se presta necessariamente à proteção de opiniões que são objeto de concordância de um grupo majoritário da sociedade. “A simples circunstância de que a maioria da população brasileira é cristã não representa fundamento suficiente para suspender a exibição de um conteúdo artístico que incomoda este grupo majoritário”, diz a empresa. “Até porque a obra audiovisual questionada não afirma nada. Vale-se do humor e de elementos obviamente ficcionais para apresentar uma visão sobre aspectos da sexualidade humana”.
De acordo com a reclamação da Netflix, em decisões anteriores, o STF estabeleceu três pilares que devem guiar o Judiciário em conflitos desse tipo: a liberdade de expressão tem preferência sobre outros direitos fundamentais que colidam com ela, é vedada qualquer forma de censura de natureza política, ideológica e artística, e o Estado não pode fixar quaisquer condicionamentos e restrições relacionados ao exercício da liberdade de expressão que não os previstos na própria Constituição.
O grupo Porta dos Fundos também se manifestou através de uma nota, afirmando ser “contra qualquer ato de censura, violência, ilegalidade, autoritarismo e tudo aquilo que não esperávamos mais ter de repudiar em pleno 2020”. Os artistas dizem ter como trabalho “fazer humor e, a partir dele, entreter e estimular reflexões”.
Via: Folha de São Paulo