A lei número 12.965/14, criada em 2009 e sancionada pela presidente Dilma Rousseff em 2014, é a regulamentação que garante os princípios, deveres e direitos dos usuários e operadoras de internet em todo o Brasil. Também chamado de Marco Civil da Internet, o texto é defendido em todo o mundo como um exemplo de proteção aos direitos digitais, mas, por aqui, também gerou muita polêmica.

Com as recentes notícias de que as operadoras de telecomunicações brasileiras querem impor um limite à navegação dos usuários com base em franquias de dados, o Marco Civil voltou ao centro do debate. Se essa lei é a principal garantia de liberdade que os consumidores têm na internet, como o limite de dados foi simplesmente “autorizado”?

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Acontece que é justamente com base no Marco Civil que muitas dessas operadoras já estão enfrentando processos na Justiça, como a ação movida pela Associação Brasileira de Defesa do Consumidor (Proteste). O artigo 7º da lei garante, claramente, que um usuário só pode ter sua navegação interrompida por conta de falta de pagamento, e apenas após a devida notificação.

“O acesso à internet é essencial ao exercício da cidadania, e ao usuário são assegurados os seguintes direitos: I – inviolabilidade da intimidade e da vida privada, sua proteção e indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação; II – inviolabilidade e sigilo do fluxo de suas comunicações pela internet, salvo por ordem judicial, na forma da lei; III – inviolabilidade e sigilo de suas comunicações privadas armazenadas, salvo por ordem judicial; IV – não suspensão da conexão à internet, salvo por débito diretamente decorrente de sua utilização“, diz o texto.

Outros trechos do Marco Civil também podem ser usados para sustentar a tese de que o limite de dados é contra a lei. O artigo 9º, por exemplo, diz que o usuário deve receber “serviços em condições comerciais não discriminatórias”, e as operadoras só podem estabelecer “discriminação ou degradação do tráfego” mediante “requisitos técnicos indispensáveis à prestação adequada dos serviços e aplicações”.

Esse trecho é especialmente importante quando colocado diante de uma recente fala de Christian Gebara, executivo da Telefônica/Vivo responsável pela recente fusão com a operadora GVT. Segundo ele, o limite de dados é benéfico para quem faz uso leve da internet (“e-mails e navegação”, em suas palavras), mas “quem faz uso de streaming de vídeos, por exemplo, naturalmente terá que pagar mais”.

Sendo assim, a Vivo diz que quem usa serviços como Netflix e YouTube terá de usar um plano diferente, com limite maior e consequentemente mais caro, para navegar mais à vontade pela internet. Esse tipo de discriminação de conteúdo fere o princípio da neutralidade da rede garantido pelo Marco Civil. Em outras palavras, esse modelo de cobrança seria contra a lei.

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Anatel

Por outro lado, o Marco Civil não deixa explícitas regras quanto ao modelo de cobrança autorizado às operadoras. Não há menção aos termos “franquia” ou “limites de dados” em todo o texto, o que as empresas podem usar para defender a sua tese de que o limite é benéfico. Além disso, a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) parece estar do lado das operadoras nessa história.

A agência, que é responsável por garantir exigências mínimas quanto ao modo de operação das provedoras de telefonia e internet no Brasil, diz que o modelo de cobrança por franquia é regulamentado normalmente, tanto para conexões de banda larga fixa quanto para redes móveis, por 2G, 3G ou 4G.

“O art. 63. do Regulamento do Serviço de Comunicação Multimídia (banda larga fixa) prevê que o estabelecimento de franquias é possível e que a redução da velocidade é uma alternativa para a manutenção do serviço, caso o usuário não deseje efetuar pagamento adicional pelo consumo excedente”, disse a Anatel em comunicado enviado ao Olhar Digital.

Já o Regulamento Geral de Direitos do Consumidor de Serviços de Telecomunicações (RGC), também sustentado pela Anatel, diz que as operadoras apenas são obrigadas a informar o cliente quando seu pacote de dados estiver próximo do fim (artigo 80). Além disso, as empresas devem fornecer ferramentas para que o consumidor acompanhe em tempo real os seus gastos, seja pela internet, telefone ou outros meios (artigo 22).

Quem é o vilão?

Se o Marco Civil deixa claro que esse tipo de limitação é ilegal, mas a Anatel regulamenta o modelo de cobrança à vontade das operadoras, resta aos dois lados dessa história disputarem a razão na Justiça. Tanto a Proteste quanto a Promotoria de Justiça de Defesa do Consumidor (Prodecon) do Ministério Público do Distrito Federal possuem ações contra as operadoras atualmente em tramitação.

O Ministério das Comunicações também pediu que a Anatel defenda os consumidores contra práticas abusivas das provedoras, enquanto algumas delas, como Oi e NET, disseram estar dispostas a “fazer vistas grossas” quanto ao consumo de dados dos clientes que ultrapassarem os limites. Por enquanto, porém, resta aos usuários aguardar o desenrolar dos próximos capítulos.

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