Tudo começou quando a Vivo, que após a compra da GVT, anunciou que seus planos de internet passariam a contar com uma limitação da franquia de dados que poderia resultar no bloqueio da conexão caso a marca fosse atingida. A medida vale para contratos firmados após o dia 1º de abril.

Em entrevista ao Olhar Digital, Rafael Zanatta, responsável pelas pesquisas de telecomunicações do Instituto de Defesa do Consumidor, o Idec, afirma que a limitação dos dados realizada pelas prestadoras fere artigos do Código de Defesa do Consumidor e em nada tem a ver com a melhoria da infraestrutura de rede. “Isso é falso. Existem estudos e relatórios importantes que dizem que a franquia de dados não é a resposta adequada para o congestionamento do tráfego de rede”, relata.

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Zanatta também diz que a medida irá beneficiar apenas as empresas que prestam serviços de internet e não os consumidores, uma vez que elas poderão comercializar pacotes de dados para internet fixa, do mesmo modo como é feito na internet móvel. “Os executivos se reúnem e dizem: ‘como podemos ganhar mais dinheiro com a internet banda larga? Assim. E assim nascem as franquias”, conta.

No momento em que conversávamos, Zanatta estava em frente a um fórum de Brasília para entregar a petição e dar início aos trabalhos jurídicos que buscam extinguir o limite de dados. “Vou explicar o que está acontecendo para um juiz e mostrar os efeitos e o contexto da situação. Depois disso, ele terá um tempo estabelecido para decidir sobre essa liminar”, explica.

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Infelizes com a situação, os consumidores também estão orquestrando uma petição no site Avaaz pedindo que a medida anunciada seja anulada para que a “moda não pegue” com as outras prestadoras. Chamado de “Movimento Internet sem limites”, o abaixo-assinado já conta com mais de um milhão de assinaturas.

Por e-mail, os organizadores da petição pública ressaltam que a manifestação é organizada por “colaboradores independentes reunidos de forma espontânea e engajada”. Eles também garantem não possuir qualquer vínculo com órgãos focados na defesa dos direitos do consumidor ou com partidos políticos. 

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Mas não são apenas os consumidores e o Idec que estão insatisfeitos. Organizações como a Associação Brasileira de Defesa do Consumidor, a Proteste, também se manifestam contra a alteração. Ao Olhar Digital, a coordenadora institucional Maria Inês Dolci, classificou a ação do bloqueio da internet como “um tremendo retrocesso”.

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Para tentar combater a mudança anunciada, ela explica que os próximos passos do órgão estão relacionados à petição oficial sobre o assunto que está disponível no site da Proteste. Até o momento, ela conta com pouco mais de 45 mil assinaturas. 

Dolci ainda afirma que a organização tem uma ação judicial já em andamento. No caso, o órgão acusa a Vivo de violar o Marco Civil da Internet, lei que, entre outras coisas, determina que as operadoras de telefonia não podem cortar o acesso à internet fixa do usuário por conta do limite de dados. O bloqueio só pode ser realizado em caso de não pagamento do serviço.

A alegação vai em direção oposta às aprovações da Agência Nacional de Telecomunicações, a Anatel. No entendimento da Proteste, a Vivo está violando as leis que regulam a internet fixa no Brasil e que foram propostas no Marco Civil da Internet. “A Anatel não pode regular o serviço de internet no Brasil. Ela pode dizer que concorda, mas não pode ditar normas para a internet fixa”, explica a coordenadora. 

Em entrevista ao site Convergência Digital, o superintendente de competição da Anatel, Carlos Baigorri, afirmou que não há nada de errado com a cobrança por franquia na internet fixa e que a adoção pode se tornar, até mesmo, algo benéfico ao consumidor. “Não existe ‘um único consumidor’. Então, para quem está abaixo da média e consome menos, o limite é melhor”.

Ainda hoje, o Ministério das Comunicações decidiu interceder na questão. Em ofício encaminhado à Anatel, o ministro André Figueiredo pede que o órgão defenda os interesses dos consumidores contra práticas abusivas por parte das operadoras. Segundo ele, o acesso livre à internet é um direito essencial defendido pelo governo federal.

“Nós sabemos que existe uma previsão regimental da possibilidade de limitar essa franquia, mas contratos não podem ter uma alteração unilateral. A Anatel precisa tomar ações que protejam o usuário”, disse Figueiredo. 

Vale lembrar também que a Anatel já previa desde 2014 que as operadoras de telefonia passariam a impor limite de dados na internet fixa, seguindo a tendência iniciada pelas franquias de dados móveis 

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O Olhar Digital tentou falar com a operadora Vivo sobre as críticas que o serviço está sofrendo após o anúncio do bloqueio da internet para quem atingir a franquia. Nenhum porta-voz foi encontrado. 

Limites baixos

A medida da Vivo causou furor nas redes sociais, principalmente porque os limites estabelecidos nos planos da operadora de telefonia são restritivos para usuários que baixam jogos e utilizam serviços de streaming com frequência. A própria operadora deixou claro que quem usa Netflix e YouTube terá que pagar mais pela internet.

Em experimento realizado pelo site Adrenaline e publicado aqui, fica fácil de entender por que devemos temer as franquias da empresa. O estudo mostrou que clientes que utilizam de forma frequente os serviços de streaming e ocasionalmente realizam o download de jogos, podem ultrapassar com facilidade o limite de dados imposto até nos planos mais caros.

Segundo o experimento, quem realiza o download dois jogos de 40 GB cada por mês, utiliza a internet durante quatro horas diárias, assiste um episódio de um seriado do Netflix e passa uma hora no YouTube por dia, pode gastar mais de 157 GB. O valor é maior do que a franquia máxima oferecida pela Vivo: 130 GB, no plano “Vivo Internet de 25 Mbps”.

Desde 2004

Apesar da Vivo ter anunciado agora a franquia de dados para a internet, a limitação da conexão não é exatamente uma novidade. A prática já é adotada pela NET, por exemplo, desde 2004. No entanto, a companhia não bloqueia o acesso à internet, apenas reduz a velocidade de conexão. Apesar de criticada, essa prática não viola o Marco Civil da Internet.