A Motorola já não é mais a mesma. Em setembro de 1928, a empresa se chamava Galvin Manufacturing Corporation e vendia eliminadores de baterias. Após a Segunda Guerra Mundial, já com o novo nome, era conhecida marca de televisores e aparelhos de comunicação via rádio – os antepassados dos telefones celulares.
Mais de 80 anos depois, a empresa se dividiu em duas, passando a fatia responsável por produtos móveis para um novo dono: Google. Foi sob o guarda-chuva da criadora do Android que a Motorola lançou alguns de seus smartphones mais famosos, como o Moto G e o Moto X.
Pouco tempo depois, porém, o Google acabou “passando o ponto”, vendendo a Motorola por um quarto do preço que pagou por ela. Hoje, a companhia é uma subsidiária da chinesa Lenovo, que no fim do ano passado decretou: não existe mais Motorola, apenas “Moto by Lenovo”, uma linha de smartphones paralela à sua própria família de celulares “Vibe”.
A mudança ganhou novos contornos quando a quarta geração do Moto G chegou ao mercado com um design totalmente remodelado, dividido em diferentes versões e com um preço que colocava em risco sua fama de “rei do custo-benefício”. Meses antes, o Moto G já havia perdido o posto de smartphone mais buscado do Brasil para o Galaxy J5, da Samsung.
Seria tudo isso consequência direta da nova administração? O que sobrou da Motorola que os consumidores conheciam após a venda para a Lenovo? O Olhar Digital levou essas questões para Renato Arradi, gerente de produtos da empresa no Brasil, e voltou com a entrevista exclusiva que você confere abaixo.
OLHAR DIGITAL: Depois do fim da marca Motorola, que virou só “Moto”, a Lenovo lançou no Brasil o Moto G4 e está trazendo em breve o Moto Z. São aparelhos bem diferentes dos seus antecessores, principalmente em termos de design e preço. Há alguma relação?
Renato Arradi: Na verdade, o Moto G4 é uma evolução natural do portfólio. Desde o primeiro Moto X e Moto G, a gente tinha aquela característica de um produto mais curvo, mas ao longo do tempo a gente percebeu que estava na hora de renovar um pouco o design. Então, o portfólio que você está enxergando hoje, ele não é fruto das modificações que a gente teve como empresa. Toda a parte de portfólio, ela começa o desenvolvimento muito tempo atrás e a gente vai numa evolução natural.
Hoje a gente está com uma tendência de aparelhos mais finos, chegando no ápice do Moto Z [que tem 5,2 milímetros de espessura]. Mas essa é uma tendência que a gente identificou e a gente quis trazer, até porque esse é um design que funciona um pouco melhor na questão de telas de 5,5 polegadas também.
OD: E como os consumidores reagiram a essas mudanças, no ponto de vista de vocês?
RA: Em termos de produto, ele está super bem aceito. É um produto que está acima das expectativas em termos de resultado, de procura e de vendas mesmo. Obviamente, tem a questão de preço, ou até questão de entendimento do portfólio, porque a gente antes tinha o Moto G com variações de memória – com 8GB, 16GB – e agora a gente quebrou em uma família com três produtos, onde eles têm um posicionamento mais claro. A evolução natural do que era a terceira geração é o Moto G4, e se você for olhar em termos de valor, ele é um reflexo do mercado, de dólar, queda da Lei do Bem…
OD: Vocês acham então que o público aceitou bem essa evolução do Moto G?
RA: Com certeza. A gente, hoje, não tem a menor dúvida disso.
OD: Os usuários da Motorola geralmente são também fãs da marca. Há muitos que tiveram um V3 na década passada e que desde então só usam celulares da Motorola. Vocês acham que esse consumidor já entendeu que a Lenovo é a Motorola, e que ele pode ter o mesmo nível de confiança nessa “nova” marca?
RA: Bom, aí tem uma série de aspectos que a gente tem que pensar. Primeiro: como empresa, aqui no Brasil, a entidade legal continua sendo Motorola. A empresa é Motorola. Em termos de desenvolvimento de produto, a área de MBG [Mobile Business Group, ou “Grupo de Negócios Mobile”], que é fruto dessa fusão da Motorola com a Lenovo, hoje ela é uma empresa integrada, onde o desenvolvimento do portfólio é único, mas a gente tem duas marcas.
Em termos de qualidade, todos os produtos vendidos no Brasil são fabricados no Brasil. A gente tem uma única fábrica, um único suporte, uma única equipe de pós-venda… Então, em termos de critérios de qualidade, o suporte que a gente dá, é uma única empresa. Não tem diferença no atendimento que você vai ter no produto Vibe e no produto Moto.
OD: Então não existe, para vocês, essa prioridade de fazer o público entender que o Moto G agora é da Lenovo? O consumidor pode continuar se referindo à empresa como Motorola?
RA: A gente não tem uma busca muito grande, digamos, em esclarecer isso. O que a gente está se preocupando em fazer: comunicar melhor as duas marcas. O nome Lenovo vai cada vez mais permear as famílias, então se você pega hoje um Moto G, você já tem uma identificação ali dentro da marca Lenovo, o que a gente não tinha um ano atrás. Devagar, acho que o consumidor brasileiro vai entender que Lenovo também é uma marca de smartphone. O que eu acho que é importante, é o nosso trabalho e a gente conta com vocês [imprensa], é deixar claro para as pessoas que a empresa é a mesma. As pessoas são as mesmas, os times de desenvolvimento de portfólio são os mesmos.
OD: Vocês acreditam, então, que o fim da marca Motorola não trouxe dificuldades para a Lenovo? Considerando que o mercado brasileiro de smartphones está ficando cada vez mais competitivo…
RA: Eu acredito que não. É até engraçado, mas, pensando no caso que eu citei do Moto G… a gente tem números que mostram que o Moto G 3ª Geração de 2GB [de memória RAM], se você aplicar a diferença de dólar e a diferença da Lei do Bem, você chega no Moto G 4ª Geração que tem também 2GB. Mas aí você olha em redes sociais, as pessoas dizem “agora que entrou a Lenovo, eles subiram o preço”. Mas isso foi uma dinâmica de mercado.
OD: Muita gente costuma comparar com o Moto G 1ª Geração, e é aí que a diferença de preço fica mais evidente.
RA: O Moto G 1ª Geração eu não vou lembrar de cabeça, mas o dólar, na época, era R$ 1,60, algo assim. Era uma outra realidade. A gente tem uma preocupação muito grande em esclarecer esse tipo de coisa. Aquilo que as pessoas enxergavam de bom na marca Motorola continua existindo, não se perdeu nada. Essas evoluções que a gente está enxergando aqui são fruto de anos de pesquisa e desenvolvimento.
OD: E o que a Lenovo trouxe de mudança para a Motorola?
RA: Junto com a Lenovo, a gente só ganhou. Um exemplo claro é o Moto Z. O projetor [usado em um dos acessórios modulares] é uma tecnologia que a Lenovo tinha. Então a gente conseguiu unir tecnologias em que a Lenovo tinha experiência muito grande com tecnologias de smartphone, que o “lado Motorola”, digamos, tinha; e assim a gente conseguiu um projetor integrado com um Snap dentro da solução do Moto Z.
Tudo isso só traz benefícios para o consumidor. O ponto que a gente tem que trabalhar é mostrar para as pessoas que a Lenovo é uma marca muito grande, com relevância na área corporativa, na área de computadores pessoais, na área de smartphones; e fazer as pessoas entenderem que a tendência é só melhorar.
OD: O segmento de aparelhos intermediários mais em conta, abaixo de R$ 1 mil, está ficando cada vez mais vazio. Se você for procurar, verá que são poucas as empresas lançando smartphones de entrada hoje. O que vocês acham disso?
RA: Eu acho que tem uma combinação de diversos fatores aí, mas a gente está ocupando esses espaços. Eu acho que a evolução da Lei do Bem criou algumas “zonas” que realmente têm, talvez, uma quantidade menor de opções. Mas a gente enxerga isso como uma oportunidade. Obviamente, tem pessoas para todas as categorias de smartphones. Com a combinação do Moto e do Vibe, o plano que a gente tem, obviamente, é onde tiver demanda e necessidade do consumidor, a gente possa tentar endereçar isso de alguma maneira.
OD: Então existe essa estratégia de colocar os smartphones mais em conta para a linha Vibe e os mais caros para a linha Moto?
RA: Quando você fala de valor mais baixo, o problema é que muitas vezes a gente tem associado isso a algo referente a qualidade. E não é o caso. É proposta de marca realmente. O Vibe A7010, quando a gente lançou, por exemplo, ele tinha sensor de impressão digital, e foi posicionado em um valor extremamente competitivo. É um produto de alta qualidade, com recursos que não tinha nada na categoria.
OD: A própria linha Moto G ficou popular por ser um smartphone de preço acessível e de boa tecnologia.
RA: Sim, mas é que a gente é fiel a alguns princípios da família Moto. Com a família Vibe a gente tem uma liberdade um pouco maior. Por exemplo: quando a gente trouxe o K5, ele tinha um acabamento metálico que naquela faixa de preço também não existia. Ele era um produto abaixo de R$ 1 mil com recursos e características que não tem nada no mercado. Eu não tenho um produto Moto com aquelas características naquela faixa de preço.
Nesse sentido, olhando friamente, você pode falar que o Vibe tem um posicionamento mais barato. Mas a gente não gosta de priorizar muito isso pela questão de talvez dar a ideia de ser um produto de menor qualidade. Não é. A gente tem objetivos diferentes, estratégias diferentes nos produtos, mas são produtos de qualidade. Só que a gente tem uma relação de custo-benefício talvez mais agressiva nos produtos Vibe.
OD: O mercado tem passado por algumas transformações recentes, com a Sony desistindo da produção no Brasil, a Xiaomi também colocando o pé mais para trás… Como você acha que a Lenovo pode se encaixar com a linha Vibe nesse mercado em transformação?
RA: A gente não tem nenhum problema ou dúvidas em relação ao futuro na América Latina e no Brasil, muito pelo contrário. A gente passou aí por algumas transições e hoje, com a Lenovo, a nossa missão e objetivos, nossa confiança no país e na região não só não diminuíram como ficaram fortalecidas. E a visão que a gente tem é de longo prazo. Não vou comentar sobre os outros [concorrentes], acho que cada um tem suas particularidades. Mas a Lenovo está super confortável e confiante, cada vez mais, no Brasil.
OD: Lá fora, a Lenovo tem diversos modelos de smartphones Vibe que não são vendidos por aqui. Como vocês escolhem o que é e o que não é trazido para cá? É uma decisão local, uma decisão que vem de fora, uma estratégia global…?
RA: Cada mercado tem suas particularidades. Quando a gente olha o mercado brasileiro, a gente vê algumas características. Por exemplo, não é todo país que está com as duas marcas [Vibe e Moto]. Mas a gente tem uma visão de portfólio para a região. Quando a gente define um produto que vamos trazer para cá, a gente leva em conta como ele se encaixa na necessidade do usuário, no perfil do consumidor brasileiro…
Há anos a gente tem uma estratégia de ter um portfólio reduzido, onde as pessoas conseguem entender qual é o melhor produto para elas, ao invés de ter uma infinidade de produtos. A gente não tem como meta lançar todo produto aqui. A meta é lançar o produto certo para cada tipo de consumidor com o qual a gente se identifica. Isso não quer dizer, por exemplo, que um produto que está lá fora não será trazido ao Brasil. Mas a visão é de olhar o que é bom para cada país.
OD: Acontece também de um produto lançado lá fora não ser exatamente igual quando chega por aqui.
RA: A gente tem um portfólio global, mas existem variações, seja na linha Moto ou a linha Vibe. O Moto G, por exemplo, tem uma opção no Brasil de TV digital integrada, o que não existe em nenhum outro lugar do mundo. Todo o portfólio da linha Moto é dual chip inteligente, com uma série de facilidades que a gente criou especificamente para o mercado brasileiro.
Se você pegar o Vibe vendido na Ásia, ele tem uma série de aplicativos pré-instalados porque o consumidor asiático está acostumado a isso. E por aqui a gente adotou a estratégia do software mais puro, a interface é a mais limpa possível. O produto pode ser global, mas a gente sempre faz essas adaptações olhando para o consumidor.
OD: Para o futuro, em que posição do ranking de prioridade a Lenovo coloca o Brasil? Estamos próximos do topo?
RA: O Brasil e a América Latina, hoje, do ponto e vista de MBG, é um dos mercados mais importantes. É topo, sem a menor dúvida. Pelo investimento que a gente faz, pelo posicionamento que a gente tem aqui. O Brasil em especial, dentro da América Latina, tem uma relevância muito grande.