Nos últimos cinco anos, o Reino Unido exportou mais de 75 milhões de libras em produtos de espionagem para 17 regimes repressivos, conforme informou com exclusividade o The Independent. Entre os compradores, estão China, Arábia Saudita e outros países considerados “não livres” pela Freedom House, uma das mais importantes organizações em prol da democracia

Documentos públicos mostram que os ítens vendidos incluem escutas telefônicas, spywares (um software utilizado para roubar informações pessoais ou confidenciais de computadores) e outros equipamentos de interceptação de telecomunicações que tais regimes poderiam usar para espionar dissidentes. Isso vai contra as regras do próprio governo britânico, que aplica sanções à exportação de equipamentos que possam ser utilizados para repressão interna em outros países. 

Outros compradores não são oficialmente regimes repressivos, mas tampouco se baseiam em ideais democráticos. É o caso das Filipinas, onde a polícia realiza execuções extrajudiciais endossada pelo próprio presidente, que chegou a propor a criação de um “esquadrão da morte”; e de Hong Kong, território autônomo que tem sido criticado por reprimir manifestações pró-democracia. 

 

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Ferramentas de espionagem podem ser utilizadas para prejudicar opositores políticos. Imagem: Pixabay

Segundo Oliver Feeley-Sprague, diretor do programa Militar, de Segurança e de Polícia da Anistia Internacional do Reino Unido, as exportações são “motivo de real preocupação, a menos que os ministros britânicos demonstrem que foram tomadas as medidas adequadas para impedir o mau uso do equipamento vendido”. Ele chama atenção ao fato de que, em países como Arábia Saudita, Emirados Árabes e Turquia, existe o risco de que essas tecnologias sejam utilizadas ilegalmente contra ativistas de direitos humanos, jornalistas e opositores. 

O partido trabalhista da Inglaterra pediu ao governo que prove estar cumprindo suas próprias regras contra ditadores. Emily Thornberry, secretária de comércio internacional do partido, afirmou que “o governo tem o dever moral e legal de assegurar que as exportações provenientes do Reino Unido não sejam usadas com o propósito de prejudicar oponentes políticos e minar as liberdades democráticas”. 

O Reino Unido, por meio de um porta-voz, se defendeu das acusações: “o governo leva a sério as responsabilidades de exportação e avalia as licenças de acordo com critérios rigorosos. Não emitiríamos nenhuma licença que fosse inconsistentes com esses critérios”. 

Reino Unido vende armas à Arábia Saudita

Há poucas semanas, o Reino Unido anunciou que voltaria a fornecer armamento para a Arábia Saudita. A decisão foi tomada um ano após a suspenção do comércio de armas entre os dois países – em 2019, o governo britânico interrompeu as vendas devido à atuação militar da Arábia Saudita no Iêmen, onde ocorre um conflito que já resultou em milhares de mortos. 

A ministra britânica do Comércio Internacional, Liz Truss, justifica a retomada ao considerar que o regime saudita “tem intenção e capacidade de agir em concordância com o Direito Internacional Humanitário”. De acordo com a ministra, “não há evidências de que a exportação de armas para o país configure riscos”. 

Por outro lado, organizações de Direitos Humanos criticaram o anúncio e afirmaram que essas palavras mancham a reputação do país. Andrew Smith, da Campanha Contra o Comércio de Armas, diz que a retomada “é sintomática de uma política internacional hipócrita e perigosa, que prioriza a exportação de armas em detrimento dos direitos humanos”.

“Spyware e equipamento de vigilância são frequentemente usados contra defensores de direitos humanos. Muitos dos regimes que compram a tecnologia têm uma longa história de impor leis brutais e repressivas e de atacar ativistas”, afirma Smith.