Uma grande falha nos sistemas de GPS dos navios intriga especialistas na China. No porto de Xangai, o mais movimentado do mundo, diversas embarcações registraram falhas em seus sistemas de navegação. A causa disso ainda é incerta, mas a suspeita é de um sistema de armamento eletrônico.
Novas pesquisas mostram que milhares de embarcações em Xangai foram vítimas de uma nova arma capaz de falsificar sistemas de GPS. Não se sabe quem está por trás dessa falsificação, ou qual seu objetivo. Esses navios podem ser teste de um sistema de guerra eletrônica ou danos colaterais em um conflito entre criminosos ambientais e o governo chinês.
Quando marinheiros perdem um sinal de GPS, eles podem recorrer a gráficos de papel, radar e navegação visual, mas se o sinal for falsificado, os tripulantes receberão informações falsas acerca de sua posição e a de outros navios. Um pesquisador do Centro de Estudos Avançados de Defesa (C4ADS), uma organização sem fins lucrativos que analisa conflitos globais, recebeu uma dica que sugeria uma falsificação dos sinais em Xangai. Isso só havia sido registrado anteriormente com evidências de uma equipe de guerra eletrônica móvel da Rússia, que interrompia sinais de GPS durante aparições públicas do presidente Vladimir Putin.
O C4ADS analisou os dados e notou que os ataques começaram no verão de 2018, aumentando com o passar dos meses. A interferência mais intensa ocorreu em julho, quando quase 300 navios tiveram sua localização falsificada e, em sua grande maioria, navegava no rio Huangpu. Os dados mais abrangentes de Xangai mostravam os navios se reunindo em grandes círculos, algo nunca visto antes pelos pesquisadores.
Eles então analisaram outro meio de locomoção: a bicicleta. Somente em Xangai, existem dez milhões delas. Muitos dos ciclistas da cidade usam aplicativos fitness para rastrear suas atividades. Um em particular, o Strava, compartilha um mapa global dos dois anos anteriores. Aproximando-se da cidade, os analistas podiam ver os mesmos circulos à beira do rio, mostrando que os ataques afetavam todos os sistemas de GPS.
A Força Aérea dos EUA mantém pelo menos 24 satélites de GPS orbitando a Terra. Cada satélite transmite códigos gerados a partir de sua posição e da hora atual, medidos por um relógio atômico super-preciso. Cada relógio é sincronizado com o dos outros 30 satélites. Quanto mais satélites, maior a precisão dos receptores de GPS.
Enquanto os satélites transmitem vários sinais diferentes destinados ao uso militar e civil, o AIS conta com apenas um deles. Esses sinais são fracos e podem ser facilmente abafados. Eles também podem ser falsificados por sinais que imitam satélites GPS reais, mas codificam dados falsos de tempo e posição.
Na clonagem, todo receptor recebe os mesmos sinais e, portanto, acredita estar no mesmo local. Contudo, em Xangai, cada embarcação foi para um local diferente, algo novo para os especialistas. Até a polícia fluvial da cidade sofreu os ataques: um de seus barcos foi falsificado pelo menos 394 vezes em nove meses.
Uma possibilidade é que esses sinais estejam atrelados a uma guerra eletrônica. Durante anos, a polícia local tem apreendido navios que invadem os transponders (dispositivo de comunicação eletrônico) que ajudam a manter os rios e portos em segurança. A razão para isso é um tipo de carga: areia. Chamada de “ouro macio” pelas construtoras chinesas, a areia do rio Yangtze tem a composição ideal para cimento, o que ajudou a impulsionar a construção da cidade. A extração imprudente, contudo, fez com que as autoridades proibissem sua mineração.
O comércio ilegal cresceu e, em 2019, a polícia apreendeu 305 barcos de mineração. As autoridades alegam que navios ilegais causaram 23 naufrágios no último ano, matando 53 pessoas. Porém os ladrões de areia não são os únicos a utilizar os sistemas AIS clonados. Em junho, um navio petroleiro bateu em um barco-patrulha enquanto tentava fugir. A polícia acredita que estava contrabandeando petróleo.
O que os especialistas agora questionam é se os hacks anteriores estão conectados aos novos círculos GPS de Xangai. Outra possibilidade, porém, é que o próprio governo chinês esteja testando uma nova arma eletrônica, talvez para uso em regiões disputadas do Mar da China Meridional.