Entenda a vacina britânica contra Covid-19 que pode estar pronta em setembro

Pesquisadores têm previsão otimista, e testes clínicos já estão em andamento; saiba o que falta para ela estar pronta
Renato Santino28/04/2020 22h05, atualizada em 28/04/2020 22h40

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Neste momento, o mundo corre contra o tempo para tentar desenvolver uma vacina que pode acelerar o fim da crise causada pelo coronavírus. A maior parte dos especialistas não acredita que isso possa ser feito em menos de um ano, mas não todos: na Universidade de Oxford, no Reino Unido, pesquisadores acreditam que podem ter resultados ainda em 2020.

O Olhar Digital já falou sobre o projeto de vacina desenvolvido em Oxford. Liderados pela professora de vacinologia Sarah Gilbert, os pesquisadores anunciaram o início dos testes com humanos na semana passada, recebendo também investimento do governo do Reino Unido para apoiar e acelerar os experimentos.

A vacina testada por Oxford já tem nome: ChAdOx1 nCoV-19. A segunda parte do nome faz referência ao combate ao coronavírus e à Covid-19; já a primeira é um dos motivos pelo qual o projeto tem avançado tão rapidamente. O ChAdOx1 é um outro vírus, mais especificamente um adenovírus, já bastante conhecido, causador de uma variação do resfriado comum, capaz de infectar chimpanzés, mas geneticamente alterado para não poder se multiplicar no corpo humano.

Vacinas feitas a partir do ChAdOx1, segundo os pesquisadores, já se mostraram seguras no passado, quando ministradas em 320 pessoas. Seus efeitos colaterais conhecidos são leves e temporários, podendo causar dor no braço, dor de cabeça ou febre. Não há relatos de efeitos adversos mais graves ou permanentes.

Sabendo disso, os pesquisadores já haviam adaptado o ChAdOx1 para combater outro coronavírus, causador da Mers (sigla para Síndrome Respiratória do Oriente Médio), com uma vacina batizada de ChAdOx1 Mers. Agora, estão replicando a técnica para combater o Sars-Cov-2, causador da Covid-19.

Para alcançar esse objetivo, a equipe incluiu material genético do Sars-Cov-2 ao ChAdOx1. Mais especificamente, foram incluídos os genes responsáveis pela produção da proteína Spike, que dá ao coronavírus o seu formato de coroa de espinhos. Essa proteína é chave para a penetração do vírus nas células humanas ao realizar a ligação com receptores ACE2.

O objetivo da vacina é oferecer ao organismo uma forma mais segura de entrar em contato com a proteína Spike, para que ele possa desenvolver a resposta imunológica adequada. Assim, o corpo já estaria preparado para conter o vírus em uma situação de contágio real.

Como serão os testes?

Haverá três fases de testes com seres humanos. No primeiro, os pesquisadores esperam receber pessoas com idades entre 18 e 55 anos com boa saúde, excluindo mulheres que estejam grávidas, planejem engravidar ou que estejam amamentando, e que não tenham sido diagnosticados com a Covid-19. Posteriormente, serão incluídas pessoas idosas na segunda etapa, e, finalmente, na terceira fase haverá um ampliação, para alcançar até 5.000 voluntários.

Os cientistas esperam receber 1.112 participantes nesta primeira etapa. Entre estes, dez receberão duas doses da vacina, com um espaçamento de quatro semanas. Os outros serão divididos em dois grupos de 551: um deles receberá a ChAdOx1 nCoV-19, que visa imunizar o organismo contra o coronavírus, enquanto o outro receberá uma outra vacina, que não funciona contra a Covid-19.

Existe um motivo para dividir as pessoas em dois grupos. Para ter certeza se a vacina testada contra o coronavírus funciona ou não, é necessário compará-la com algo que comprovadamente não cria imunidade contra o micróbio para eliminar vieses e coincidências dos resultados. É o que se chama de grupo de controle.

Os pesquisadores explicam que o grupo de controle receberá uma vacina chamada MenACWY. Ela não tem como função combater a Covid-19, mas é usada no Reino Unido desde 2015 para imunizar contra diferentes tipos de meningococo, bactéria causadora da meningite e sepse.

Os cientistas também poderiam apenas uma mistura salina inócua no corpo, mas neste caso, optaram por uma outra vacina. Isso tem explicação: uma das regras do “padrão-ouro” de testes clínicos é que o participante não pode saber se recebeu uma vacina eficaz ou se ele faz parte do grupo de controle. Como os pesquisadores esperam alguns efeitos colaterais leves, como a febre, dores de cabeça e dor no braço, os voluntários que desenvolverem esses efeitos saberiam imediatamente que receberam a nova vacina se o grupo de controle recebesse apenas uma solução salina, que não causaria nenhuma reação adversa.

O motivo para esse “segredo” nos testes é que, se o voluntário descobrir a qual grupo ele pertence, isso pode afetar o seu comportamento na comunidade, o que pode corromper a integridade do estudo criando vieses nos resultados.

E os resultados? Quanto tempo até a produção?

Publicamente, os pesquisadores se dizem profundamente confiantes na vacina. Sarah Gilbert, professora de vacinologia em Oxford, chegou a afirmar que tem 80% de certeza de que sua vacina será funcional. Claro que isso não é garantia de sucesso.

Para saber se a vacina é um sucesso ou não, será necessário aguardar os resultados dos testes. Segundo os pesquisadores, o prazo para que os dados estejam prontos pode variar, dependendo do ritmo de transmissão da Covid-19 nos territórios onde a vacina for testada.

Isso porque será necessário que alguns dos voluntários analisados sejam expostos ao coronavírus para que seja possível atestar a eficácia da vacina. Se a transmissão se mantiver em um ritmo acelerado no Reino Unido, a quantidade de pacientes contaminados prevista no estudo será alcançada mais rapidamente, com previsão de 2 meses. Contudo, se a transmissão diminuir, demorará mais para alcançar o número de casos previstos, atrasando os resultados. Os pesquisadores estimam que, neste caso, os resultados podem demorar 6 meses.

Historicamente, o frio do inverno cria um cenário mais propício para a propagação de doenças respiratórias. Com a proximidade do verão no Reino Unido, os cientistas creem que o ritmo de transmissão pode diminuir. Por este motivo, eles já procuram parceiros para testar a vacina em outros países para aumentar a capacidade de atestar sua validade

Ainda que os resultados demorem, a confiança é tão alta que a vacina pode estar pronta para aplicação no outono (do hemisfério norte) de 2020, o que equivaleria ao trimestre final do ano, entre outubro e dezembro. Sarah Gilbert havia declarado que a vacina pode estar pronta até mesmo em setembro, mas o site oficial do projeto mantém uma previsão mais modesta, reforçando que a meta é “altamente ambiciosa” e está sujeita a mudança.

De qualquer forma, o processo está sendo acelerado pulando algumas etapas para trazer a vacina ao público o mais rápido possível. Para isso, são previstos três elementos que permitirão a chegada da vacina ao mercado o quanto antes:

  1. o uso de uma base já conhecida para a vacina, que acelera o tempo de desenvolvimento;
  2. início da produção em larga escala antes da conclusão dos testes clínicos, para que já haja doses suficientes para aplicação assim que os resultados confirmarem sua eficácia;
  3. aceleração da análise das agências regulatórias como resultado da urgência da Covid-19.

Claro que há o risco de os testes comprovarem que a vacina não é eficaz. Neste caso, os cientistas analisarão os resultados para tentar melhorá-la ou descartar a proposta por completo, se for verificado que o projeto é inválido.

Renato Santino é editor(a) no Olhar Digital