Mais de 700 mil anos depois de deixar o Planeta Vermelho e cair na Terra, um pedaço de Marte está voltando para casa. O meteorito Sayh al Uhaymir 008 (SaU008), que fazia parte do acervo do Museu de História Natural de Londres, agora é um dos “tripulantes” do rover Perseverance, parte da missão Mars 2020 da Nasa, e decolará a bordo do foguete Atlas V nesta quinta-feira (29).
A rocha servirá como alvo do treino do laser de alta precisão no veículo espacial. Rovers anteriores também tinham objetos que serviam para calibrar seus instrumentos, como pedras, metais ou vidro, mas nessa missão em particular, os cientistas da Nasa pensaram em usar um pedaço do próprio planeta.
“Estudamos coisas em uma escala tão pequena que desalinhamentos mínimos, causados por mudanças de temperatura ou até mesmo pelo pouso do veículo na areia, podem exigir correções “, explica Luther Beegle, pesquisador do Laboratório de Propulsão a Jato (JPL). O Perseverance está equipado com o Sherloc (Scanning Habitable Environments with Raman and Luminescence for Organics and Chemicals) cujo principal objetivo é detectar compostos orgânicos varrendo o ambiente usando espectroscopia.
Sempre que uma luz ultravioleta brilha sobre certos produtos químicos à base de carbono, eles emitem o mesmo brilho característico que você vê sob uma luz negra. Cientistas podem usar esse brilho para detectar produtos químicos que se formam na presença de vida. Sherloc fotografará as rochas e depois mapeará os componentes químicos que detectar nessas imagens.
Nesta ilustração, o rover Perseverance usa seus instrumentos para analisar uma rocha na superfície de Marte. Imagem: Nasa/JPL-Caltech
“Esse tipo de ciência requer textura e produtos químicos orgânicos – duas coisas que nosso meteorito-alvo fornecerá”, explica Rohit Bhartia, pesquisador-chefe do Sherloc no JPL. O SaU008 foi escolhido por ser sólido o suficiente para não se desintegrar durante a o lançamento e do pouso, e possui as características químicas necessárias para os testes de calibragem.
O meteorito pode ajudar a evitar que erros na análise se passem por novas descobertas. “A meta de calibração acontecerá nos primeiros 60 a 90 dias – e talvez não o utilizaremos novamente por seis meses, porque acreditamos que o instrumento é realmente muito estável”, avalia Beegle. “Mas se começarmos a ver coisas interessantes na superfície de Marte que não podemos explicar nos espectros, analisaremos o alvo de calibração para garantir que o instrumento esteja funcionando corretamente”, completa.
Um dos pontos mais importantes da missão, porém, é trazer uma amostra de rocha marciana de volta, para assim ter 100% de certeza em relação a qualquer descoberta. O veículo espacial guardará suas amostras de rochas mais interessantes em pequenos tubos que serão deixados na superfície de Marte para recuperação e retorno à Terra em missões posteriores, daqui a 10 ou 15 anos.
Encontrado em Omã em 1999, o SaU008 se formou cerca de 450 milhões de anos atrás, “e foi explodido em Marte por um asteroide ou cometa cerca de 600 mil a 700 mil anos atrás e pousou na Terra; não sabemos exatamente quando, mas talvez mil anos atrás”, conta Caroline Smith, curadora principal de meteoritos do Museu de História Natural de Londres.
“Todos os anos, fornecemos centenas de espécimes de meteoritos para cientistas de todo o mundo, mas esta é a primeira vez para nós: enviar uma de nossas amostras para casa, para o benefício da ciência”, brinca a curadora.
SaU008 será o primeiro meteorito marciano a retornar à superfície do planeta, mas não é o primeiro a viajar até lá. A sonda Mars Global Surveyor da Nasa possui um pedaço de meteorito conhecido como Zagami, que ainda está orbitando o Planeta Vermelho a bordo da nave aposentada.