O nosso Sol é uma estrela bem grande. Com um raio médio de 696 mil quilômetros e 1,3 milhão de quilômetros de diâmetro, ele possui uma área de superfície 12 mil vezes maior do que a Terra. Mas em comparação com outras estrelas, ele é mediano. Betelgeuse, uma gigante vermelha que estava perigando virar supernova, é cerca de 700 vezes maior e 14 mil vezes mais brilhante.
E apesar de serem estudadas há décadas, estrelas massivas ainda guardam muitos segredos para os astrônomos. O site da revista Astronomy consultou ps pesquisadores Cássio Barbosa, da Universidade de São Paulo, e Donald Figer, do Instituto de Tecnologia de Rochester, para saber quais questões sobre esses gigantes ainda não foram respondidas pela ciência.
Zeta Ophiuchi. Imagem: Nasa/JPL-Caltech/UCLA
1. A que distância estão as estrelas massivas?
O melhor método para obter a distância de estrelas ââenvolve medir sua posição em relação a objetos mais distantes de lados opostos da órbita da Terra. Usando trigonometria simples é possível converter o deslocamento angular em uma distância. Infelizmente, esses ângulos são tão pequenos que o método só pode ser aplicado para estrelas próximas do Sol.
Esse estudo ganhou um upgrade em 1989, com o lançamento do satélite Hipparcos da Agência Espacial Europeia (ESA). Em três anos e meio, os astrônomos obtiveram medições de distância confiáveis ââ- com uma incerteza de menos de 10% – para quase 120 mil estrelas em um raio de 300 anos-luz.
No entanto, nessa amostra não há uma única estrela maciça. Por isso, astrônomos só podem estimar as distâncias que essas estrelas estão da Terra, como é o caso de Zeta Ophiuchi, que tem 19 vezes a massa do Sol e fica a aproximadamente 370 anos-luz de distância.
Sem uma distância precisa, é impossível conhecer as propriedades reais de uma estrela, como sua luminosidade, e isso leva à incerteza nos modelos teóricos de astronomia extragaláctica. Espera-se que com o satélite Gaia, sucessor de Hipparcos, seja possível obter distâncias precisas de um bilhão de estrelas a uma distância de 30 mil anos-luz.
Imagem em infravermelho do berçário estelar de Monoceros R2, localizado a cerca de 2.700 anos-luz de distância na constelação de Monoceros (o Unicórnio). Imagem: ESO/J. Emerson/Vista
2. Como estrelas massivas se formam?
No meio científico, duas teorias se confrontam. Na primeira, estrelas massivas se formam como suas versões menores: a gravidade faz com que uma nuvem de gás interestelar entre em colapso e se fragmente, com estrelas grandes e pequenas se formando no processo.
Porém, objetos maciços deveriam iniciar reações nucleares muito antes de chegarem à sua forma final. As reações emitem radiação intensa impediria que mais matéria seja acumulada. Uma ligeira alteração, entretanto, pode salvar essa ideia: fragmentos maiores se tornariam protoestrelas de médio porte, cada um cercado por um disco de acreção. As estrelas em crescimento ganhariam peso se alimentando de seus discos. Pelo menos uma estrela massiva, localizada na Nebulosa Omega (M17), está se formando como este modelo prevê.
Outro modelo envolve simulações que mostram instabilidades no processo de formação, criando canais para canalizar a radiação e permitindo que o gás se acumule.
A segunda teoria sugere que estrelas massivas nascem quando objetos menores colidem. A maioria das grandes estrelas vive em aglomerados – e quanto mais estrelas um aglomerado contém, mais massivas elas são. Observações de raios X revelam muitas estrelas de baixa massa perto de objetos massivos, que poderiam servir de “alimento”. Simulações em computador também mostram que colisões podem ser um método eficaz de criar estrelas massivas.
Para alguns cientistas, a resposta certa pode ser: “todas as opções acima”.
HD 15558 é um sistema massivo de estrelas que fica na Nebulosa de Coração. Imagem: Wikimedia Commons
3. Qual é a massa máxima de uma estrela?
Pesquisas estatísticas de grandes aglomerados mostraram que não existe estrela com massa maior que 150 a 200 massas solares. O único método confiável de medição envolve o estudo de órbitas de estrelas binárias, mas estrelas mais massivas podem estar por aí.
Por exemplo, a estrela HD 15558 pode conter 152 massas solares (com uma “margem de erro” de mais ou menos 46 massas solares).
Além da observação direta, os astrônomos também se perguntam se existe um limite físico além do qual nenhuma estrela pode se formar.
Nebulosa da Águia (Messier 16 ou NGC 6611). Imagem: ESO
4. Qual o papel das grandes estrelas após o Big Bang?
Nos minutos que se seguiram ao Big Bang, o universo sintetizou apenas alguns elementos leves: hidrogênio, hélio e lítio. Modelos teóricos indicam que essas estrelas nasceram 100 a 250 milhões de anos após o Big Bang e cada uma continha várias centenas de vezes a massa do Sol.
A partir dessa mistura, nasceram as primeiras estrelas, que tiveram um papel crucial na evolução cósmica: semearam universo com elementos mais pesados ââe, graças à sua radiação ionizante, tornaram o cosmos transparente novamente.
Esses objetos enormes, porém. morreram em gigantescas explosões de supernovas que ejetaram todos os elementos sintetizados em seu interior. Se nossos ossos contêm cálcio, se nossos computadores possuem silício de e se nossas usinas nucleares funcionam com urânio, agradeça a essas estrelas e a seus descendentes.
Ainda não se sabe como esses objetos gigantes se formaram, ou mesmo quais propriedades eles possuíam.
A nebulosa em forma de “asa de borboleta”, NGC 2346, fica a cerca de 2.000 anos-luz de distância da Terra. No seu centro, um sistema estelar binário. Imagem: Nasa/STScl
5. Como se formam grandes sistemas binários?
Estrelas massivas geralmente aparecem em pares – e se já é difícil determinar como se forma uma estrela, imagina duas…
Os astrônomos desenvolveram vários cenários. Esses sistemas podem ter se formado por “captura”: em um aglomerado, as estrelas se movem continuamente e ocasionalmente se encontram, formando um “casal”.
Um segundo processo envolve “fissão”. Uma estrela que gira rapidamente incha no equador. Aumente a velocidade de rotação ela poderá se quebrar em duas. Infelizmente, apenas binários próximos podem se formar por fissão – e alguns binários maciços têm amplas separações.
A terceira ideia é “fragmentação” – uma nuvem protoestelar se quebra em várias partes que permanecem próximas umas das outras. Ou, uma protoestrela pode estar rodeada por um disco de acréscimo tão grande que se junta a outra estrela.
Ilustração mostra um Júpiter “quente” orbitando uma das estrelas do glomerado Messier 67, na constelação de Câncer. Imagem: ESO/L. Calçada
6. Os planetas podem se formar em torno de estrelas massivas?
Nenhum planeta foi encontrado orbitando uma estrela massiva. Mas a ausência de evidência não é evidência de ausência.
Planetas se formam a partir de discos de gás e poeira que circundam as estrelas. Mas as condições próximas a uma estrela massiva não são nada amigáveis. Esses sóis quentes emitem grandes quantidades de radiação ultravioleta e partículas ionizadas. Ventos estelares transportam até 10 bilhões de vezes mais material que o vento solar, a velocidades de milhares de quilômetros por segundo.
Nebulosa Laguna. Imagem: ESO/VPHAS+ Team
7. Qual o papel da rotação e dos campos magnéticos nas estrelas massivas?
Planetas e estrelas giram, galáxias giram e até aglomerados de galáxias conduzem seus próprios balés celestes. Mas como o interior de estrelas massivas gira? A ciência atual está apenas começando a responder a essa pergunta.
A primeira medição da rotação interna de uma estrela que não seja o Sol foi feita em 2003, e foi para um objeto de menor massa. Além disso, embora os astrônomos concordem que a rotação é um parâmetro vital, ninguém sabe exatamente como ela influencia o nascimento e a evolução de estrelas massivas.
Os campos magnéticos se enquadram na mesma categoria. Eles aparecem na Terra, Júpiter, Sol, pulsares e até no meio interestelar, e provavelmente existem em estrelas massivas, mas incluir esse parâmetro em modelos estelares é complicado, e as primeiras tentativas foram feitas apenas recentemente.
Situada a 8.000 anos-luz de distância na constelação de Vulpecula (a Raposa), a região na imagem é conhecida como Vulpecula OB1, uma “associação estelar” na qual várias estrelas tipo O e B (as maiores que se tem registro) estão se formando. Imagem: ESA/Herschel/PACS, SPIRE/Hi-GAL Project
8. Como as estrelas massivas evoluem?
Em linhas gerais, uma estrela massiva passa sua vida adulta como uma estrela do tipo O, emitindo um vento estelar rápido e bastante denso. Quando o combustível nuclear começa a diminuir, a estrela evolui para uma supergigante vermelha ou uma variável azul luminosa, dependendo de sua massa inicial.
Durante esse estágio, o vento estelar aumenta em densidade e diminui drasticamente em velocidade – para apenas alguns quilômetros por segundo em comparação com milhares de quilômetros por segundo.
Em seguida, a estrela se torna uma Wolf-Rayet – a perda de massa diminui, mas o vento aumenta. Camadas com elementos pesados ââvêm gradualmente à superfície. Uma estrela Wolf-Rayet se enriquece primeiro em nitrogênio (tipo WN), depois em carbono (tipo WC).
Este é o “cenário Conti”, que pode parecer claro, mas muitos detalhes permanecem vagos. A área mais controversa diz respeito à fase variável azul luminosa, sobre os quais muitas dúvidas ainda pairam.
Sistema estelar binário chamado R Aquarii, localizado a 700 anos-luz da Terra, como visto em 2012 pelo Very Large Telescope (VLT). Imagem: ESO
9. Como os binários massivos evoluem?
Binários maciços evoluem de maneiras ainda mais complexas que estrelas únicas, porque os componentes interagem ao longo de suas vidas.
A presença de um acompanhante afeta muitas propriedades estelares. Por exemplo, um companheiro massivo pode deformar uma estrela de maneira que ela não seja mais esférica. A presença do vizinho também altera a rotação de cada estrela.
Fenômenos ainda mais complexos ocorrem. Em binários maciços, os ventos estelares duplos colidem, gerando intensa emissão de raios X e alterações no espectro óptico do sistema. Os astrônomos estão apenas começando a estudar esses efeitos.
E se um dos parceiros morrer de repente? O sistema pode sobreviver a uma explosão de supernova? E, se sim, como evoluiria um sistema binário composto por uma estrela maciça normal e uma estrela de nêutrons ou um buraco negro?
Os astrônomos encontraram sistemas binários compostos por dois pulsares, então sabemos que binários maciços podem sobreviver. Mas ainda há um longo caminho a percorrer antes de entendermos como os sistemas atingem esse fim.
Gás e poeira que restaram da supernova N 63A, parte de uma região de formação de estrelas na Grande Nuvem de Magalhães, uma galáxia irregular a 160 mil anos-luz da Via Láctea. Imagem: Nasa/ESA/HEIC and The Hubble Heritage Team (STScI/Aura)
10. Como estrelas massivas morrem?
Se estrelas semelhantes ao Sol morrem silenciosamente, estrelas massivas terminam em cataclismo – uma explosão de supernova anuncia a morte para toda a galáxia e além.
No entanto, os astrônomos têm dúvidas sobre esse processo. Apesar dos anos de esforços dos teóricos, as simulações por computador ainda não podem converter de forma confiável o colapso de uma estrela em sua explosão.
Explosões de raios gama – as explosões cósmicas mais poderosas – levantam outra questão. Os astrônomos mostraram que algumas dessas explosões estão ligadas à morte de estrelas massivas. Mas ninguém sabe como isso acontece ou o que diferencia uma estrela que termina com uma explosão de raios gama em vez de uma supernova.
Via: Astronomy