O tempo de vida de um nêutron – uma informação valiosa para entendermos a rapidez com que elementos se formaram logo após o Big Bang, cerca de 13,8 bilhões de anos atrás – foi medida pela primeira vez, a partir de dados coletados direto do espaço. Os resultados da pesquisa estão relatados na revista Physical Review Research.
Quando abrigadas no núcleo de um átomo, as partículas subatômicas que chamamos de nêutrons têm uma existência bastante estável. Uma vez ejetado desse núcleo, a vida útil de um nêutron é consideravelmente menor, mas desde o início dos anos 1990, os cientistas discordam sobre quanto tempo as partículas isoladas duram.
Esse processo é conhecido como “nucleossíntese primordial”, e acredita-se que tenha ocorrido entre 10 segundos e 20 minutos após o Big Bang. Saber quanto tempo os nêutrons podem sobreviver sozinhos permitirá que os cientistas definam o tempo limite desse período.
Uma equipe de pesquisadores do Laboratório de Física Aplicada Johns Hopkins (APL), nos Estados Unidos, e da Universidade de Durham, na Inglaterra, conseguiram uma maneira de acabar com esse impasse de décadas. Usando dados da nave espacial MErcury Surface, Space Environment, GEochemistry e Ranging (Messenger), os pesquisadores mediram a vida útil de um nêutron a partir do espaço e chegaram em um número: 13 minutos.
“É a primeira vez que alguém mede a vida útil dos nêutrons no espaço”, explica o cientista da APL, Jack Wilson, principal autor do estudo. “Isso prova a viabilidade desse método, que pode um dia ser o caminho para resolver essa anomalia”, avalia Wilson, em comparação com os dois métodos usados ââaté o momento, que fornecem resultados que não se alinham.
Um método captura os nêutrons em uma garrafa e rastreia quanto tempo eles levam para decair radioativamente, que em média é de 14 minutos e 39 segundos (com uma margem de erro de 0,5 segundos). A outra técnica dispara um feixe de nêutrons e registra o número de prótons criados a partir do decaimento radioativo. Em média, isso leva cerca de 14 minutos e 48 segundos (com uma margem de erro de dois segundos) – nove segundos a mais.
Essa diferença de tempo pode não parecer muito, mas em relação à incerteza nas medições de qualquer método, e levando em consideração as duas margens de erro, pode ficar bem maior. Pesquisadores que usam as medições de garrafa e feixe continuam trabalhando para resolver a discrepância com suas técnicas, mas desde 1990 discute-se uma maneira de medir a vida útil dos nêutrons a partir do espaço.
Os raios cósmicos colidindo com átomos na superfície ou na atmosfera de um planeta liberam nêutrons que gradualmente se perdem no espaço pela força da gravidade. Ao comparar o número de nêutrons em várias altitudes, uma espaçonave poderia estimar a vida útil do nêutron (teoricamente, em altitudes mais altas, deve haver menos nêutrons). Nenhuma missão ou instrumento foi designado para colocar essa ideia em prática, até que o Messenger foi lançado, em 2004.
Como a Messenger coletou dados para estimar a vida útil do nêutron. Imagem: Johns Hopkins APL
Com espectrômetro de nêutrons entre seus equipamentos, a nave pôde detectar partículas dispersas em átomos de hidrogênio em moléculas de água congeladas nos polos de Mercúrio. Na sua viagem até o planeta mais próximo do Sol, entre 2011 e 2015, a nave ainda coletou dados de nêutrons em Vênus.
“É como o experimento com garrafas, mas em vez de usar paredes e campos magnéticos, usamos a gravidade de Vênus para confinar os nêutrons por períodos comparáveis ââaos da sua vida”, explica Wilson. Os pesquisadores usaram modelos computacionais para estimar o número de nêutrons que a Messenger detectaria acima de Vênus durante a vida útil dos nêutrons entre 10 e 17 minutos. Quando compararam o número real de nêutrons detectados com a vida útil modelada, descobriram que 13 minutos eram a melhor combinação.
A equipe ainda estimou que a vida útil pode demorar cerca de dois minutos (60 segundos a maios ou a menos) devido a erros estatísticos e outros fatores de incerteza, como se o número de nêutrons muda durante o dia ou em diferentes latitudes. No entanto, dentro dessas incertezas, a vida útil estimada dos nêutrons bate com os valores dos métodos de garrafa e feixe.