Cientistas explicam por que os blocos necessários à vida são canhotos

Radiação magneticamente polarizada vinda do espaço pode ter influenciado a forma como as moléculas se organizam, cujos efeitos percebemos até hoje
Rafael Rigues25/05/2020 14h22

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A vida na Terra tem uma propriedade curiosa, chamada homoquiralidade. Simplificando, ela é a preferência por uma orientação à esquerda (canhota) ou à direita (destra), que pode ser vista desde a espiral nas conchas dos caracóis e aminoácidos essenciais à vida (ambos canhotos) até nosso DNA (destro).

Os cientistas acreditam que a quiralidade é um requisito para a origem da vida, mas não conseguem explicar como ela surgiu. Se criarmos aminoácidos e açúcares em laboratório, o resultado é uma mistura igual de formas destras e canhotas. Então por que moléculas de origem biológica têm uma preferência?

Dois pesquisadores propõem uma explicação para o fenômeno: o bombardeio de nossa atmosfera por raios cósmicos, partículas de alta energia que viajam pelo espaço quase que à velocidade da luz.

“Propomos que a preferência biológica que testemunhamos agora na Terra se deva à evolução em meio à radiação magneticamente polarizada, onde uma pequena diferença na taxa de mutação pode ter promovido a evolução da vida baseada no DNA, em vez de sua imagem espelhada”, explicou a astrofísica de energia Noémie Globus, que na época da pesquisa era pesquisadora visitante do Instituto Kavli da Universidade de Stanford para Astrofísica e Cosmologia de Partículas.

Efeito cumulativo

Raios cósmicos aceleram a taxa de mutação celular de organismos vivos. Nossa atmosfera filtra boa parte desta radiação, e o que passa é decomposto em partículas elementares como os múons, que são similares aos elétrons.

Múons tem um tempo de vida de 2,2 microssegundos, e podem penetrar algumas centenas de metros no solo antes de se decompor em elétrons. Tanto os múons, quanto os elétrons nos quais eles se decompõem, são polarizados magneticamente em uma direção.

Isso não afeta muito as formas de vida atuais, mas quando a vida estava emergindo em nosso planeta, as primeiras moléculas auto-replicáveis seriam bem mais vulneráveis a essa polarização do que são hoje.

Os pesquisadores propõem que originalmente estas moléculas tinham uma mistura das duas formas quirais, como as criadas nos laboratórios. Mas o bombardeamento constante de múons magneticamente polarizados pode ter induzido uma tendência quiral muito pequena, porém persistente. Com o passar de bilhões de gerações, esta influência pode ter levado à dominância de uma das formas sobre a outra.

Reprodução

Moléculas como DNA são “destras”, algo que pode ter sido influenciado por raios cósmicos

“É como jogar em uma roleta que tem ligeira preferência pelas casas vermelhas”. Se você jogar uma ou duas partidas, não notará uma diferença. Mas se jogar por muitos anos, perceberá que os que apostam habitualmente no vermelho ganham dinheiro, enquanto quem aposta no preto perde e vai embora”, disse o astrofísico teórico Roger Blandford, da Universidade de Stanford.

Há maneiras de ver se o conceito geral é sólido. Poderíamos, por exemplo, banhar bactérias em radiação magneticamente polarizada e medir a taxa de mutação. Isso poderia nos dizer se a polarização pode de fato induzir um viés quiral.

Se isso acontecer, isso significa que a homoquiralidade que desempenha um papel tão significativo na vida pode não ser – como alguns pensavam – algo exclusivo da Terra, pois os raios cósmicos são onipresentes em todo o Universo. O que significa, por sua vez, que o que poderia ser um requisito para a vida também pode ser encontrado em outros planetas.

Fonte: Science Alert

Colunista

Rafael Rigues é colunista no Olhar Digital