Uma colaboração entre mais de 300 cientistas de 12 países publicou na revista Science dois estudos que jogam luz sobre um mistério de mais de 100 anos. Os pesquisadores encontraram a provável fonte de uma misteriosa “Partícula Fantasma”: um buraco negro supermassivo que parece estar disparando raios cósmicos em direção à Terra.

A história toda começa em 1911, quando o físico austríaco Victor Hess detectou pela primeira vez os chamados “raios cósmicos”, uma mistura de prótons e outros núcleos atômicos com alta concentração de energia que pareciam vir de algum lugar do espaço, mas ninguém sabia exatamente de onde.

Ao longo dos anos, pouca coisa a respeito da origem desses raios cósmicos foi descoberta. Alguns, de baixa energia, tiveram sua origem rastreada para astros gigantescos na Via Láctea. Mas os mais poderosos, conhecidos como “UHECRs” (sigla para “Ultra-high Energy Cosmic Rays”) continuaram um mistério. Até que surgiu em cena uma partícula quase indetectável: o neutrino.

Neutrinos são partículas raras no universo, quase sem massa e que não interagem com a maioria das outras partículas conhecidas da ciência. Por isso, quando um neutrino nasce, ele percorre uma linha quase reta pelo universo sem parar em nenhum outro objeto, sem ter sua rota alterada ou ser desviado pela gravidade de objetos maiores.

Por isso neutrinos são conhecidos como “partículas fantasmas”: eles atravessam planetas e estrelas com facilidade, deixando poucos rastros e quase nada desvia o seu caminho. Um deles, porém, finalmente foi detectado com precisão em setembro do ano passado, graças a cientistas de um observatório chamado IceCube (“cubo de gelo”) localizado no Polo Sul da Terra.

  • (Um detector de neutrinos instalado a 1.600 quilômetros abaixo da superfície do gelo no Polo Sul. Foto: Mark Krasberg, IceCube/NSF.)

Sabendo que a rota de neutrinos no universo não costuma ser alterada, é relativamente “fácil” saber de que região no céu um deles está vindo, desde que seja possível medir a sua trajetória. Foi isso o que cientistas do observatório IceCube fizeram, graças a instrumentos chamados simplesmente de “detectores de neutrino”, como o da imagem acima.

Mas o que neutrinos têm a ver com raios cósmicos? Na verdade, tudo, segundo Francis Halzen, professor de física da Universidade de Wisconsin–Madison e líder do IceCube. Neutrinos são formados quando prótons de alta energia e outros núcleos atômicos (os mesmos componentes de raios cósmicos) colidem uns com os outros no espaço.

Por isso, cientistas acreditam que, onde existem neutrinos, existem raios cósmicos. Rastreando o neutrino detectado no Polo Norto no ano passado (identificado como IceCube-170922A), numa investigação que durou mais de 10 meses, pesquisadores do mundo todo ligados ao IceCube descobriram que ele vinha de um canto no céu onde fica a constelação de Orion.

Foi nesta região que Yasuyuki Tanaka, da Universidade de Hiroshima, no Japão, descobriu o principal candidato a “pai” dos neutrinos que passam pela Terra, e provavelmente também dos raios cósmicos: um blazar, uma espécie de galáxia formada ao redor de um buraco negro supermassivo que “atira” radiação gama em altíssimas concentrações.

Este blazar, identificado como “TXS 0506+056” há alguns anos, fica a 4 bilhões de anos-luz da Terra. Se neutrinos e raios cósmicos se formam em regiões de grande atividade energética no cosmo, e o neutrino que passou pela Terra vem de algum lugar na constelação de Orion, então este blazar é o principal suspeito de lançar ambos em direção à Terra.

A descoberta, embora extremamente importante para a comunidade científica, ainda é só o primeiro passo num longo estudo que deve se seguir com foco na suposta origem dos raios cósmicos descobertos mais de 100 anos atrás por Victor Hess. Mas é um importante primeiro passo no caminho que leva a humanidade a entender melhor como blazars, neutrinos, raios cósmicos e todo o universo funcionam.