Após quatro dias de contagem de votos (um processo que deve se estender ainda pelas próximas semanas, com recontagens e ações na Justiça), o candidato democrata Joe Biden conquistou a quantidade suficiente de colégios eleitorais para se tornar o próximo presidente dos Estados Unidos. Após uma virada na contagem de votos da Pensilvânia, Biden conseguiu 284 delegados, contra 214 de Donald Trump. Segundo a imprensa americana, o democrata deve ser eleito o 46º presidente do EUA.
A troca no comando só acontece no dia 20 de janeiro do ano que vem, mas em seu programa de governo e em entrevistas, Biden já colocou na mesa algumas das suas posições em relação ao setor de Tecnologia da Informação.
Antitruste
A pressão política contra o monopólio das grandes empresas do setor – Amazon, Apple, Facebook e Google – deve continuar. O Subcomitê Antitruste do Comitê Judiciário da Câmara, liderado por democratas, divulgou um relatório condenatório contra as empresas, que deve ser utilizado pelo Departamento de Justiça no processo.
“Independentemente de quem ganhe a eleição presidencial, a fiscalização antitruste contra as Big Techs continuará”, avalia Sally Hubbard, diretora de estratégia de fiscalização do think tank liberal Open Markets Institute. “Se os candidatos antimonopólio de qualquer um dos partidos obtiverem cadeiras no Congresso, aumenta a probabilidade de reformas legislativas robustas, como as propostas no relatório da Câmara”.
Joe Biden em campanha para a presidência. Imagem: Adam Schultz/Biden for President
Por outro lado, as pessoas que trabalham nessas empresas demonstraram amplo apoio a Biden durante a campanha. Uma pesquisa da CNN feita em setembro mostrou que funcionários da Amazon, Google, Facebook e Apple doaram três vezes mais para os democratas em julho do que para Trump.
Seção 230
O democrata, assim como Donald Trump, se mostrou contrário às leis federais conhecidas como Seção 230, que evitam que sites de mídia social sejam responsabilizados por postagens, fotos e vídeos publicados em suas redes pelos usuários. Mas democratas e republicanos têm razões diferentes para se opor à lei.
“Os democratas costumam dizer que não removemos conteúdo suficiente, e os republicanos costumam dizer que removemos muito“, afirmou Mark Zuckerberg em depoimento ao Congresso. “O fato de ambos os lados nos criticarem não significa que estamos entendendo bem, mas significa que há desacordos reais sobre onde deveriam estar os limites do discurso online”.
Zhanna Malekos Smith, associada sênior do Centro de Estudos Estratégicos e Internacionais, acredita que a indústria deve esperar que um governo Biden pressione por uma nova legislação “para responsabilizar as empresas de mídia social por usando conscientemente suas plataformas para distribuir desinformação”.
Biden e sua companheira na chapa presidencial, Kamala Harris. Imagem: Adam Schultz/Biden for President
Biden já afirmou que a Seção 230 “deve ser revogada imediatamente” para o Facebook e outras plataformas. “[As empresas de internet] estão propagando informações que eles sabem ser falsas, e deveríamos estabelecer padrões não diferentes dos que os europeus estão fazendo em relação à privacidade”, completou.
O novo governo dos EUA pode ser pressionado ainda para aprovar uma lei federal de privacidade, nos moldes do Regulamento Geral de Proteção de Dados da União Europeia (GDPR) – que inspirou a nossa Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD). O processo pode ser facilitado se os democratas mantiverem sua maioria no Congresso.
China
Um dos marcos da administração Trump em relação ao setor de Tecnologia foi sua guerra comercial com a China, que colocou no alvo empresas como Huawei, ZTE, TikTok e WeChat, além de prejudicar cadeias de suprimentos. Analistas acreditam que a disputa com os chineses continuará, mas em outros moldes.
“Biden assumirá uma posição similarmente dura com empresas de infraestrutura, como a Huawei”, afirma Alec Stapp, diretor de política de tecnologia Progressive Policy Institute. “É menos provável que ele persiga aplicativos de consumo, como o TikTok”. Stapp espera que Biden mantenha a disputa com a China, “mas com menos tarifas unilaterais e mais cooperação de aliados internacionais”.
Neutralidade da Rede
Uma expectativa é a volta da neutralidade da rede para o debate. O princípio de que os provedores de serviços de Internet devem tratar todos os dados que circulam pela rede igualmente é um dos pontos, por exemplo, do Marco Civil da Internet no Brasil.
Na administração Trump, a Agência Federal de Telecomunicações dos EUA (FCC, similar à nossa Anatel) revogou a neutralidade da rede em abril de 2017. Provedores puderam voltar a fornecer, por exemplo, um pacote básico de internet com acesso restrito a redes sociais e serviços de mensagens, bloqueando todos os demais. Para liberar sites de streaming como Netflix e YouTube, seria necessário por pagar mais.
A vice-presidente de Biden em discurso, Kamala Harris. Imagem: Kevin Lowrey/Biden for President
Essa era uma prática comum antes de a neutralidade da rede ser tornada lei pelo ex-presidente Barack Obama. A plataforma de campanha de Biden pede especificamente um retorno às regras dos tempos em que ele era o vice-presidente. Quando a medida foi revogada, a comissária da FCC Jessica Rosenworcel chegou a comentar que a agência estava “no lado errado da história, no lado errado da lei e no lado oposto à da população americana”.
“Espero que um presidente Biden nomeie um presidente da FCC que restabeleça a neutralidade da rede e a autoridade da agência para supervisionar o mercado de banda larga” afirma Gigi Sohn, uma ex-funcionária da FCC. “Esta foi uma das iniciativas mais marcantes do presidente Obama, e não posso imaginar que Biden a minaria”.