No último fim de semana, a imprensa norte-americana revelou a existência de um artigo, escrito por um funcionário do Google, que estava viralizando dentro dos corredores da companhia. O texto em questão defendia a desigualdade entre homens e mulheres dentro do ambiente de trabalho.

O site Motherboard foi o primeiro a reportar a existência do documento, que estava sendo repassado entre os funcionários da companhia como um memorando, assinado por um engenheiro de software sênior do Google. De acordo com a publicação, o texto viralizou rapidamente entre os funcionários.

Já a versão americana do site Gizmodo teve acesso à íntegra do memorando, intitulado “Câmara de Eco Ideológica do Google”. O texto sugere que a desigualdade entre homens e mulheres não é culpa de uma cultura machista ou discriminação, mas sim de supostas diferenças biológicas entre os dois gêneros.

“No Google, nós falamos muito a respeito de preconceito inconsciente e como ele se aplica a raças e gêneros, mas raramente discutimos nosso preconceito moral”, diz parte do texto, que, ao todo, tem dez páginas. “Considerando que a esmagadora maioria das ciências sociais, mídia e o Google inclinam-se à esquerda, nós deveríamos examinar criticamente esses preconceitos.”

O autor diz que “a inclinação à esquerda do Google criou uma monocultura politicamente correta que mantém seu controle envergonhando dissidentes e deixando-os em silêncio”. Em outro trecho, alega que “diferenças na distribuição de características entre homens e mulheres pode, em parte, explicar por que não temos 50% de representação de mulheres em tecnologia e liderança”.

O engenheiro defende que, biologicamente, mulheres são mais inclinadas a “carreiras em áreas sociais e artísticas”, enquanto homens gostam de programação porque são mais “sistêmicos” e pragmáticos. A pessoa que escreveu o texto, e que não quis colocar seu nome no artigo, porém, não anexa qualquer pesquisa científica que comprove essas alegações.

Pesquisas científicas, na verdade, indicam que a realidade é justamente o contrário. Por exemplo: um estudo endossado pela Associação Americana de Psicologia, uma das entidades mais mais respeitadas do mundo na área, avaliou a manifestação de características psicológicas em homens e mulheres durante 20 anos de suas vidas, e chega à conclusão de que ambos são “basicamente os mesmos em termos de personalidade, habilidade cognitiva e liderança”.

Há alguns estudos que apontam para a existência de traços genéticos ligados à manifestação da personalidade e aquisição de habilidades específicas em pessoas diferentes, mas nenhum que os relacione diretamente a diferenças entre homens e mulheres puramente. Ainda assim, mesmo sem qualquer embasamento científico comprovado, o memorando espalhado pelo Google ganhou força entre os funcionários.

Vale lembrar que, globalmente, homens são dificilmente uma minoria oprimida no Google: 69% dos funcionários da empresa, em todo o mundo, são do sexo masculino. Só na área de tecnologia, 80% são homens. Em termos de desigualdade salarial, a companhia também tem resultados ruins para mostrar: o Ministério do Trabalho dos EUA chegou a abrir um processo contra o Google exigindo dados sobre a distribuição de salários entre homens e mulheres, o que a empresa tem se negado a divulgar.

A questão, em si, também não é exclusiva do Google, mas de toda a indústria da tecnologia do Vale do Silício, que frequentemente é alvo de estudos apontando falta de representatividade e a existência de culturas de fomentação ao machismo e discriminação – como a que levou a Uber a uma crise institucional que culminou na saída do presidente e fundador da empresa recentemente.

Danielle Brown, vice-presidente de diversidade do Google, foi obrigada a se manifestar sobre o tal artigo. Em um memorando próprio, encaminhado a todos os funcionários do campus californiano da companhia, a executiva condenou as palavras do engenheiro anônimo e voltou a dizer que diversidade é um ponto crucial para os negócios do Google.

Segundo Danielle, o documento que defende a desigualdade “avança presunções incorretas a respeito de gêneros”, e também “é um ponto de vista que nem eu e nem a empresa endossamos, promovemos ou encorajamos”. “Diversidade e inclusão são parte fundamental dos nosso valores e da cultura que continuamos a cultivar. Temos convicção de que diversidade e inclusão são críticas para o nosso sucesso como empresa.”

“Parte de construir um ambiente aberto e inclusivo significa dar espaço a uma cultura em que aqueles com visões diferentes, incluindo visões políticas diferentes, se sintam seguros para compartilhar suas opiniões. Mas esse discurso precisa funcionar juntamente com nossos princípios de igualdade localizados no nosso Código de Conduta, nossas políticas e nossas leis contra a discriminação”, concluiu Danielle.

O Google não informou se tomará qualquer medida contra o autor do artigo original ou contra a distribuição do texto internamente.