Chegou ao fim a jornada do Afrostream, serviço que proporcionava uma experiência semelhante à da Netflix, com a diferença de que seu foco era o conteúdo que tivesse o negro como protagonista. Na última sexta-feira, 15, a empresa soltou um curto comunicado no Facebook contando que teria de encerrar as atividades por falta de dinheiro.
“Infelizmente, nossa paixão e esforços combinados não foram suficientes para possibilitar que obtivéssemos os investimentos financeiros necessários para seguir essa aventura empreendedora e desenvolver essa missão cultural que era tão importante para nós”, diz a nota.
Os atuais assinantes terão seus pacotes respeitados até o fim do período contratado — seja semanal, mensal ou anual. Mas, depois disso, será impossível renovar.
Início promissor
O Afrostream começou a operar em setembro de 2015 e ganhou rápida notoriedade, tanto que conseguiu investimentos e expandiu suas atividades para quase 30 países. O CEO da empresa, Tonjé Bakang, chegou a dizer ao Olhar Digital que pretendia trazer o produto ao país ainda em 2017. “A comunidade afrobrasileira é grande e carente. O Afrostream ajudará os afrobrasileiros a contar suas próprias histórias e a compartilhar sua cultura com o restante do mundo”, anunciou.
Entretanto, como conta Bakang em um longo artigo publicado nesta segunda-feira, 18, sua empresa encarou uma estrada tortuosa ao longo dos quatro anos em que esteve respirando. E não foi capaz de levantar dinheiro em uma segunda rodada de investimentos, o que era primordial para continuar vivendo.
Quando começou a tomar forma, o Afrostream era composto de apenas duas pessoas. Mais tarde, o time cresceu para quatro integrantes, e mesmo neste momento derradeiro a empresa não chegou a alcançar os dois dígitos, sendo encerrada com uma equipe de oito pessoas. Bakang não podia contratar porque precisava de dinheiro para investir em conteúdo, e conteúdo é um negócio extremamente caro.
Às contas
Segundo a matemática do CEO, uma série independente com duas temporadas de dez episódios cada sairia por 20 mil euros. É preciso acrescentar 500 euros por episódio pela criação de legendas, mais o investimento em trailers e publicidade. No fim das contas, isso tudo custaria 40 mil euros. Mas uma única série não é o bastante. Para ter 30 opções no catálogo, o Afrostream precisava de 1,2 milhão de euros para operar durante um ano — levando em consideração que essas contas se referem a produções mais baratas.
Só que é necessário ter filmes, também. Um título independente dos Estados Unidos, ou uma produção nigeriana, custa 3.000 euros por ano para ser exibido de dois a três anos após sua estreia nos cinemas. Acrescente as legendas e o orçamento de marketing e esse único filme sai por 14 mil euros ao ano. Para incluir 100 desses no catálogo por um ano, era preciso ter 1,4 milhão de euros no bolso.
Trinta séries e uma centena de filmes independentes demandariam uma receita anual de 2,1 milhões de euros. Para uma empresa com menos de dez funcionários, era um trabalho árduo obter investimentos. “Para amortizar o custo dessas 30 séries e filmes (…), é preciso ter cerca de 25 mil pessoas pagando uma assinatura de 7 euros por mês por 12 meses sem interrupção”, comentou Bakang, ressaltando que esse cenário ainda não representa o quanto de dinheiro que eles realmente precisavam, já que há outras coisas em jogo, como tecnologia e operações.
Ladeira abaixo
O Afrostream bateu 10 mil assinantes em abril de 2016, e foi quando Bakang decidiu passar o chapéu novamente para manter e ampliar o negócio. Só aí ele descobriu que parte dos investidores iniciais estava insatisfeita por esperar que sua empresa já fosse lucrativa naquele momento.
Em março de 2017, quando um investidor pulou fora de surpresa, não tinha mais de onde tirar dinheiro — “esse evento marcou a morte clínica de um projeto em crescimento”, conta Bakang.
Mas o CEO não desistiu, tendo passado o período entre abril e agosto conversando com possíveis interessados em comprar sua empresa. Ao fim de agosto, porém, ele não tinha como bancar salários e teve de jogar a toalha.