Vídeo promocional do Uber Eats gera forte controvérsia nos EUA

Material criado em parceria entre a CNBC e a microinvestidora Acorns mostra suposto entregador do serviço em sua jornada para ganhar US$ 100 mil este ano; críticos questionam números
Rafael Arbulu16/09/2020 13h44, atualizada em 16/09/2020 14h11

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Um vídeo promocional que almejava ser inspirador para quem trabalha com entregas do Uber Eats acabou sendo um “tiro saído pela culatra” nos EUA. A campanha, promovida em parceria entre a emissora americana CNBC e a empresa de microinvestimentos tecnológicos Acorns, mostra a trajetória de um entregador em seu objetivo de conseguir US$ 100 mil em 2020, apenas atuando nesta área.

Protagonizado por Sam Lyon, o vídeo busca detalhar supostos custos e ganhos individualizados do profissional, no intuito de gerar transparência, além de estabelecer um pano de fundo: Lyon tinha um emprego fixo (cujo ramo de atuação não é mencionado) que acabou perdendo por causa da pandemia. Por isso, ele integrou à plataforma de entrega de comidas da Uber com o objetivo de fechar o ano com rentabilidade de seis dígitos.

“O residente de Salem, Oregon, se comprometeu a fazer entregas durante 12 horas diárias, todo dia, pelo mês de junho, em um ritmo de US$ 100 mil ao ano, catalogando seu progresso por meio do TikTok”, diz o trecho da matéria da CNBC. “Ao fim do mês [de junho], ele havia feito 795 entregas e dirigido mais de 8 mil quilômetros”, finaliza o texto, antes de convidar o leitor a assistir o vídeo onde Lyon declara, ao fim de junho, ganhos de US$ 8.357.

O problema: no Twitter, quando a campanha foi ao ar mediante uma matéria paga (conhecido no ramo jornalístico como “publieditorial”) na CNBC, imediatamente os usuários da rede social apontaram várias inconsistências, ao ponto de gerar matérias de resposta em outros veículos, como o Motherboard, da Vice, e até em sites motivacionais de coaching, que geralmente evitam tecer críticas do tipo.

“A premissa do vídeo, de projetar os vencimentos de um mês dentro de um ano, é absurda a partir do momento que você para e se pergunta se um ser humano deveria dedicar 12 horas do dia, sete dias por semana, 365 dias por ano, dentro de um carro”, questiona a Vice. “Ainda que Lyon pudesse ganhar US$ 100 mil fazendo isso, por que isso deveria ser compreendido de outra forma que não algo assustador?”

Reprodução

Sam Lyon, em vídeo promocional de empresa de investimento. Imagem: Reprodução/CNBC

Diversos canais questionam a mensagem passada pelo vídeo, uma vez que a legislação em vários estados dos EUA chegam a proibir esse volume de tempo dedicado às entregas atrás do volante. Pelo entendimento destes estados, passar mais de oito horas dirigindo pode trazer fadiga extenuante ao corpo humano, o que leva a um déficit de atenção mais acentuado e, consequentemente, um aumento nos acidentes de trânsito.

A publicação ainda ressalta outra questão: a de que motoristas – seja do Uber ou Uber Eats – não são funcionários, então não gozam de benefícios que empregados em uma relação contratual têm, como licença médica e auxílio clínico. Em outras palavras: ou trabalham sem esses benefícios, ou os têm pagando do próprio bolso.

Mais além, o próprio vídeo onde Sam Lyon individualiza seus ganhos mostra que a conta não parece fechar: dos US$ 8.357 obtidos por ele em junho, US$ 2.988 vieram de gorjetas. Ou seja, a Uber pagou-lhe apenas US$ 5.369. “O que faz deste vídeo ainda mais absurdo é que, depois de calcular gastos e taxas, Lyon mal se aproxima de US$ 40 mil por ano, apesar de trabalhar metade do dia, todo dia”, diz a VICE, que também quebra a média de gastos segundo um estudo da Universidade de Berkeley.

Redes sociais engrossam críticas

Nas plataformas mais interativas, especificamente Twitter (em resposta ao post da CNBC) e YouTube (nos comentários de onde o vídeo foi publicado), a situação não parece aliviar: muitos motoristas do Uber Eats vieram a público para levantar justamente as despesas previstas com tanto uso do mesmo carro.

Alguns afirmam gasto médio de US$ 500 com combustível, fora manutenção do automóvel, enquanto outros listam um valor médio por entrega bem inferior ao alegado por Lyon (ele afirma ter recebido média de US$ 10 a US$ 20 por entrega, enquanto a maioria dos comentários lista seus ganhos em US$ 4 a US$ 7).

Há quem chame toda a campanha de “escravidão contemporânea” e outros que apontam o mesmo que a Vice: ainda que os ganhos tenham sido expressivos, os gastos com veículo e taxas tirariam pelo menos metade do valor ambicionado de US$ 100 mil.

Todos os canais que divulgaram o vídeo, porém, ressaltam que a campanha não tem envolvimento da Uber, sendo promovida especificamente pela Acorns, com veiculação paga à CNBC. A mensagem buscada pelas empresas é a de que você deve investir em você mesmo (esse slogan é repetido diversas vezes na página da matéria). Entretanto, com os números apontados pelos críticos, mesmo isso parece não ajudar muito diante do cenário pandêmico atual.

Fontes: CNBC/Vice

Colaboração para o Olhar Digital

Rafael Arbulu é colaboração para o olhar digital no Olhar Digital