Torcido em ‘ângulo mágico’, grafeno pode ajudar computação quântica

Material pode mudar suas propriedades, de supercondutor a isolante, apenas com a mudança na inclinação de uma folha com uma molécula de espessura
Renato Mota24/11/2020 20h03, atualizada em 24/11/2020 20h11

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Um dos materiais mais promissores da indústria tecnológica, o grafeno vem sendo cada vez mais estudado graças a uma combinação de características que incluem a leveza, flexibilidade e resistência. Outra propriedade desse composto pode ajudar a impulsionar a computação quântica: sua supercondutividade quando torcido a um em um ângulo “mágico”.

Em 2018, um grupo de pesquisadores do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT) empilhou duas folhas de carbono com um átomo de espessura, e as torceu levemente. A aplicação de um campo elétrico transformou estrutura de condutor em isolante – bloqueando totalmente a eletricidade – e, de repente, em supercondutor: um material que conduz eletricidade sem atrito.

A equipe, liderada por Pablo Jarillo-Herrero e Yuan Cao, ajudou a lançar um novo campo de estudo, conhecido como “twistronics”, o estudo do comportamento eletrônico em grafeno retorcido e outros materiais. Agora, dois grupos – incluindo os pioneiros do MIT – relataram seus últimos avanços na área, em dois artigos publicados na revista Nature. As pesquisas prometem transformar o grafeno retorcido em dispositivos funcionais, incluindo interruptores supercondutores como os usados em computadores quânticos.

“A ideia de que essa plataforma pode ser usada como um material universal não é fantasia”, afirma Cory Dean, um físico da matéria condensada da Universidade de Columbia, cujo laboratório foi um dos primeiros a confirmar as propriedades supercondutoras do material após o anúncio de 2018. “Está se tornando um fato”, completa.

MIT/Divulgação

Quando giradas em um “ângulo mágico”, as folhas de grafeno podem formar um isolante ou um supercondutor. Imagem: MIT/Divulgação

No primeiro estudo, os pesquisadores mapearam uma estrutura inteira de grafeno torcido pela primeira vez, com uma resolução fina o suficiente para que eles sejam capazes de ver variações muito pequenas no ângulo de torção local em toda a estrutura. Os resultados revelaram regiões dentro da estrutura onde o ângulo entre as camadas de grafeno desviou ligeiramente do deslocamento médio de 1,1 graus.

“Esta é a primeira vez que um dispositivo inteiro foi mapeado para ver qual é o ângulo de torção em uma determinada região do dispositivo”, afirma Jarillo-Herrero, que hoje é professor de Física do MIT. “Mesmo com um pouco de variação o material ainda mostra supercondutividade e outras físicas exóticas, mas esse ângulo não pode mudar muito. Caracterizamos quanta variação de torção você pode ter e qual é o efeito de degradação resultante”, explica o físico.

No segundo estudo, a equipe relatou a criação de uma nova estrutura de grafeno torcida com não duas, mas quatro camadas de grafeno. Eles observaram que a nova estrutura de ângulo “mágico” de quatro camadas é mais sensível a certos campos elétricos e magnéticos em comparação com seu predecessor. Isso sugere que os pesquisadores podem estudar de maneira mais fácil e controla as propriedades exóticas do grafeno torcido.

Os dois estudos têm como objetivo compreender melhor comportamento dos dispositivos “twistrônicos”, e assim ajudar a projetar uma nova geração de supercondutores de alta temperatura para o processamento de informações quânticas e tecnologias de baixa energia. A revolução, porém, não deve acontecer tão cedo, já que os dispositivos devem ser resfriados quase até o zero absoluto (-273,15 ºC) antes que possam superconduzir.

MIT/Divulgação

Uma interpretação em larga escala dos padrões formados quando uma rede de grafeno é ligeiramente girada em um “ângulo mágico”, em relação a uma segunda rede de grafeno. Imagem: MIT/Divulgação

Além disso, manter a torção precisa é um desafio, uma vez que as folhas de grafeno tendem a enrugar, interrompendo o ângulo mágico. A criação confiável de folhas suavemente torcidas, mesmo com apenas 1 mícron ou dois de diâmetro, ainda é um gargalo, e os pesquisadores não veem um caminho claro para a produção em massa. “Se você quisesse fazer um dispositivo realmente complexo”, avalia Jarillo-Herrero, “seria necessário criar centenas de milhares de [substratos de grafeno] e essa tecnologia não existe”.

A promessa de dispositivos eletrônicos livres de restrições ainda assim empolga muitos pesquisadores. Tradicionalmente, cientistas de materiais precisam encontrar substâncias com as propriedades atômicas e químicas corretas e fundi-las – e nem sempre isso dá certo. No grafeno torcido, porém, todos os átomos são carbono.

Com essa homogeneidade, cientistas podem mudar o comportamento eletrônico de qualquer componente com muito mais facilidade. Computadores quânticos, como os que estão sendo desenvolvidos pelo Google e pela IBM, precisam de junções meticulosamente manipuladas para processar os qubits. A ideia é que com o grafeno torcido, os qubits possam percorrer junções simples que são menores e mais fáceis de controlar.

“Ainda é muito cedo”, diz Jarillo-Herrero. “Por enquanto, a comunidade física ainda está fascinada apenas por seus fenômenos. As pessoas fantasiam sobre os tipos de dispositivos que poderíamos fazer, mas percebem que ainda é muito cedo e ainda temos muito a aprender sobre esses sistemas”, conclui o físico.

Via: Science Magazine/MIT News

Editor(a)

Renato Mota é editor(a) no Olhar Digital