O homem que revelou ao mundo documentos comprometedores sobre o sistema de vigilância dos Estados Unidos, Edward Snowden, contou, em entrevista ao The Guardian em Moscou, onde está asilado desde 2013, detalhes sobre sua vida, preocupações com o futuro e particularidades do novo livro, entitulado “Permanent Record“, lançado nesta terça-feira (17). 

No livro, Snowden relata pela primeira vez seu histórico e o que o levou a divulgar detalhes dos programas secretos executados pela Agência de Segurança Nacional dos EUA (NSA) e pela sede de comunicação secreta do Reino Unido, GCHQ . Ele descreve os 18 anos desde os ataques do 11 de setembro como “uma ladainha de destruição americana por meio da autodestruição americana, com a promulgação de políticas secretas, leis secretas, tribunais secretos e guerras secretas”.

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Snowden também se preocupa com o futuro da evolução tecnológica. “O maior perigo ainda está por vir, com o aprimoramento das capacidades de inteligência artificial, como reconhecimento facial e de padrões”, conta. “Uma câmera de vigilância equipada com inteligência artificial não seria um mero dispositivo de gravação, mas poderia ser transformada em algo mais próximo de um policial automatizado”. 

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O ex-agente da NSA chama a atenção, no momento, pelo fato com que os Estados Unidos, junto a grandes empresas da internet que dominam o mundo hoje, estarem caminhando para uma realidade de registro permanente de tudo e todos na Terra. Ele defende a reforma legislativa e o aumento do uso da criptografia de ponta a ponta para proteger e-mails, bate-papo e outras comunicações. Mas, ainda assim, isso não é o suficiente para combater as mudanças tecnológicas aceleradas, que permitem maiores invasões de privacidade. Um de seus desejos é a realização de um movimento de protesto mundial, semelhante ao das mudanças climáticas.

Snowden está morando há seis anos na Rússia e revelou que, cerca de dois anos atrás, casou-se, secretamente, com sua parceira Lindsay Mills no país. Ele disse que não se sente culpado pelo que fez e acha que muitos americanos o apoiam, mas possui planos de permanecer na Rússia por um tempo. Agora capaz de levar uma vida diária mais ou menos normal, ele tem menos medo do que quando chegou em 2013, quando se sentiu sozinho, isolado e paranóico de que poderia ser alvejado nas ruas por agentes norte-americanos em busca de retaliação.

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“Permanent Record”, que está sendo publicado na terça-feira em mais de 20 países, registra a mudança que o levou a trabalhar profundamente na NSA e na CIA para Hong Kong, onde entregou uma pilha de documentos classificados a jornalistas do Guardian.  

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Os documentos revelaram a escala da vigilância em massa pelos EUA, Reino Unido e seus aliados. Ele está no topo da lista de procurados dos EUA e enfrenta décadas de prisão se for detido.

O governo dos EUA pode aproveitar os royalties do livro, mas o avanço substancial já foi depositado. Pesquisas realizadas nos EUA em 2013 e nos anos imediatamente seguintes mostraram uma divisão quase igual entre aqueles que o viam como traidor e aqueles que o viam como um herói.

Um dos candidatos presidenciais democratas, Bernie Sanders, disse que gostaria de ver uma resolução que acabasse com o exílio permanente de Snowden, enquanto outro, a congressista Tulsi Gabbard, disse em maio que o perdoaria.

Snowden disse que ajudou a Rússia a vê-lo como publicidade útil. “Um país cujos problemas políticos são lendários, cujos problemas com os direitos humanos que ouvimos todos os dias finalmente conseguiram, de alguma forma, ter um ponto positivo em seu registro de direitos humanos… Por que eles desistiriam disso?”, observou.

Ele brinca em chamar suas memórias de “The New Forever” ou “Welcome to Forever” antes de nomear a sua nova obra de “Permanent Record”, o que reflete suas preocupações sobre o modo como as empresas estatais e privadas estão acumulando dados.

Nas memórias, ele escreve sobre sua infância e obsessão adolescente por computadores e jogos, como Legend of Zelda e Super Mario Bros. Quando adolescente, ele invadiu uma instalação nuclear e relatou suas vulnerabilidades às autoridades. Um funcionário do laboratório nuclear de Los Alamos, onde a bomba atômica foi criada, telefonou para sua mãe para agradecer.

“Permanent Record” oferece um dos relatos mais detalhados de como é trabalhar em uma agência de inteligência no século XXI. “Não há James Bonds”. Ele revela que a NSA utilizava cada vez mais contratados – ele era contratado por grande parte do tempo – em vez de empregar funcionários permanentes.

O filme de 2016, de Oliver Stone, “Snowden”, o retratou como escondendo os documentos da NSA escondendo um cartão SD, do tamanho de um pequeno carimbo, em um Cubo de Rubik. Sobre a cena, Snowden não confirma nem nega, sabendo que um dia ele ainda poderá ser processado. “O Cubo de Rubik pode ser muito útil e funciona como um dispositivo de distração e também como um dispositivo de ocultação”, observa.

Ele se lembrou de como seus planos quase acabaram no fim. Ele guardara documentos secretamente em um computador abandonado e o estava movendo. “Então parei no corredor enquanto levava essa máquina antiga de volta e um supervisor diz: ‘O que você está fazendo com esta máquina?’ E olho para ele com franqueza e digo: ‘Roubando segredos'”. Os dois riram. Mas era exatamente o que ele estava fazendo.

Snowden atualmente tem 36 anos, mora em um apartamento de dois quartos nos arredores de Moscou e ganha a vida principalmente com palestras para estudantes, ativistas de direitos civis e outras pessoas no exterior interessadas por meio de vídeos. 

“Você precisa estar pronto para defender alguma coisa, se quiser que ela mude. Espero que este livro ajude as pessoas nesse ponto, a decidirem por si mesmas”, disse.