Operação prende 179 por tráfico na deep web; será o fim dos mercados de drogas online?

Coordenada entre Estados Unidos e Europa, ação atingiu usuários e operadores de vários sites de uma tacada só e traz luz sobre novas capacidades no combate à prática
Renato Santino23/09/2020 01h30, atualizada em 23/09/2020 09h00

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A deep web entrou há alguns anos no imaginário do usuário de internet como um espaço sem lei: venda de drogas, encomenda de assassinatos, distribuição de pornografia infantil, tudo protegido pelo anonimato proporcionado por criptografia pesada e no redirecionamento da rede Tor. No entanto, isso parece estar mudando.

Ao longo dos anos, o número de ações policiais que têm sucesso em prender autores de crimes na deep web aumentou, permitindo que autoridades internacionais fechassem vários sites supostamente anônimos de alto escalão. Um novo exemplo foi dado agora, em uma operação gigantesca coordenada entre Estados Unidos e vários países europeus.

Chamada de Operação DisrupTor (em referência ao Tor, utilizado para navegar pela deep web), a operação prendeu nada menos que 179 pessoas pelo mundo, sendo a maior parte deles concentradas nos Estados Unidos, com 121 detenções. A Alemanha teve 42 pessoas presas, com mais 8 na Holanda, 4 no Reino Unido, 3 na Áustria e 1 na Suécia. As pessoas estavam envolvidas nas vendas em páginas como AlphaBay, Dream Nightmare, Empire, White House, DeepSea, Dark Market, entre outras. Foram confiscados mais de US$ 6,5 milhões em dinheiro e criptomoedas, 774 kg de drogas e mais 63 armas de fogo.

O FBI, que participou da DisrupTor, atribui em comunicado o sucesso desta operação a informações obtidas com uma outra, que prendeu os responsáveis por outro site de comércio de drogas chamado Wall Street Market, que tinha mais de 1 milhão de usuários registrados e 5.000 vendedores, ainda em maio de 2019, que levou à prisão dos operadores e dois dos principais vendedores. À Wired, Europol, confirma que a apreensão dos servidores back-end da página proporcionaram as prisões do DisrupTor.

O próprio comunicado do FBI reforça que, apesar de avanços tecnológicos terem permitido o surgimento dessas páginas de comércio eletrônico ilegal, as autoridades estão encontrando os caminhos para agir de forma mais rápida e efetiva contra esses sites. “A internet oculta não é mais oculta, e sua atividade anônima não é anônima”.

As prisões demonstraram a capacidade das autoridades em se articular para investigar o crime nas camadas mais profundas na internet e desmantelar redes de comércio de drogas pela internet, o que é uma mudança grande tanto de mentalidade quanto técnica, que mostra que as forças policiais avançaram neste tipo de investigação desde 2013, quando foi efetuada a prisão de Ross Ulbricht, condenado por gerenciar o site Silk Road. Foi provavelmente a primeira grande prisão por comércio ilegal de drogas na deep web, resultando em um julgamento que movimentou a opinião popular e até mesmo virou documentário.

De lá para cá, as prisões perderam o apelo midiático justamente porque se tornaram mais recorrentes e comuns, e as técnicas se tornaram cada vez mais criativas. Talvez o exemplo mais interessante foi a ação que derrubou em conjunto o AlphaBay, que era o principal site do mercado em 2017, e a Hansa. Na ocasião, autoridades assumir prender os operadores da Hansa e tomar controle do site, mas em vez de fechá-lo, mantiveram a página no ar por alguns dias, retirando todas as camadas de anonimato dos usuários. Na sequência, eles realizaram a operação que prendeu os responsáveis pelo AlphaBay e fechou a página, fazendo com que traficantes e compradores migrassem para outra plataforma. Uma dessas páginas era a Hansa; quando essas pessoas se cadastraram e forneceram suas informações, ficaram expostas, permitindo chegar a mais nomes do que se apenas os operadores do site fossem presos e os sites imediatamente encerrados.

O sucesso dessas operações interligadas não é coincidência. A Europol também explica que as pessoas não operam apenas em um site. O mesmo vendedor vai vender em várias plataformas ao mesmo tempo, justamente para ampliar seu alcance, e os compradores podem se cadastrar em múltiplas páginas para comparar preços e buscar outras oportunidades, assim como fazem vendedores e compradores no comércio eletrônico comum e legalizado. Quando um desses sites é comprometido, isso acaba afetando todo o ecossistema, não apenas um grupo específico de usuários. Ou seja: quanto mais sites têm seus servidores apreendidos, mais fácil é o trabalho de identificação de novos suspeitos.

É um fato, no entanto, que, assim como acontece no mundo do crime físico, a prisão de traficantes não necessariamente acaba com o tráfico, mas coloca outras pessoas em posição similar. Até hoje, o fechamento de sites da deep web para comércio ilegal sempre suscitou a geração de novas páginas, criando um jogo de gato e rato. Ainda assim, parece que as autoridades estão ficando mais eficazes em chegar aos operadores, e o tamanho da operação DisrupTor mostra isso.

Isso pode ter um efeito secundário nesse mercado oculto. Em agosto, um dos principais marketplaces para venda de drogas simplesmente fechou do nada. Chamado de Empire Market, o site saiu do ar sem explicações, provavelmente como resultado do que é chamado de “exit scam”. É quando os operadores simplesmente fecham o site e desaparecem com as criptomoedas dos usuários, aproveitando-se do anonimato proporcionado tanto pela rede Tor quanto pelo meio de pagamento.

Se os operadores desses sites começarem a perceber que as autoridades estão fechando o cerco mais rapidamente, esse tipo de golpe pode ser mais comum, para que os autores possam sumir com o lucro o mais rápido possível. Da mesma forma, isso criaria mais preocupação para os usuários que poderiam pensar duas vezes antes de fazer negócios pela plataforma, correndo risco de perder dinheiro. Os dois pontos são fatores positivos para agências de combate ao tráfico.

Renato Santino é editor(a) no Olhar Digital