O Twitter na mira de Trump: até onde o presidente dos EUA pode interferir na rede social?

Após ver algumas de suas publicações receberem avisos sobre a falta de veracidade, o chefe do executivo decidiu partir para o ataque
Equipe de Criação Olhar Digital29/05/2020 22h40

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Publieditorial

Não há neste momento qualquer dúvida de que Donald Trump se elegeu em boa parte graças ao trabalho eficaz de comunicação com seu público nas redes sociais. Há anos ele escolheu o Twitter como a sua principal ferramenta de interação com cidadãos americanos e, principalmente, com seus apoiadores.

Essa relação de “amor” se transformou em um ódio dos mais violentos nos últimos dias. Tudo aconteceu quando o Twitter decidiu marcar duas publicações do presidente americano como factualmente imprecisas após os posts serem averiguados por agências de checagem independentes. Ambas falavam sobre suas suspeitas de fraude com o uso de cédulas enviadas pelo correio no processo eleitoral dos Estados Unidos.

Reprodução

A empresa decidiu incluir junto de suas publicações links para que os leitores pudessem se informar sobre o tema por outras fontes, e isso acabou enfurecendo Trump, que agora se propõe a colocar seu poder como presidente dos EUA para impor nova regulamentação sobre as redes sociais.

Trump, o Twitter e censura

O modelo adotado por Trump para uso do Twitter como forma de comunicação com seus seguidores tornou-se exemplo para muitos líderes políticos no mundo, inclusive no Brasil, no caso de Jair Bolsonaro.

O uso da ferramenta deu a Donald Trump a capacidade de interagir diretamente com seus apoiadores, eliminando a interferência da mídia tradicional. Graças a isso, ele conseguiu atingir um público mais amplo, especialmente quando ele sequer fazia parte do universo político antes da campanha presidencial de 2016. Ele não era sequer filiado ao partido republicano, e aproveitou-se muito bem da desconfiança da população com os meios de comunicação convencionais.

Esse canal sem filtros se mostrou crítico para que ele pudesse expor suas ideias de caráter mais disruptivo e agressivo, que, se dependesse da imprensa tradicional, possivelmente não conseguiria ter o impacto desejado, como explica Philippe Scerb, cientista político e pesquisador da Universidade de São Paulo.

A abordagem teve grande sucesso durante o processo eleitoral, quando as plataformas sociais basicamente não tinham qualquer tipo de moderação contra discursos políticos mais agressivos e, em alguns casos, embasados em boatos e informações factualmente incorretas. No entanto, com o passar do tempo, houve uma pressão da sociedade civil no país para que houvesse maior controle na propagação da desinformação, especialmente em um momento em que o mundo começava a ver efeitos letais das “fake news”, como linchamentos na Índia e o genocídio em Mianmar.

Como aponta Scerb, isso colocou as redes sociais, como Facebook e Twitter, em uma posição complicada, de serem pressionadas a começar a policiar mais ativamente o conteúdo que circula por essas plataformas. Nos Estados Unidos, isso se reflete principalmente em quem tem o discurso mais agressivo, que se coloca “contra o sistema”, em uma posição de ataque. É o caso de Trump.

O que Trump está tentando fazer

A ordem executiva de Trump mira um ponto específico da legislação dos Estados Unidos. O presidente tenta mexer na seção 230 do Ato de Decência das Comunicações, que determina uma série de liberdades e deveres de plataformas de internet. Isso afeta diretamente as redes sociais.

Pela regulamentação atual, essas plataformas online não podem ser responsabilizadas pelo conteúdo publicada pelos seus usuários. Da mesma forma, é permitido a elas modificar, excluir, editar e moderar da forma que preferirem o conteúdo de usuários sem que sejam responsabilizadas judicialmente.

É uma regulamentação importante para permitir que plataformas online funcionem. Se o YouTube tivesse que responder a um processo todas as vezes que algum vídeo pregando violência fosse publicado, o Google provavelmente precisaria repensar o funcionamento do serviço.

Na prática, Trump tenta atingir exatamente a ferramenta que dá ao Twitter a liberdade para fazer o que fez. A rede social não chegou a excluir nenhuma publicação do presidente, mas alterou, sim sua interface para oferecer mais informações sobre um tema. Posteriormente, a empresa viria a ocultar um post de Trump que fere os termos de conduta da plataforma ao defender o uso de força letal contra manifestantes em Minnesota em caso de saques a lojas.

É possível fazer?

Querer remover dessas empresas essa liberdade das plataformas digitais de não responderem pelo conteúdo nelas publicados, Trump se baseia na eterna discussão sobre o que é a liberdade de expressão.

O problema é que a liberdade de expressão é uma faca de dois gumes. Da mesma forma que Trump quer ser livre para falar sobre o que quiser sem filtros, as empresas podem defender que estão exercendo sua liberdade de expressão ao cercar a publicação do presidente com outras informações.

Scerb avalia que ao propor essa regulamentação, Trump está tentando contra-atacar as redes sociais e demonstrar força. Ele tenta parecer mais forte para demonstrar ao seu público que não está derrotado. É uma disputa de poder.

No entanto, existe pouca chance de que essa decisão tenha o efeito que Trump espera, devido à força das instituições dos Estados Unidos. Por lá, a Suprema Corte consegue agir na moderação desse tipo de ação contra as empresas privadas, como prevê o cientista político.

No fim, a ação de Trump dá uma demonstração do quão importantes são as redes sociais para sua comunicação e como uma reação dessas empresas como tem se visto por parte do Twitter pode prejudicar a difusão de sua mensagem. Afinal de contas, não seria tão simples para Trump fundar e povoar outra rede social com suas próprias regras com o mesmo alcance que ele tem nas plataformas mais convencionais.