Macs com ARM: entenda como a migração da plataforma pode afetar você

Decisão é uma aposta no futuro dos Macs, e pode até reaquecer o mercado de computação pessoal
Rafael Rigues23/06/2020 20h23

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A Apple confirmou nesta segunda-feira (22) um rumor que já circulava há mais de uma década: a partir do fim deste ano, os Macs deixarão de usar processadores Intel, como fazem desde 2006, e passarão a usar chips desenvolvidos sob medida pela própria Apple, aproveitando o “know-how” adquirido pela empresa ao longo de uma década projetando processadores para iPhones e iPads.

Claro, isso não é algo que vai acontecer da noite para o dia: a Apple estima que a transição vai durar dois anos, com Macs com processadores ARM e Intel coexistindo durante este período. Ou seja, seu Mac atual não ficará obsoleto subitamente.

É a mesma estratégia que já foi adotada pela empresa em três transições passadas, todas bem-sucedidas: dos processadores da família Motorola 68K para PowerPC (em 1994), do Mac OS “Clássico” para o Mac OS X (no começo dos anos 2000) e dos processadores PowerPC para Intel (em 2006).

Quer entender porque esta mudança está sendo tão falada e como ela vai te afetar no dia a dia? O Olhar Digital explica.

O que muda para o consumidor?

Por incrível que pareça, esta é uma pergunta bem complexa. Em um primeiro momento nada, mas aparências enganam. A julgar pelo que a Apple já demonstrou, um Mac com processador ARM rodando o novo macOS Big Sur tem aparência e comportamento idênticos aos de um Mac com processador Intel.

Todas as demonstrações dos novos recursos do sistema durante o WWDC, nesta segunda, foram feitas em um Mac já com processador ARM sem levantar qualquer suspeita. As novas máquinas serão capazes de rodar todo o software já existente escrito para a plataforma Intel, graças a um emulador chamado Rosetta 2, embutido no sistema operacional da Apple.

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macOS Big Sur rodando em um Mac com processador ARM. Foto: Apple

Uma mudança visível, e cujo impacto é difícil de determinar, é a capacidade que os novos Macs ARM terão de rodar nativamente apps desenvolvidos exclusivamente para iPhones e iPads sem que seja necessário que os desenvolvedores façam qualquer modificação no código dos aplicativos.

Ao que parece, a Apple incorporou ao sistema operacional uma camada de “virtualização” do iOS, algo que é muito mais fácil quando iPhones, iPads e Macs usam processadores baseados em uma mesma arquitetura. Isso vai dar aos Macs ARM acesso a um gigantesco catálogo de apps compatíveis já no primeiro dia, o que vai facilitar bastante a transição.

Mas o mais importante não é como os Macs ARM se parecem hoje, mas como serão no futuro. Com a mudança de arquitetura o Mac ganhará “de brinde” uma série de tecnologias já existentes nos iPhones e iPads, coisas como as GPUs de alto desempenho dos iPads, hardware dedicado para operações de inteligência artificial (que a Apple chama de Neural Engine), captura e processamento avançado de imagem (importante para realidade aumentada), novas ferramentas de segurança (como FaceID), suporte a canetas (Apple Pencil) e a telas com alta taxa de atualização, etc.

Um dos destaques é o gerenciamento avançado de energia. Se os MacBooks atuais já têm uma autonomia de bateria “respeitável”, no futuro essa eficiência energética poderá ser ainda maior. O quão maior, entretanto, é algo que ainda será determinado.

Uma coisa com a qual os usuários não precisarão se preocupar é o desempenho. Nem bem a apresentação da Apple terminou e começaram a surgir comentários criticando a empresa por usar um “chip de celular” nos futuros Macs. A intenção maliciosa é sugerir que os novos Macs não terão bom desempenho.

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Shadow of the Tomb Raider, jogo para Macs com processadores Intel, rodando em um Mac com chip ARM. Foto: Apple

Mas isso não é verdade: a Apple não só demonstrou aplicativos pesados, como o Photoshop, Office e Maya, além de jogos, rodando sem problemas nos novos Macs, como benchmarks realizados por vários veículos apontam que, já há algum tempo, os processadores usados nos iPads são tão ou mais rápidos que alguns modelos das famílias Core i3 e Core i5, da Intel.

Vale lembrar que estes processadores são otimizados para rodar sob restrições no consumo de energia e dissipação de calor. Em um notebook ou desktop estas amarras poderão ser desfeitas, levando a um desempenho ainda maior.

O que isso significa para a Intel?

Não muito a princípio, mas pode ser um sinal de alerta. A Apple certamente é um cliente de renome e alta visibilidade, mas no quarto trimestre de 2019 vendeu apenas 5,2 milhões de Macs, segundo o site Statista. E, de acordo com o Gartner, o mercado global de PCs no mesmo período movimentou mais de 70,6 milhões de unidades, a maior parte delas com processadores da Intel.

O alerta se deve ao fato de que esse mercado pode acabar sendo “devorado pelas beiradas”. Outras empresas, como a Microsoft, já adotaram processadores ARM em vez de Intel em algumas de suas máquinas (como o Surface Pro X). No mercado educacional e de notebooks de entrada nos EUA os Chromebooks são uma parcela importante, e vários modelos usam processadores ARM.

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Surface Pro X: híbrido da Microsoft com processador ARM e Windows 10. Foto: Microsoft

A Intel terá de se reinventar, especialmente entre os processadores para notebooks, para adicionar a eles algumas das características mais atraentes dos concorrentes baseados em ARM e reduzir preços se quiser continuar relevante neste mercado.

Afinal, em um mundo onde os quatro principais sistemas operacionais para computadores pessoais (Windows 10, macOS, Chrome OS e Linux) são independentes de plataforma, ter um “Intel Inside” não é mais uma necessidade.

O impacto no mercado

Uma consequência da migração é que ela pode gerar uma nova onda de inovação no mercado de computadores pessoais. Afinal, se Macs começarem a surgir com recursos não encontrados nos concorrentes com processadores Intel, os outros fabricantes serão obrigados a correr atrás. É o que acontece no mercado de smartphones desde que o iPhone foi lançado, em 2007.

Ao anunciar a migração o CEO da Apple, Tim Cook, mencionou que ela tornará possível levar ao consumidor “produtos incríveis” que estão em desenvolvimento, e que seriam inviáveis com a plataforma atual. Pode apostar que os Macs daqui a dois anos serão algo muito diferente, e mais interessante, do que os modelos de hoje.

Colunista

Rafael Rigues é colunista no Olhar Digital