A existência de cristais de tempo – um estado particularmente fascinante da matéria – só foi confirmada há poucos anos, mas um grande avanço já aconteceu: físicos induziram e observaram uma interação entre dois cristais de tempo.
Em um superfluido de hélio-3, dois cristais trocaram quasíparticulas sem interromper sua coerência. Segundo os pesquisadores, essa conquista abre possibilidades para campos emergentes, como o processamento quântico de informações, onde a coerência é crucial.
“Controlar a interação de dois cristais de tempo é uma grande conquista”, afirmou o físico Samuli Autti, principal autor do estudo, da Lancaster University, no Reino Unido. “Antes disso, ninguém tinha observado dois cristais de tempo no mesmo sistema, muito menos visto eles interagirem”.
“As interações controladas são o item número um na lista de desejos de qualquer pessoa que queira aproveitar um cristal de tempo para aplicações práticas, como processamento de informações quânticas”, continuou Autti.
Cristais de tempo se parecem com cristais normais, mas apresentam uma peculiaridade adicional. Em cristais regulares, os átomos estão dispostos em uma estrutura de grade tridimensional fixa, assim como a rede atômica de um diamante ou um cristal de quartzo. Essas redes repetitivas podem ter configurações diferentes, mas não se movem muito; elas apenas se repetem espacialmente.
Já nos cristais de tempo, o comportamento dos átomos é um pouco diferente. Eles oscilam, girando primeiro em uma direção e depois em outra. Essas oscilações, chamadas de “tique-taque”, são travadas em uma frequência particular e regular. Em outras palavras, assim como a estrutura de cristais regulares se repete no espaço, nos cristais de tempo ela se repete em duas dimensões: no espaço e no tempo.
Cristais de tempo oscilam em duas dimensões. Imagem: Reprodução
Teoricamente, os cristais de tempo oscilam em seu estado mais baixo possível de energia, conhecido como estado fundamental, tornando-os estáveis e coerentes por longos períodos. Isso poderia ser explorado, mas somente se sua coerência pudesse ser preservada em uma interação controlada.
Então, Autti e seus colegas do Reino Unido e da Finlândia prepararam um experimento. Primeiro, eles resfriaram o hélio-3 (um isótopo estável do hélio com dois prótons mas apenas um nêutron) até um décimo de milésimo de um grau do zero absoluto, criando um superfluido de fase B, um fluido sem nenhuma viscosidade e baixa pressão.
Nesse meio, os dois cristais de tempo emergiram como condensados de Bose-Einstein espacialmente distintos de quasipartículas de magnon. Os magnons não são partículas verdadeiras, mas consistem em uma excitação coletiva do giro (spin) dos elétrons, como uma onda se propagando através de uma rede de spins.
Quando aconteceu o toque entre os cristais de tempo, eles trocaram magnons – o que alterou a oscilação para a fase oposta, mas sem sacrificar sua coerência.
Descoberta pode ajudar na computação quântica. Imagem: Reprodução
Os resultados foram consistentes com um fenômeno de supercondutividade chamado efeito Josephson, no qual uma corrente flui entre duas peças de material supercondutor separadas por um fino isolador, conhecido como junção Josephson. Essas são uma das várias estruturas que são exploradas para a construção de qubits, as unidades básicas da informação em computadores quânticos.
É uma interação muito simples, mas abre portas para tentar criar e controlar outras muito mais sofisticadas. “Nossos resultados demonstram que os cristais de tempo obedecem à dinâmica geral da mecânica quântica e oferecem uma base para investigar mais profundamente as propriedades fundamentais dessas fases, abrindo caminhos para possíveis aplicações em campos de desenvolvimento, como processamento de informação quântica”, escreveram os pesquisadores em seu artigo, publicado na Nature Materials.
“Sistemas quânticos coerentes de vida longa com interações sintonizáveis, como os cristais de tempo robustos estudados aqui, fornecem uma plataforma para a construção de novos dispositivos quânticos baseados em fenômenos coerentes com spin”, concluíram.
Via: Science Alert