O mundo vive uma corrida por uma vacina contra a Covid-19, e as pesquisas estão avançando em um ritmo inédito. Mesmo assim, alguns países buscam acelerar a aprovação de algum composto antes da conclusão dos testes, como é o caso da Rússia e da China. Agora outro país pode seguir o mesmo caminho: os Estados Unidos.

Em entrevista ao jornal Financial Times, Stephen Hahn, comissário da FDA (equivalente americano à Anvisa), informou que sua agência está disposta a aprovar uma vacina antes da conclusão da fase 3 de testes. A condição para isso é que os resultados parciais obtidos com os experimentos sejam minimamente satisfatórios em termos de segurança e eficácia.

A fase 3 de testes é a mais importante no desenvolvimento de um produto farmacêutico. No caso das vacinas, é quando se verifica se o composto realmente faz o que se espera dele: proteger pessoas contra uma infecção ou, no mínimo, contra as complicações de uma exposição. As fases anteriores fornecem dados básicos de segurança e de geração de resposta imunológica, mas apenas quando milhares de pessoas estão envolvidas nos experimentos há uma resposta concreta sobre o quão segura realmente é a fórmula testada, permitindo a detecção de efeitos mais raros que podem não ser tão raros assim quando se pensa em uma vacina que será aplicada em centenas de milhões, ou até mesmo bilhões de pessoas.

Justamente pelo fato de a etapa final ser tão importante, a comunidade científica tem se mostrado preocupada com qualquer iniciativa que vise acelerar a aprovação de uso de uma vacina antes da conclusão da fase 3. A Rússia foi duramente criticada pelo registro da Sputnik V, que só tinha concluído a fase 1 até a data do anúncio. Caso uma vacina que não tenha a eficácia esperada seja distribuída, ela pode piorar a pandemia em vez de solucioná-la, gerando uma falsa sensação de segurança que incentiva as pessoas a voltar a se comportar como antes do coronavírus, mas sem a devida proteção, além de gerar ainda mais desconfiança e alimentar o movimento antivacina, que pode prejudicar esforços de vacinação no futuro.

Justamente por estas questões, Hahn diz que uma potencial aprovação emergencial antes da conclusão dos ensaios de fase 3 seriam limitadas a grupos específicos de pessoas de alto risco em vez de uso geral na população. No caso da Rússia, apenas profissionais de saúde receberão a vacina fora do protocolo de pesquisa; na China, o primeiro uso além dos ensaios clínicos foi em militares.

No entanto, existe um temor de que essa propensão da FDA em aprovar a vacina antes da conclusão dos testes esteja relacionada a um evento que acontecerá em novembro nos Estados Unidos: a eleição. As pesquisas colocam o candidato democrata Joe Biden como favorito a ocupar a presidência a partir de 2021, o que estaria motivando Trump a pressionar órgãos governamentais a favor da aprovação precoce da vacina para tentar conquistar mais popularidade antes do pleito.

Trump chegou a declarar publicamente durante o fim de semana de que membros do “deep state”, termo ligado a uma teoria da conspiração que diz que há um poder oculto que controla os Estados Unidos, estão trabalhando para impedir que a FDA aprove a vacina antes da eleição.

Hahn, no entanto, ressalta que o plano não tem a ver com nenhuma pressão política, e sim com base em análise de dados técnicos e científicos.