Apple e Epic Games iniciaram nesta quinta-feira (13) uma batalha que deve se estender aos tribunais. O que pode parecer uma rinha entre corporações de grande porte pode ter impactos ainda mais profundos, que vão muito além da disponibilidade de um jogo em uma loja de aplicativos.

A disputa entre as duas empresas pode ter impactos regulatórios pesados, já que a Apple há alguns anos precisa lidar com suspeitas de práticas monopolistas com a App Store. A Epic pode abrir um precedente jurídico para expor essas ações e forçar a atuação de órgãos regulatórios, que podem mudar a cara do iPhone e do iOS para sempre.

O jardim fechado da Apple

Desde o início do iPhone, a Apple adotou uma política bastante estrita com a plataforma. O termo “walled garden” (“jardim fechado”) foi diretamente associado à companhia ao longo dos anos, com razão. A empresa controla com pulso firme tudo que pode ou não entrar em sua loja.

Isso tem seu lado positivo para os usuários: são raríssimos os casos de aplicativos que entraram na loja carregando algum tipo de malware, ao contrário do que acontece no Google Play, que é consideravelmente mais flexível.

No entanto, esse benefício também tem seu custo. Usuários simplesmente são barrados de aproveitarem aplicativos úteis que, por qualquer motivo, não sigam as regras estritas da Apple, enquanto o público no Android consegue fazer muito mais com seus aparelhos porque não lida com as mesmas amarras.

Pode parecer apenas uma questão de diferentes decisões de políticas de gerenciamento de lojas de aplicativos, mas isso tem implicações regulatórias importantes e que ficaram ainda mais evidente com a convocação de Tim Cook, CEO da Apple, para depor recentemente no congresso dos Estados Unidos.

Vamos olhar novamente para o Android. O Google Play aceita muitas coisas, mas também tem suas regras. Quem não concorda com elas, no entanto, tem opções. A própria Epic Games lançou o APK de “Fortnite” para o sistema sem depender da loja de aplicativos. A Samsung tem sua própria loja para os aparelhos Galaxy, por exemplo. Alternativas existem. No iPhone, isso não é uma possibilidade: ou você aceita as regras do jogo da Apple, ou você não joga.

O protesto da Epic

A Epic claramente não está satisfeita com as regras da Apple, mas não tem como ignorar o fato de que a Apple vende centenas de milhões de iPhones por ano. É um público enorme que não pode ser abandonado.

A empresa decidiu que o melhor caminho seria tornar esse conflito público. Ao incluir um meio de pagamento que driblava as restrições da App Store e eliminava a comissão de 30% para a Apple, a Epic sabia exatamente o que aconteceria e estava preparada para as consequências. Não à toa, o vídeo que parodiava o clássico comercial do Macintosh de 1984 já estava pronto, assim como o processo judicial.

A expectativa da Epic é tentar conquistar a opinião pública para tentar forçar uma mudança de políticas na App Store, já que não consegue negociar um acordo mais vantajoso para seu aplicativo, nem tem como distribuir o aplicativo por outro meio que não seja a loja oficial da Apple. Forçar usuários a realizar jailbreak não é uma opção.

As ramificações podem ser imensas

Com os holofotes sobre as práticas comerciais da Apple, o processo movido pela Epic pode afetar muito mais do que apenas a relação entre as duas empresas, mas todo o mercado de aplicativos.

Neste momento, existem algumas empresas que certamente estão prestando bastante atenção no processo esperando um precedente. Microsoft e Google, por exemplo, ambos com serviços de jogos de videogame em nuvem que foram proibidos na App Store estão atentos aos desdobramentos do caso para tentar cavar espaço no iPhone mesmo contrariando as regras da Apple.

Se este processo chamar a atenção de órgãos regulatórios, a Apple poderia ser forçada a permitir concorrência dentro de seu ecossistema, como faz o Google no Android. Isso implicaria permitir, sem a necessidade de um jailbreak, lojas de apps rivais dentro de um mesmo iPhone.

Uma decisão do tipo por órgãos regulatórios seria um golpe gigantesco na Apple, que precisaria adaptar seu modelo de negócios. A App Store é uma divisão bilionária, e, se não mudasse suas políticas, veria aplicativos extremamente populares, como o próprio “Fortnite” tornarem-se exclusivos de lojas concorrentes, ou pelo menos ganharem recursos exclusivos em outras plataformas, incentivando o público a “virar a casaca”.

Isso já acontece no Android. Recentemente, a Microsoft anunciou que o serviço de jogos em nuvem integrado à assinatura do Xbox Game Pass Ultimate terá recursos exclusivos para a loja da Samsung, que permitem a compra dos jogos diretamente pelo celular. E a ideia é a mesma da Epic: evitar o pagamento de 30% de comissão ao Google; o acordo com a Samsung certamente foi mais vantajoso.