Vender iPhone 12 sem carregador não é ilegal, dizem especialistas

Olhar Digital procurou dois advogados especializados em direito do consumidor e constatou: ainda que não oferecer o carregador e o fone de ouvido no novo smartphone, prática não é ilegal pela lei
Rafael Arbulu14/10/2020 20h09, atualizada em 14/10/2020 23h35

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Com o anúncio do iPhone 12, feito no último dia 13, a Apple compartilhou uma novidade que fez as redes sociais brasileiras entrarem em acalorada discussão: ao contrário do que vimos em lançamentos anteriores, os novos aparelhos (quatro versões no total) não trarão, na caixa, o carregador de bateria nem os fones de ouvido característicos de todas as edições do smartphone da empresa de Cupertino até então.

Muitos internautas decidiram levar seus questionamentos ao Twitter e ao Facebook, onde a maior parte dos posts, entre reclamações e acusações, afirmava que a prática poderia ser uma de “venda casada”, nome pelo qual é conhecida a oferta de um produto com a obrigatoriedade da compra separada de outro. Tal manobra é ilegal segundo o Código de Defesa do Consumidor.

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Oferecer o cabo e o plugue de tomada eram prática comum da Apple, mas o iPhone 12, próximo lançamento da empresa, virá sem um deles. Foto: nodi.jpg/Shutterstock

Alguns internautas mais velhos ainda se lembraram de casos similares onde os mesmos questionamentos foram posicionados, como em 2015, quando a Nintendo lançou o portátil 3DS, também sem o carregador de tomada. Naquela época, tanto quanto agora, a empresa japonesa também teve que aguentar críticas da comunidade, mas não voltou atrás em sua decisão.

E nem deveria.

Segundo especialistas ouvidos pelo Olhar Digital, a medida de não oferecer o carregador, ou o fone de ouvido pode até não ser do agrado do consumidor, mas não constitui uma prática ilegal. “A prática de vender aparelhos de telefone celular acompanhados de acessórios – tais como carregadores e fones de ouvido – é tão comum que, aos olhos dos consumidores, parece ser uma regra enquanto, na verdade, é uma praxe do mercado”, afirma Mônica Villani, sócia do escritório Mônica Villani Advogados. “Por esta razão, é possível a comercialização do aparelho de telefone celular somente com o cabo carregador compatível, ou seja, desacompanhado da respectiva fonte de alimentação”.

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A advogada Mônica Villani: embora não seja ilegal, a mudança na oferta de itens de base da Apple deve ser comunicada objetivamente. Foto: Acervo/Reprodução

O Código de Defesa do Consumidor rege de forma bem clara o que constitui uma venda casada: a grosso modo, qualquer item relacionado a um produto que seja considerado essencial deve ser obrigatoriamente oferecido junto à compra daquele produto. Condicionar um item deste tipo a uma compra separada é um ato ilícito (o que não é bem um “crime”: mais sobre isso abaixo). Lembra-se de quando os cinemas brasileiros impediam você de entrar nas salas com comida que não fosse da lanchonete deles? Isso é a chamada “venda casada”: você era obrigado a consumir da comida de um estabelecimento específico, ou assistir ao filme com fome.

Não é o mesmo caso aqui. O carregador (e o fone de ouvido) não são itens essenciais ao funcionamento do smartphone. Talvez a confusão fosse menos percebida com uma mudança na linguagem – a Apple fala em “carregador”, mas tecnicamente, é apenas o plugue de tomada (ou “adaptador de viagem”, se você quer o nome oficial) que estará ausente: o cabo, com conector USB-C, vem na caixa, e qualquer dispositivo que dê suporte a essa tecnologia pode carregar o celular, desde o laptop onde esta matéria foi escrita até a smart TV onde você assiste suas séries.

“É importante destacar que a venda casada é considerada um ilícito pelo Código de Defesa do Consumidor (Lei nº. 8.078/1990, artigo 39, I), contudo, deixou de ser considerado crime através da Nova Lei de Defesa da Concorrência (Lei nº. 12.529/2011), que revogou as previsões da venda casada como tipo penal anteriormente previstas na Lei nº. 8.137/1990 e na Lei nº. 8.884/1994” disse Mônica. “Logo, mesmo que esta nova prática no comércio de aparelhos de telefone celular viesse a ser considerada uma venda casada, não se trataria de um crime propriamente dito”.

O advogado Sergio Mirisola Soda, sócio do escritório Lopes Domingues Advogados, concorda com essa percepção: “neste caso o consumidor não estará obrigado a adquirir o carregador da Apple para comprar seu aparelho celular, tampouco será obrigado a adquirir da Apple o aparelho de carregamento. Ilegalidade haveria se uma aquisição dependesse necessariamente da outra, em caráter vinculante”, ele informa. “A prática casada vedada pelo CDC é aquela que retira do consumidor a prerrogativa da livre escolha, como se um produto não pudesse ser adquirido sem o outro, ou se um produto não tivesse finalidade sem o outro. Mas esse não parece ser o caso”.

Segundo o especialista, o não fornecimento do plug de carregamento não necessariamente afetará o uso do aparelho. “Alguns consumidores podem já possuir o carregador de versões mais antigas. Outros poderão optar por adquirir carregadores fornecidos por outras marcas, ou mesmo utilizar o cabo de entrada USB que acompanha o produto”. Ambos os advogados entendem que a oferta de plugues de tomada ou fones de ouvido – sejam estes de entrada ou de ponta – são prerrogativas comerciais atreladas à empresa. Em outras palavras: a Apple escolhe se os oferece ou não.

A justificativa da Apple é a de que deixar de incluir os dois itens na caixa do iPhone 12 (e, especula-se, de quaisquer outros itens que venha a comercializar no futuro, como o novo iPad Air 4, embora isso não tenha sido confirmado) ajudará a empresa a reduzir a sua pegada de carbono, tornando-a mais amigável ao meio ambiente e, consequentemente, adicionar uma prerrogativa mais ecológica aos seus produtos.

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O advogado Sergio Soda: “o consumidor tem outros meios de fazer a recarga do celular além do plug de tomada”. Foto: Acervo/Reprodução

Uma falha legal da empresa seria, por exemplo, se ela deixasse de oferecer todos os insumos necessários para a recarga do celular. Se o cabo também fosse condicionado a uma compra separada, por exemplo, a situação seria outra. Neste exemplo, a Apple estaria em maus lençóis: “No âmbito administrativo, a Apple poderia ser demandada em processos iniciados por órgãos de defesa do Consumidor, como o Procon, para apuração de possível infração aos direitos dos consumidores”, conta o doutor Sergio.

“A depender do resultado,” – ele continua – “a empresa poderia ser submetida a multas arbitradas pelo órgão de acordo com parâmetros definidos pelo CDC. No âmbito judicial, além de ações isoladas ajuizadas por consumidores, a empresa poderia ser demandada pelo Ministério Público, a quem a constituição atribui a defesa de direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos”.

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Na caixa do novo iPhone 12, virão o smartphone e um cabo USB-C: especialistas dizem que prática não é ilegal e a decisão cabe apenas à empresa. Imagem: Apple/Reprodução

Ilícita ou não, a medida da Apple não é de toda livre do crivo da legislação brasileira, já que a comunicação da mudança deve ser feita de forma clara: “para que este novo formato de venda seja realizado sem desrespeitar os consumidores e seus direitos – pois trata-se de uma mudança significativa de hábito de consumo neste segmento – é imprescindível que o fabricante informe de forma objetiva, clara e ostensiva quanto à mudança (ou seja, que a fonte de alimentação não fará mais parte do “kit”) e o que o consumidor adquirirá, de agora em diante, ao realizar a compra do aparelho, conforme é determinado pelo artigo 31 do Código de Defesa do Consumidor (Lei nº. 8.078/1990)”.

O iPhone 12 conta com quatro variações: o iPhone 12 Mini chega ao mercado custando a partir de US$ 700 (R$ 3.913,63 na conversão direta), enquanto o iPhone 12 custará a partir de US$ 800 (R$ 4.472,72). Enquanto isso, o iPhone 12 Pro custará a partir de US$ 1.000 (R$ 5.590,90) e o iPhone 12 Pro Max custará a partir de US$ 1.100 (R$ 6.149,99). Os valores oficiais no Brasil não foram confirmados até o momento, mas a pré-venda dos aparelhos será aberta no próximo dia 16 de outubro.

Colaboração para o Olhar Digital

Rafael Arbulu é colaboração para o olhar digital no Olhar Digital