Uma comitiva de parlamentares brasileiros, cuja maioria são deputados federais eleitos pelo PSL, viajou à China para importar o sistema de câmeras de rua usadas para o reconhecimento facial de cidadãos. A princípio, a tecnologia de vigilância chinesa seria adotada primeiro no estado do Rio de Janeiro.
De acordo com o canal UOL, a bancada do PSL pretende apresentar no início de fevereiro um Projeto de Lei (PL) para tornar obrigatório o uso de câmeras para reconhecimento facial em locais públicos, com o objetivo de identificar criminosos e melhorar a segurança. O sistema consiste em câmeras especiais para uso dos órgãos de segurança, que seriam instaladas em estações de trem e metrô, aeroportos, vias públicas de grande movimento de pedestres e até mesmo em pontos estratégicos de comunidades dominadas pelo tráfico e pelas milícias.
Em declaração à revista Veja, a deputada eleita Carla Zambelli (PSL-SP), que integra o grupo, afirmou que este sistema de câmeras pode ser implementado ainda em 2019: “É uma tecnologia que será aplicada no Brasil de forma pro bono [sem custo], até para nós vermos como funciona, no estado do Rio de Janeiro”, diz. Ou seja, de acordo com Zambelli, a China sequer estaria cobrando pela tecnologia e pelos componentes de hardware.
Já o deputado federal eleito Felício Laterça (PSL-RJ), confirmou ao UOL o interesse de importar o sistema de segurança pública chinês: “Nossa ideia é conseguir uma parceria com os chineses e trazer essa tecnologia”, concluiu Laterça.
Como a China utiliza a própria tecnologia
No entanto, apesar da euforia dos parlamentares brasileiros em relação à tecnologia chinesa, especialistas criticam o Partido Comunista chinês e alertam que este sistema é usado como uma forma de controle social. A China possui 170 milhões de câmeras espalhadas pelo país, montadas com um software de inteligência artificial em desenvolvimento. Isso significa que o sistema é passível de erro, bem como não faz distinção entre o cidadão comum e criminosos foragidos da polícia.
O sistema de reconhecimento facial chinês consegue identificar o gênero e a idade dos cidadãos, e é capaz de criar um perfil com rotas mais frequentes, veículos utilizados, e monitorar o grupo social com qual o cidadão se relaciona.
Uma variação deste sistema será implementado na China em 2020. Conhecido até o momento como Sistema de Crédito Social (SCS), esse programa do governo utilizará registros das imagens para pontuar os cidadãos do país. Conforme a pontuação, algumas pessoas serão proibidas de comprar passagens de avião ou mesmo matricular seus filhos em boas escolas.
Quem ganha com essa parceria
Em 2018, a secretaria de defesa social de Curitiba deu início a um projeto que prevê a instalação de centenas de câmeras pela cidade, capazes de fazer o reconhecimento facial dos cidadãos e de carros em tempo real. O projeto foi orçado em R$ 35 milhões.
Como dito acima, de acordo com a deputada Zambelli, a tecnologia chinesa “será aplicada no Brasil de forma pro bono”. A expressão “pro bono” no judiciário significa “sem cobrança de honorários”, mas levando em consideração o orçamento de 35 milhões de reais do projeto similar em Curitiba, qual será o ganho do governo chinês com essa “doação”? Cabe aqui dizer que se o produto é gratuito, então o produto é você, neste caso, nós brasileiros.
Mais do que isso, analisando apenas o mercado de tecnologia, que é o espelho de uma guerra velada entre países como Estados Unidos e China. De um lado temos o governo norte-americano acusando as fabricantes de smartphone chinesas, como Huawei e ZTE, de servirem de ferramentas de espionagem do governo chinês em outros países. Do outro temos restrições sendo feitas também na Europa e Austrália contra essas empresas, em especial em relação aos serviços da Huawei.
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Isso tudo levanta um alerta vermelho sobre usar a solução do próprio governo da China, “pro bono”, para combater o crime no nosso país. Ao UOL, Renato Opice Blum, advogado especialista em direito digital, afirmou que o reconhecimento facial no Brasil é um caminho sem volta. Contudo, será que precisamos adotar uma tecnologia tão criticada como a do governo chinês?
Por fim, caso o governo brasileiro venha a aprovar esse Projeto de Lei no futuro, contamos com a Lei Geral de Proteção de Dados como objeto de proteção da privacidade dos cidadãos brasileiros. Porém, a essa lei entra em vigor apenas em agosto de 2020.