Um grande desafio no combate às doenças pulmonares é que há mais pacientes necessitando de transplantes do que órgãos disponíveis para doação. Isso não se deve apenas ao baixo número de doadores; muitos pulmões ficam significativamente danificados, impossibilitando serem transplantados.
Porém, com uma nova técnica experimental, um pulmão danificado foi restaurado e voltou a funcionar – depois de compartilhar seu sistema circulatório com o de um porco vivo. Isso aproveita os mecanismos de reparação automática do corpo para superar as capacidades das técnicas atuais de recuperação de órgãos de doadores.
“É o fornecimento de mecanismos intrínsecos de reparos biológicos por longos períodos que nos permitiram recuperar pulmões gravemente danificados que não podem ser salvos”, afirmaram os principais pesquisadores, o engenheiro biomédico John O’Neill e o cirurgião Ahmed Hozain, da Columbia University, em seu artigo publicado na revista Nature Medicine.
O princípio é semelhante a uma técnica existente de restauração pulmonar de doador, chamada perfusão pulmonar ex-vivo (EVLP), a qual coloca o pulmão em uma cúpula estéril conectada a um ventilador, bomba e filtros. O pulmão é mantido na mesma temperatura do corpo humano, e uma solução sem sangue contendo proteínas, oxigênio e nutrientes circula por ele. Essa circulação é a perfusão.
A EVLP ajudou a salvar vidas, mantendo estáveis os pulmões de doadores e até reparando-os um pouco. Mas a janela de tempo oferecida pela técnica é um tanto limitada: só pode ser conduzida por oito horas, o que não é o bastante para que os mecanismos de reparo biológico entrem em ação.
Novo tratamento pode reparar pulmões humanos. Imagem: Reprodução
O’Neill liderou, em 2017, o desenvolvimento da plataforma de circulação cruzada xenogênica (entre espécies). No ano passado, dois dos pesquisadores conduziram um estudo no qual eles restauravam os pulmões danificados, anexando-os aos porcos. No início deste ano, a equipe estendeu o tempo de operação da plataforma para quatro dias. Agora, os cientistas revelaram que restauraram com sucesso cinco pulmões danificados usando essa técnica, incluindo um pulmão gravemente ferido que não pôde ser recuperado com a EVLP.
Seis pulmões do estudo chegaram até a equipe após serem rejeitados para transplante. Os cinco pulmões do experimento foram conectados por um tubo jugular a porcos anestesiados que haviam sido imunossuprimidos para impedir que o corpo dos animais rejeitasse o órgão. O sexto pulmão foi anexado a um porco que não foi imunossuprimido, sendo usado como controle.
Todos os órgãos foram submetidos a 24 horas de circulação cruzada xenogênica, sob constante supervisão de parâmetros bioquímicos e fisiológicos. Em pouco tempo, o pulmão de controle começou a desenvolver fluido extra, a circulação falhou enquanto marcadores inflamatórios e imunológicos aumentaram, coágulos se formaram e a função respiratória caiu – sinais de rejeição hiperaguda.
Foi um contraste incrível com os pulmões experimentais. Apesar de todos terem lesões anteriores, os órgãos apresentaram melhora significativa na viabilidade celular, qualidade do tecido, função respiratória e resposta inflamatória.
Pulmões humanos no início do tratamento (esq.), após 12h de circulação cruzada (meio) e após 24h na plataforma (dir.), quase totalmente recuperados. Imagem: Hozain, O’Neill, et al. Nature Medicine
O pulmão que falhou com a EVLP foi o que teve a maior transformação. Ele passou 22,5 horas no gelo e recebeu cinco horas de EVLP. Depois disso, o pulmão direito foi aceito para transplante, mas o esquerdo estava simplesmente muito danificado; tinha inchaço persistente e acumulava líquido. Foi recusado em vários centros de transplante.
Após 24 horas compartilhando sangue com um porco, o órgão começou a mostrar sinais de reparo; não recuperação total, mas muito mais do que se pensava ser possível. Segundo os pesquisadores, isso sugere que sua plataforma de circulação cruzada pode ser usada em conjunto com a EVLP para ajudar a restaurar os pulmões que o método tradicional não consegue.
Contudo, não está totalmente pronto para uso clínico: os porcos poderiam compartilhar outras coisas além do sangue, como doenças. Por isso, usar essa técnica exigiria animais de nível médico, o que não é barato – mas é uma possibilidade.
A outra opção é que os próprios receptores humanos eventualmente sejam a base da plataforma de circulação cruzada, sendo anexados aos pulmões que eles próprios receberão, e talvez até outros tipos de órgão em algum momento. Ainda há um longo caminho pela frente.
Via: Science Alert