Apenas duas pessoas no mundo inteiro foram curadas do HIV. A segunda cura foi anunciada há um ano atrás, do chamado “Paciente de Londres”. Adam Castillejo, de 40 anos, afirma que quer “ser um embaixador da esperança” e, por isso, quis sair das sombras e revelar sua história para o mundo.
Em março de 2019, após 10 anos de cansativos tratamentos, Castillejo recebeu a notícia que tanto esperou, depois de passar por um transplante de medula óssea para tratar de um linfoma. O doador carregava uma mutação que impedia o HIV de entrar nas células. Após o transplante, o sistema imunológico de Castillejo foi substituído por um resistente ao vírus. Apesar de ter dado certo no caso, esta não é uma opção prática para a cura generalizada do HIV por conta dos altos riscos. O primeiro paciente curado do HIV foi Timothy Ray Brown, em 2008.
Passado um ano, o paciente decidiu se apresentar para o público porque agora os médicos estão mais certos de que ele esteja realmente livre do vírus. “Achamos que isso é uma cura agora, porque já faz um ano e fizemos mais alguns testes” afirmou a virologista Dra. Ravindra Gupta, da Universidade de Cambridge. Na época, os médicos afirmaram que a doença estava em remissão, quando não há atividade dela.
Antes de decidir contar sua história para o mundo, Castillejo criou uma conta nas redes sociais para conversar com Brown, o primeiro curado, semanalmente. Depois de falar com médicos, amigos e familiares, decidiu se abrir.
Diagnosticado com HIV em 2003, Castillejo cresceu em Caracas, na Venezuela, e foi criado pela mãe após o divórcio dos seus país. “Lembro-me de quando a pessoa me contou e o pânico começou”, afirmou. Na época, o diagnóstico era uma sentença de morte, e ele tinha apenas 23 anos. “Foi uma experiência muito aterrorizante e traumática”.
Após receber a notícia, transformou a paixão pela culinária em emprego como chef. Com isso, adotou um estilo de vida saudável. Comia bem e se exercitava frequentemente, andando de bicicleta, correndo e nadando. Porém, em 2011, veio o segundo golpe. Após uma série de exames, descobriu que tinha um linfoma avançado. “Nunca esquecerei minha reação, pois mais uma vez meu mundo mudou para sempre. Mais uma vez, outra sentença de morte”, destacou.
Os anos de quimioterapia seguiram, e o HIV complicava ainda mais o tratamento. Sempre que os oncologistas ajustavam seu tratamento para o câncer, os medicamentos para o HIV precisavam ser recalibrados. Há poucas informações para tratar pacientes com as duas doenças, o que dificultava ainda mais os tratamentos.
O fim de 2014 foi particularmente difícil para Castillejo e sua família. Duas semanas antes do Natal, ele sumiu e todos imaginaram o pior. Quatro dias depois, foi encontrado fora da cidade sem lembranças de como chegou no lugar e o que fez, tempo em que afirma ter “desligado”. Na mesma época, pensou em procurar uma empresa suíça de eutanásia para pessoas com doenças terminais.
Em 2015, seus médicos afirmaram que ele não viveria até o Natal. O transplante de medula foi inicialmente descartado pela falta de experiência de seus médicos para isso, principalmente em um paciente com HIV.
Junto com um amigo, descobriu um hospital em Londres com especialistas em transplantes de medula para o tratamento de câncer, inclusive em pessoas com HIV. Após falhar no uso de suas próprias células-tronco, o especialista afirmou que sua origem latina poderia complicar a busca por um doador. Para a surpresa de todos, Castillejo rapidamente encontrou vários candidatos, inclusive um alemão, possivelmente por conta do seu pai, meio holandês, com uma mutação crucial, chamada “Delta 32”, que dificulta a infecção pelo HIV.
O paciente se recorda do momento em que recebeu a ligação. Durante o outono de 2015, enquanto ia a um check-up com seu clínico geral no convés superior do tradicional ônibus vermelho de dois andares. Em um momento a notícia é de que ele não chegaria ao Natal e, no instante seguinte, ele poderia ser curado tanto do câncer quanto do HIV. “Depois dessa ligação, eu tinha um grande sorriso no rosto”, destacou.
A possibilidade da cura do HIV imediatamente garantiu uma importância intensa. O Dr. Edwards, que cuidava de Castillejo desde 2012, afirmou que seria um privilégio passar de nenhuma terapia para uma cura completa. “Então você precisa melhorar. Sem pressão”, lembrou ter dito ao paciente. O médico procurou um antigo colega, Dr. Grupta, que estava totalmente cético, já que a abordagem funcionou apenas uma vez antes, com Brown (o primeiro curado do HIV).
O tratamento iniciou com uma carga de medicamentos anti-retrovirais para suprimir o vírus a níveis indetectáveis. Porém, quando Castillejo estava se preparando para receber o transplante, mais um revés. O vírus do HIV se mostrou resistente aos medicamentos. Porém, foi este fato que deu ao Dr. Gupta a confirmação de que o transplante poderia eliminar o vírus. Após alguns meses de espera, Castillejo recebeu o transplante em 13 de maio de 2016.
No ano seguinte, ele passou meses no hospital, chegou a perder quase 70 quilos, contraiu várias infecções e passou por diversas outras operações. “Um dos médicos veio até mim e disse: você deve ser muito especial, porque eu tenho mais de 40 médicos e clínicos discutindo sua medicação”, lembrou. Logo depois de sair do hospital, o único exercício autorizado a fazer foi caminhar.
Um ano depois, quando ficou mais forte, lentamente começou a abandonar os medicamentos para o HIV. Em outubro de 2017, tomou o último conjunto de medicamentos anto-retrovirais. Dezessete meses depois, em março de 2019, o Dr. Grupta anunciou a notícia da cura. Depois disso, Castillejo fez diversos cursos para ajudar os médicos a entender as doenças. Até agora, seu corpo só apresentou os chamados “fósseis”, uma memória biológica de longo prazo.
“Pode ser muito importante que as pessoas tenham esse sinal de esperança. Ao mesmo tempo, é muito pesado para alguém carregar”, afirmou o diretor do Grupo de Ação para Tratamento, Jeffrys. Os amigos de Castillejo possuem a mesma preocupação. Porém, ele acredita que está pronto, e planeja manter sua vida privada.
Via: The New York Times