Neste momento, a humanidade está combatendo um inimigo invisível. O coronavírus Sars-Cov-2 tem se espalhado pelo planeta em um ritmo violento, já tendo causado mais de 200 mil mortes confirmadas fora tantos outros óbitos suspeitos que não foram formalmente diagnosticados como Covid-19.
Neste cenário de combate a um inimigo invisível, nada mais natural do que recorrer a uma arma invisível. Estamos falando da radiação ultravioleta (UV), que tem sido usada para desinfectar ambientes e superfícies neste momento, oferecendo algumas vantagens sobre a esterilização por meio de produtos químicos.
O que é a UV?
É importante entender exatamente o que é a luz ultravioleta. O que determina a cor da luz que enxergamos é o comprimento das ondas. Basta lembrar do arco-íris: quanto maior o comprimento, mais próximo do vermelho; quanto menores, mais próximo do violeta. No entanto, existem outros espectros que não são visíveis aos olhos humanos, que ficam abaixo do vermelho ou acima do violeta; daí os nomes “infravermelho” e “ultravioleta”.
Existem diferentes tipos de luzes ultravioleta, que também podem ser definidas como radiação. São elas os raios UV-A, UV-B e UV-C, sendo que a última é a mais potente. Não à toa, são esses raios utilizados para esterilização, graças à sua ação germicida. Essa propriedade já é conhecida pela ciência há algumas décadas, na verdade, e não se trata de uma invenção criada para o combate ao coronavírus.
Por que ela é usada?
São especificamente as ondas UV-C que têm sido utilizadas para a esterilização de ambientes e superfícies. Elas agem rápido e, por agirem como luz, minimizam o risco de que alguma área se mantenha contaminada porque a pessoa que estava limpando a superfície esqueceu de passar o pano em alguma área.
Na prática, os raios ultravioletas agem diretamente no material genético do vírus, efetivamente causando sua desativação. Isso faz com que ele seja incapaz de invadir o organismo e penetrar nas células para se reproduzir, que é o que causa a Covid-19 (e qualquer outra doença viral).
Por que é preciso cuidado?
O uso de UV-C para esterilização é seguro, mas exige cuidados rígidos para não causar danos também às pessoas. Isso porque da mesma forma que as ondas são capazes de danificar o vírus para que ele não se reproduza, elas também podem danificar as células humanas expostas à radiação, afetando, por exemplo, olhos ou a pele.
No caso dos olhos, a situação pode ser especialmente curiosa. Por ser invisível à visão humana, é possível entrar em uma sala totalmente escura e ter seus olhos afetados pela iluminação ultravioleta, causando problemas de visão que podem persistir no longo prazo.
Raios ultravioleta podem ter efeito cancerígeno sobre a pele, e não é à toa que todos os protetores solares visam bloquear a incidência dessa radiação sobre o corpo. No caso do Sol, a camada de ozônio tem a função justamente de filtrar os raios UV-C, que são mais potentes e mais perigosos, mas ela não é capaz de filtrar essa radiação quando ela vem de fontes artificiais, como uma luminária.
Por causa desse risco, estão sendo desenvolvidas soluções tecnológicas para que a aplicação da esterilização por UV-C seja feita de forma segura.
O robô brasileiro
Uma dessas soluções tecnológicas para aplicação segura do UV-C para esterilização de ambientes vem do Brasil. Uma startup de Minas Gerais chamada Sii Tecnologia desenvolveu uma alternativa autônoma para garantir a segurança da esterilização por raios ultravioleta.
Especializada em automação e controle de ambientes, a empresa viu uma oportunidade de ampliar seu ramo de atividades, desenvolvendo um sistema que é capaz de identificar se há uma pessoa no recinto mesmo se ela estiver completamente estática.
Para isso, como explica ao Olhar Digital o CEO Felipe Gasparo, a solução da empresa não utiliza nada que se pareça com um sensor de movimentos. Pelo contrário: o equipamento faz um mapeamento do recinto utilizando micro-ondas quando ele está completamente vazio antes do primeiro uso. Assim, quando houver qualquer pessoa no ambiente, haverá uma diferença na forma como o ambiente é reconhecido pelo dispositivo, evitando o início do processo de esterilização.
Esse sistema pode trazer alguns contratempos, admite Gasparo. Ao trocar o equipamento de ambiente, é necessário fazer um novo mapeamento, mas ele reforça que é melhor assim. “É melhor pecar pelo excesso”, afirmou.
Segundo Gasparo, o equipamento pode ser programado para reconhecer sempre que não houver ninguém no ambiente e iniciar o processo de desinfecção. Se muito tempo passar sem que haja tempo para realização do procedimento, é possível emitir um alarme para que todas as pessoas deixem o espaço de tempos em tempos, para garantir a esterilização regular do ambiente.
Agora, a empresa mira ir além dos ambientes privados. A Sii conseguiu financiamento por meio de um edital do Senai para utilizar tecnologia autônoma para a desinfecção do transporte público. O dispositivo possui mobilidade autônoma, permitindo a ele esterilizar os veículos sem precisar da manipulação direta de uma pessoa, evitando que alguém se exponha aos raios UV-C.
A empresa também pensa agora em uma forma de captar investimentos para viabilizar uma versão residencial da tecnologia, permitindo o uso seguro dos raios UV-C para desinfectar casas e apartamentos.
Na Irlanda
Há outras formas de misturar raios ultravioleta e a robótica, e um desses exemplos veio diretamente da Europa, mais especificamente, da Irlanda. Por lá, a Akara Robotics, uma empresa que teve origem com professores e pesquisadores da Trinity College, da cidade de Dublin, teve a ideia de adaptar um de seus principais produtos para combater o coronavírus.
O produto em questão é o robô Stevie, que em sua criação não tinha absolutamente nada a ver com a esterilização de ambientes. A máquina foi desenvolvida como um robô social, criado para aliviar a solidão e desenvolver atividades lúdicas com pessoas. Com aspecto humanoide e expressões faciais replicadas em uma tela, a máquina era capa era capaz de interagir com o público e organizar jogos e contar histórias.
No entanto, a equipe começou a enxergar que a capacidade de movimentação autônoma e rápida do Stevie também teria outras aplicações, especialmente em um momento de pandemia global. Foi quando o robô foi completamente repensado e mudou até mesmo de nome, e passou a se chamar Violet (em referência à luz ultravioleta).
Ele deixou de lado os aspectos humanoides para ser mais funcional. Ele manteve os sensores para mapear o ambiente e que permitiam reconhecer a presença de outras pessoas, só que agora, em vez de usá-los para interação, o equipamento passou a ser usado para evitar que alguém seja indevidamente exposto aos raios UV-C. A lâmpada também conta com um tipo de “escudo” que direciona os raios para frente, evitando que alguém atrás do robô seja afetado de forma indevida.
A vantagem dessa abordagem da Akara para um robô desinfetante é que a agilidade do robô e a capacidade de lidar com ambientes em que pessoas estão circulando, é que ele pode ser usado em um ambiente hospitalar sem a necessidade de ordenar que todos evacuem a sala.
A equipe já começou a testar o robô em um hospital na cidade de Tullamore, localizada a cerca de 100 quilômetros da capital irlandesa, Dublin. Os testes foram realizados na sala de tomografia, onde os pacientes de Covid-19 precisam tem o peito escaneado para avaliar o estado da infecção. O processo de desinfecção do ambiente pode levar mais de uma hora após cada uso, incluindo 15 minutos de utilização de panos desinfetantes e até 60 minutos de espera para aguardar a secagem e a dissipação dos vírus no ar. Com o Violet, o tempo foi reduzido para 15 minutos, efetivamente quadruplicando o número de pacientes que podem ser atendidos em um dia.
Agora, a empresa busca financiamento para evoluir seu protótipo para que ele seja melhorado e se torne mais versátil, como relata a Time.
UV e robôs tendem a crescer durante a pandemia
Não faltam exemplos de organizações que estão recorrendo ao uso dos raios ultravioleta para desinfectar ambientes, ainda que nem todos sejam necessariamente feitos por robôs. Em Nova York, a Autoridade Metropolitana de Trânsito (MTA), já anunciou que começará a experimentar com UV-C em vagões de metrô e ônibus. Os testes começam na próxima semana, no dia 11 de maio, como resultado de uma parceria com pesquisadores da Universidade de Columbia.
Não se trata de um robô, mas sim de lâmpadas estacionárias que podem ser ativadas quando os carros estiverem vazios. No entanto, isso marca a confiança das autoridades no uso do UV-C para desinfecção, e não deve demorar para que mais robôs sejam aplicados na função em situações em que não é tão simples assim evacuar uma área inteira para que seja esterilizada.
Na essência, os robôs mais avançados hoje são desenvolvidos para tirar das mãos humanas tarefas que podem apresentar riscos para aquele que a realiza e, neste momento, lidar com o coronavírus se encaixa nessa categoria.
Em editorial publicado na revista científica Science Robotics, os autores defendem que uso de mão-de-obra robótica seria crítico neste momento. “Em vez da desinfecção manual, que requer mobilização de força de trabalho e aumenta o risco de exposição da equipe de limpeza, robôs desinfetantes autônomos ou controlados remotamente podem oferecer uma opção de desinfecção rápida, eficiente e barata”, conta o artigo.
Para isso, empresas e pesquisadores devem focar em alguns pontos. “As oportunidades estão na navegação inteligente e na detecção de áreas de alto risco e frequentemente tocadas, combinadas com outras medidas preventivas. As novas gerações de robôs, em escalas macro e micro, podem ser desenvolvidas para navegar por áreas de alto risco e trabalhar continuamente para esterilizar todas as superfícies de contato frequente”, conclui.