Realidade Virtual como ferramenta de empatia em tempos de pandemia

Considerado um dos 'pais' da Realidade Virtual, o cientista da computação Jaron Lanier conta como o isolamento social pode fazer com que as pessoas valorizem mais as conexões reais
Renato Mota14/08/2020 14h15, atualizada em 14/08/2020 17h00

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Trabalho remoto, reuniões por videoconferência, passeios online e até plateias virtuais para jogos e eventos. A pandemia da Covid-19 forçou mudanças na sociedade que podem ter efeitos que talvez ainda sejam sentidos mesmo com o desenvolvimento de vacinas e tratamentos. Desde o início do ano, o isolamento social nos obrigou a estar mais “conectados” do que nunca, com todas as vantagens de desvantagens que isso pode trazer.

“Ninguém sabe exatamente qual será o impacto disso no longo prazo”, avalia artista e cientista da computação norte-americano Jaron Lanier – considerado um dos pais da Realidade Virtual. Na mesma medida influenciador e crítico da Era da Informação comandada pelo Vale do Silício, Jaron tem dedicado as últimas semanas a desenhar soluções que tornem algumas das atividades que citamos no início do texto mais agradáveis e naturais para as pessoas.

Um dos seus projetos foi o Modo Juntos do Teams, a plataforma de comunicação e colaboração remota da Microsoft (que, naturalmente, viu sua demanda explodir durante a quarentena). A ferramenta usa a ciência por trás da realidade virtual para criar um ambiente digital compartilhado no qual o nosso cérebro se sinta mais relaxado, diminuindo a fadiga causada por inúmeras reuniões online.

“Mesmo antes da pandemia, o processo de ir para o trabalho todos os dias estava ficando cada vez mais difícil por causa do trânsito. Termos mais conexões virtuais e por mais tempo, não só faz mais sentido do que todos irmos ao mesmo lugar ao mesmo tempo, como pode fazer com que as pessoas percebam o quanto conexões reais no mundo real são especiais”, afirma Lanier, que é um entusiasta do uso da Realidade Virtual como uma “ferramenta de empatia”.

Microsoft/Reprodução

O Modo Juntos, com um background de auditório, e a equipe de especialistas que o desenvolveu. Jaron Lanier é o terceiro, da esquerda para a direita, na fileira de baixo. Imagem: Microsoft 

O Modo Juntos une vários desses conceitos. O que a solução faz é recortar as pessoas da imagem da webcam e colocá-las num mesmo cenário, que pode ser um café ou um auditório. Dessa forma, em vez de ficar “cada um no seu quadrado”, os participantes de uma videoconferência parecem estar todos juntos num mesmo local – e isso acaba “bugando” seu cérebro. “Psicologicamente, há uma sensação de compartilhamento. Você sabe que se se eu te trato com respeito naquele espaço, é por escolha. Tenho a oportunidade de incomodar, mas não o faço. Você dá a opção de as pessoas terem uma sensação de responsabilidade com esse mundo compartilhado”, explica o cientista.

A equipe que colaborou com Lanier no desenvolvimento da ferramenta observou ainda que as pessoas ficam mais atentas ao estado emocional dos outros usuários no Modo Juntos do que quando elas ficam organizadas em uma grade. “Se alguém quer falar, você percebe melhor – e podemos medir isso. Em um sentido mais simples, sabemos que diferentes designs de soluções ajudam as pessoas a ter mais empatia”, avalia Lanier.

Solucionando o desalinhamento do olhar

Estudos utilizados no desenvolvimento da solução já indicavam um comportamento que todos que vêm participando de videoconferências durante a quarentena perceberam: se suas câmeras estiverem ligadas, as pessoas passam a maior parte do tempo olhando para si mesmas. Por outro lado, com o vídeo desligado, a pessoa que está falando se sente conversando sozinha, palestrando para um monte de imagens estáticas. “A ideia inicial era desenvolver uma solução que pudesse ajudar comediantes durante a pandemia, que não estavam conseguindo ser engraçados e fazer piadas sem o feedback de uma plateia”, lembra Lanier.

Por causa das adaptações feitas no seu cérebro durante a evolução da espécie, o ser humano  está programado para prestar atenção no que outras pessoas estão prestando atenção. Se você estiver andando pela calçada e de repente todo mundo se virar para a mesma direção, seu cérebro naturalmente responde como se algum perigo fosse vir dali. Mas em uma videoconferência tradicional, com grid de pessoas, percebemos que elas estão sempre olhando na direção errada – e por um motivo simples: a câmera não está na tela, mas logo acima ou ao lado.

“Esse é um problema de desalinhamento do olhar, que acontece desde quando as câmeras existem. Por anos, eu mesmo tentei encontrar uma solução, usando câmeras 3D e softwares para rotacionar a imagens das pessoas – tudo muito complexo e caro. Foi durante a pandemia que veio a ideia muito simples e que não requer nenhum hardware que não seja a câmera que já existe nos computadores e smartphones”, lembra Lanier.

Ao colocar as imagens das pessoas todas reunidas num mesmo lugar, a solução cria a mesma impressão que temos ao olhar através de um espelho de uma barbearia ou de uma sala de ginástica. “Na natureza não existem espelhos, então nosso cérebro não é muito bom em calcular se as pessoas estão olhando na direção certa através deles. Com uma solução simples, damos às pessoas a satisfação de ver todos os participantes de uma reunião em um só lugar, ao mesmo tempo que cortamos sua habilidade de perceber que elas estão olhando na direção errada”, explica o cientista.

Num cenário pós-pandemia, no qual as pessoas estarão mais acostumadas (ou até mais dispostas) a compartilhar experiências virtuais, Lanier acredita que são as soluções mais simples e efetivas de Realidade Virtual que terão sucesso. “Enquanto for bem feita, vai funcionar e as pessoas irão querer usar – esse é o maior desafio, prestar atenção aos detalhes. O Teams usa ‘meia’ Realidade Virtual, só a ciência dela, e se beneficia com isso. Muitas descobertas ainda virão. Ainda estamos no começo”, avalia Lanier.

Editor(a)

Renato Mota é editor(a) no Olhar Digital