Os desafios do 5G: como a tecnologia precisa evoluir para alcançar seu potencial

O 5G já é uma realidade em algumas partes do mundo, mas ainda há muito a se resolver antes que a tecnologia seja o que promete ser
Renato Santino08/07/2019 21h43, atualizada em 08/07/2019 21h55

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O 5G pode ainda ser um sonho um pouco distante no Brasil, já que os primeiros leilões das frequências destinadas à tecnologia só acontecerão em 2020, e a previsão de início da operação comercial é só para 2021, mas em alguns lugares do mundo elas já são realidade.  É o caso, por exemplo, da Coreia do Sul, onde o Olhar Digital teve a oportunidade de experimentar o 5G.

É indiscutível que, onde a internet móvel de quinta geração foi ativada, a qualidade da conexão, quando disponível, disparou. Mas isso não significa que esta primeira fase da tecnologia esteja livre de problemas e desafios que precisam ser contornados para que todo o potencial da tecnologia seja alcançado.

Altas frequências

O Santo Graal do 5G para a indústria de tecnologia são as mmWave, ou, em bom português, as ondas milimétricas. São frequências de ondas altíssimas, que superam os 24 GHz e estão muito além do espectro utilizado hoje para o 4G (no Brasil, a frequência de 4G mais alta é de 2,5 GHz, para referência).

O motivo pelo qual essas frequências são desejáveis são, em especial, o fato de haver muito poucas aplicações que façam uso dessas ondas nesse espectro, o que reduz interferência e torna sua implementação menos burocrática, já que não é necessário “limpar” uma faixa para dedicá-la ao 5G como aconteceu, por exemplo, com o 4G de 700 MHz no Brasil, que dependeu da eliminação do sinal de TV analógica. A outra razão é desempenho: é possível alcançar melhores resultados nas ondas milimétricas.

No entanto, quem já ouviu falar sobre as vantagens de liberar a faixa de 700 MHz para o 4G deve se lembrar que sua principal vantagem é alcance e penetração em paredes pelo fato de ser uma frequência baixa. As frequências muito altas do 5G terão os problemas opostos: dificuldades de penetração através de objetos sólidos e baixíssimo alcance.

Para se ter uma ideia do problema, as ondas milimétricas têm dificuldade até mesmo de atravessar a sua mão, o que significa que a forma como você segura o celular pode afetar o sinal do 5G. Se você estiver dentro de um shopping, por exemplo, a recepção pode ser simplesmente impossível, e as empresas precisarão de muito mais antenas para cobrir a mesma área coberta pelo 4G.

A indústria têm algumas soluções para isso, no entanto. Primeiro: o 5G não será restrito às ondas milimétricas; as operadoras também trabalham nas frequências “sub-6”, que operam em menos de 6 GHz, que torna o funcionamento um pouco mais próximo do 4G convencional. Isso facilita a cobertura mais ampla, mas acarreta também uma perda de qualidade de conexão.

Assim, outras alternativas têm sido projetadas para lidar com as restrições das ondas milimétricas. Lugares fechados podem usar captadores de sinal em sua parte externa e retransmiti-lo internamente, o que pode ser uma solução para lidar com a dificuldade de penetração em ambientes internos.

Há outras tecnologias em desenvolvimento para driblar as dificuldades das ondas milimétricas. A indústria está criando suas ferramentas que permitem, por exemplo, que o sinal 5G seja rebatido para vários pontos de retransmissão, como se fosse refletido por espelhos. Assim, é possível evitar obstáculos no caminho entre o usuário e a antena, permitindo menos interferência e melhor qualidade de conexão

Dificuldades com equipamento

Aqui não estamos falando da dificuldade em cobrir uma região com 5G, mas em equipar um aparelho para que ele possa se conectar a uma rede 5G. E isso ficou bastante evidente em uma apresentação de Junehee Lee, chefe de estratégia de tecnologia da Samsung, que relatou a dificuldade de criar um smartphone 5G.

Ele deixa claro que um aparelho preparado para o 5G seria necessariamente grande e grosso para abrigar todo o equipamento necessário para conectar o dispositivo às novas redes móveis. Para piorar, o dispositivo ainda consumiria quantidades altíssimas de energia, sugando a bateria do aparelho rapidamente.

Por este motivo, a Samsung criou um celular especificamente dedicado para quem quer conectividade 5G: o Galaxy S10 5G. Ele dribla as dificuldades mencionadas acima sendo enorme, com tela de 6,7 polegadas e pesando quase 200 gramas. Isso tudo para abrigar os componentes necessários para o 5G e uma bateria grande de 4.500 mAh.

Uma dificuldade similar foi vista com a Motorola, que preferiu não lançar um celular 5G, e optou apenas por criar um acessório Moto Snap que habilita o Moto Z para conectar-se ao 5G. O componente também torna o celular consideravelmente mais pesado e volumoso, tornando seu uso mais inconveniente.

Isso é algo que deve se resolver com o passar do tempo, com a miniaturização dos componentes e um aumento de sua eficiência, mas em um primeiro momento os usuários dos primeiros celulares 5G precisarão encarar esses transtornos comuns entre os “early-adopters”.

Interferência

Essa é uma preocupação que tem ganhado corpo nos últimos meses, com uma expansão do 5G em vários pontos do mundo. A NASA e a NOAA (Administração Oceânica e Atmosférica Nacional dos EUA) alertam que existe um risco de que o uso das ondas milimétricas para o 5G, mais especificamente na frequência de 24 GHz, pode afetar equipamentos de previsão de tempo, o que pode dificultar a detecção de situações extremas como furacões e fazer com que o alerta aos potenciais afetados pela tempestade demore mais a ser emitido, arriscando vidas de pessoas em nome de uma internet mais rápida.

A explicação é que a frequência de 24 GHz é muito próxima da frequência usada por satélites para observar o vapor d’água e prever mudanças no tempo. Isso poderia afetar a preparação em caso de eventos mais extremos.

É importante notar que esse problema só se aplica às ondas milimétricas. O espectro sub-6 não corre risco de interferir em equipamentos de previsão do tempo, por operar em frequências muito mais baixas.

Franquias e modelo de negócios

Por fim, o problema mais óbvio em um primeiro momento. A BBC recentemente fez uma transmissão ao vivo no dia do lançamento das redes 5G na região de Londres e uma coisa ficou muito clara: o modelo de negócio do 4G não vai funcionar com o 5G. Isso porque em apenas um dia de testes, o repórter relatou que já havia estourado seu plano de dados.

Isso é algo que o Olhar Digital também experienciou em nossos testes na Coreia do Sul. Não, o nosso plano de dados não chegou a estourar, mas bastou pouco mais de uma hora com um aparelho 5G na mão para receber um alerta de que mais de 6 GB de dados haviam sido consumidos.

Acontece que a altíssima velocidade do 5G tem como propósito habilitar novos usos que consumam muito mais dados, como aplicações de realidade aumentada. Afinal de contas, para ver vídeos em uma resolução aceitável no YouTube ou na Netflix por streaming, que são algumas das aplicações que mais sugam dados dos usuários hoje em dia, a velocidade do 4G já é suficiente.

Assim, ou os planos precisam ser muito mais generosos do que são atualmente ou as franquias precisarão ser totalmente abolidas para que o 5G se justifique.

Renato Santino é editor(a) no Olhar Digital