No início do ano, a Apple resolveu brincar com um ditado popular e criou a seguinte mensagem: “o que acontece no iPhone, fica no iPhone”. Contudo, recentemente, o colunista de tecnologia do The Washington Post, Geoffrey A. Fowler, junto com a empresa de privacidade Disconnect, mostrou que a história não é bem essa. Depois de realizar uma semana de testes, Geoffrey encontrou 5.400 rastreadores de aplicativos ocultos no iPhone, capazes de organizar até 1,5GB de dados por mês. Agora, coincidentemente ou não, a Apple resolveu agir em relação a este problema.
Durante a conferência para desenvolvedores da empresa, conhecida como WWDC, tivemos alguns anúncios importantes sobre privacidade. Como vimos no início do mês, essa não é uma pauta apenas da Apple. Durante o F8, a conferência do Facebook, e o Google I/O, evento do Google também voltado para desenvolvedores, a privacidade esteve em voga.
Contudo, enquanto Google e Facebook parecem estar remediando o problema, tornando as coisas ou mais transparentes ou mais fechadas (através da criptografia), a Apple resolveu atacar a raiz dessa questão.
Ao contrário das concorrentes, a gigante de Cupertino não lucra em cima da publicidade, mas da construção de hardware e software. Quantas vezes você já escutou: “os iPhones são mais seguros”? Apesar dessa afirmação ser questionável, afinal de contas existem falhas nos aparelhos da maçã, como recentemente identificado no caso do Facetime, um dos carros-chefes da marca sempre foi a segurança, tanto em smartphones quanto computadores. Logo, depois de um ano não tão positivo para a Apple, seria lógico explorar tal característica valorizando os escândalos envolvendo o Facebook e a Cambridge Analytica, que acabaram ferindo todas as empresas que lucram em cima de anúncios direcionados.
Não podemos nos enganar, pois a aposta da Apple em privacidade não é pura bondade, mas um ponto de venda dos seus aparelhos e custa caro. Quando o CEO do Google, Sundar Pichai, escreveu em seu editorial no The New York Times que “privacidade não é um artigo de luxo”, ele estava se referindo à Apple e com razão, pois se você não tiver dinheiro para comprar um aparelhos high-end da marca, não encontrará outra alternativa no mercado. Assim, ter um MacBook ou um iPhone é sim para uma certa camada da sociedade. Porém, essa é a mesma camada que compra dispositivos Premium do Google ou da Samsung, por exemplo, rodando com o Android.
Sabendo disso, a Apple anunciou pelo menos duas grandes ações no sentido de proteger os dados dos seus clientes: o compartilhamento da localização realizado apenas uma vez com aplicativos de terceiros, bem como o uso de um “login da Apple”, capaz de gerar um email aleatório para despistar qualquer tipo de serviço de anúncios.
Estas novidades chegarão com a atualização para o iOS 13, e estarão presentes nos novos iPhone. Por enquanto, apesar de parecerem um sonho para quem quer manter os dados no smartphone, tais recursos podem não ver a luz do dia. Isso acontece por que, ao fazer isso, a Apple pode incorrer em mais um processo antitruste envolvendo suas marca. Hoje, a empresa está sendo questionada sobre o fato de operar a App Store, uma loja de aplicativos para o uso de terceiros (desenvolvedores) que, ao mesmo tempo, hospeda serviços próprios que competem com estes. O caso mais recente talvez seja o do Spotify, que reclamou às autoridades de concorrência da União Europeia, e afirmou que a gigante de Cupertino favoreceu o serviço da Apple Music em detrimento ao serviço do Spotify.
Desta forma, como muitos serviços oferecidos na App Store utilizam os dados dos usuários para algum tipo de análise ou mesmo para monetizar em cima destas informações, tais parceiros poderiam vir a alegar que a Apple não está sendo justa.
Uma boa saída para esse entrave, no entanto, seria jogar limpo com as pessoas que compram dispositivos ou utilizam o software da Apple. Como bem lembrado pelo jornalista do The Washington Post, citado no início deste artigo, talvez fosse melhor se a Apple apenas exigisse que desenvolvedores adicionem mais informações sobre o uso de rastreadores de terceiros em seus aplicativos. Assim, teríamos mais consciência na hora de baixar um app que usa tais recursos, bem como aconteceu com as permissões de aplicativos. Fazendo isso, aliás, a maçã serviria de exemplo para outras gigantes (sim, estou falando do Google).