A personalização é uma das marcas da 4ª Revolução Industrial — também conhecida como Indústria 4.0. Cada vez mais, até os processos de massa são desenvolvidos de forma totalmente individualizada.
Esse conceito já chegou ao setor de finanças: por isso, há cada vez mais fintechs no mercado. Essas empresas de serviços financeiros têm processos totalmente tecnológicos — seu nome, inclusive, é a junção de financial (financeiro) e technology (tecnologia).
A burocracia é uma das principais características desse segmento (que reúne, entre outros, bancos e operadoras de cartão de crédito), mas as fintechs prometem eliminá-la. Com todos os recursos disponíveis em um aplicativo, podem ser acionadas a qualquer momento e boa parte das operações ocorre sem interferência humana.
Em resumo, essas companhias se propõem a resolver problemas conhecidos ou demandas não atendidas do consumidor — uma das principais delas é a qualidade de atendimento ao cliente. É comum, então, que elas comecem com uma oferta restrita e, com o tempo, aumentem o portfólio de produtos e serviços.
Um bom exemplo disso é o Nubank: inicialmente, em 2014, o banco digital oferecia apenas um cartão de crédito sem tarifas que podia ser gerenciado em um aplicativo. Hoje, já tem conta corrente, cartão de débito, empréstimo pessoal e investimentos.
Não à toa, a companhia já passou por oito rodadas de investimento: no início de agosto, recebeu US$ 400 milhões de diferentes investidores em uma ação liderada pelo fundo TCV. Com isso, pode ter avaliação de US$ 10 bilhões e ser a startup mais valiosa da América Latina.
Crescimento acelerado
Entre 2017 e 2018, o mercado de fintechs cresceu 66% no Brasil, segundo dados do relatório Fintech na América Latina 2018: crescimento e consolidação, publicado pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID). Já são 18 os países com empresas do tipo na região.
Duas em cada três delas estão em estado avançado de desenvolvimento. O Brasil é o país com o maior número de empreendimentos financeiros tecnológicos: são 380. Em seguida vêm o México (273), a Colômbia (148), a Argentina (116) e o Chile (84).
Por aqui, essas companhias já têm muitos clientes. A maior parte deles está nos bancos digitais (como Nubank, Inter, Original, Neon e Next), mas as fintechs podem oferecer outros produtos e serviços, como meios de pagamento, crédito pessoal, investimentos e assim por diante.
As fintechs também atendem empreendimentos. A Size, por exemplo, antecipa recebíveis a microempresas e empresas de pequeno porte. No primeiro semestre de 2019, o atraso de seus clientes foi de 0,4% — e a maioria deles tinha histórico de inadimplência ou restrição em serviços de proteção ao crédito. Desde sua fundação, ela já analisou R$ 10 bilhões em solicitações de crédito.
Medo do novo
Muitos de nós já tiveram de ir a um banco físico, quando as operações bancárias tinham de ser feitas pessoalmente. No início dos anos 2000, veio o internet banking: embora fosse uma alternativa às filas dos bancos, era temida por muitos.
Hoje, entretanto, boa parte dos clientes faz operações bancárias online ou por meio de aplicativos, graças à evolução e à popularização da web — que tornaram a onerosa estrutura bancária tradicional desnecessária. Atualmente, para fazer pagamentos, transferências, empréstimos e investimentos, basta ter um celular e uma conexão à internet. Ou seja, o estranhamento inicial é natural, mas acaba vencido com o tempo.
Os órgãos reguladores estão atentos a essas mudanças. Uma decisão recente do Conselho Monetário Nacional (CMN) permite que as fintechs concedam empréstimos sem a intermediação de bancos. Isso vai significar crédito mais barato e tornar essa relação mais dinâmica. Então, é possível que, em breve, as fintechs sejam a regra, não a exceção.
Isso já aconteceu com muitos serviços. Nos anos 90, por exemplo, era comum alugar filmes para ver em casa — exatamente como se faz hoje diretamente pela Netflix (que já tem plano específico para celulares), com a diferença de que era preciso ir a um estabelecimento físico para pegá-los. A reinvenção nos mais diferentes mercados tem sido progressiva e acelerada.
Evolução dos pagamentos
Uma das previsões de Tim Cook, o CEO da Apple, é de que não haverá dinheiro físico no futuro. Aparentemente, isso ainda deve demorar um pouco para ocorrer, pelo menos no Brasil: por enquanto, a forma de pagamento mais utilizada por aqui ainda é o dinheiro, de acordo com a pesquisa “O brasileiro e sua relação com o dinheiro” realizada em 2018 pelo Banco Central do Brasil (Bacen).
O levantamento mostra que 60% dos entrevistados optam por ele ao pagar contas, mas seu uso vem caindo aceleradamente: na pesquisa anterior, de 2013, eles eram 78%. Enquanto isso, os cartões de débito e crédito avançam e já representam 22% e 15%, respectivamente. Há grandes chances de que, na próxima edição do estudo, provavelmente em 2023, os meios digitais tenham uma presença maior.
A transformação do dinheiro em plástico e, agora, em zeros e uns, faz as agências bancárias e o papel-moeda perderem sentido. Paralelamente, a necessidade de cartão ou de dados biométricos já começa a ser eliminada: os caixas eletrônicos do Banco24Horas permitem saques a partir da leitura de um QR Code no aplicativo do banco.
Inclusão financeira
A chegada das fintechs procura resolver, ainda, outro desafio: a inclusão da população no sistema de concessão de crédito. O cruzamento de informações públicas e georeferências — por meio de soluções de inteligência artificial e big data — permite refinar a análise de risco e identificar clientes até então desconhecidos pelo segmento de crédito.
Segundo a Associação Nacional das Empresas de Recuperação de Crédito (Aserc), brasileiros que estão hoje fora do sistema bancário movimentam mais de R$ 650 milhões por ano. Com o auxílio de robôs, é possível determinar as condições de financiamento e empréstimo desses indivíduos, com base em seus hábitos. Assim, a tecnologia pode ajudar a aumentar em até 20% a margem líquida da concessão de crédito.
Com isso, milhões de novos consumidores podem chegar ao mercado. Como amplia as vendas e gera empregos, esse movimento é muito importante para a economia. Além disso, com dados mais detalhados, podem-se oferecer juros personalizados, adequados ao perfil do cliente, em vez de taxas fixas com base no tipo de empréstimo ou na linha de crédito.
Isso já ocorre na China: por lá, a MYbank usa 3 mil variáveis para analisar risco de crédito. Em quatro anos, ela emprestou US$ 290 bilhões a 16 milhões de pequenas empresas locais. O melhor de tudo é que o processo leva 3 minutos e não há interferência humana em nenhum momento. Parece que tem dado certo, já que o índice de inadimplência é de apenas 1%.
Algumas fintechs apostam em educação financeira. É o caso da Superdigital, que tem um blog voltado, principalmente, a educar o público que não tem conta em banco. A ideia é abordar temas corriqueiros, como formas de pagar boletos pela internet, vantagens de ter uma conta digital, por que utilizar cartões e assim por diante.
A motivação é nobre: uma pesquisa da The George Washington University com 150 mil pessoas em 140 países aponta que, a cada três adultos, dois são analfabetos financeiros. No Brasil, apenas 35% dos adultos responderam corretamente às questões propostas no estudo — com isso, o país ficou na 74ª posição global.
Mudança de paradigma
A chegada das fintechs causou apreensão nos bancos convencionais, mas muitas dessas instituições já se espelham nas práticas delas — o Bradesco até criou uma opção digital, o banco Next. Essas companhias sisudas já reconhecem que têm muito a aprender com as novatas, principalmente sobre experiência do cliente.
Em 2017, os cinco maiores bancos brasileiros (Banco do Brasil, Bradesco, Caixa Econômica Federal, Itaú Unibanco e Santander) se uniram e criaram a Quod. Trata-se de uma fintech que faz análise de risco de crédito, cadastro positivo, prevenção a fraudes e soluções de big data.
A operação é recente — começou no fim de 2018 —, mas seu objetivo é melhorar o ambiente de crédito no país. Para isso, vão fazer ações de educação financeira e desenvolver soluções que possam facilitar a tomada de decisão com dados objetivos.
E o brasileiro já demonstra interesse nas fintechs. Um levantamento do 6dashboards mostra que o termo foi escolhido por 42% dos participantes de uma pesquisa sobre o impacto que o assunto tem nos negócios e na vida das pessoas. Isso ocorre porque o setor financeiro passa por um momento de transformação digital.
Conexão com o consumidor
As fintechs procuram se conectar com os clientes de diferentes formas. Um exemplo é a Trigg, que se associou à CCXP para se aproximar do público geek. Além do app, a companhia tem uma pulseira de pagamento e foi a primeira no Brasil a fazer parceria com a Samsung Pay e ter seus cartões aceitos nas catracas do metrô do Rio de Janeiro.
Uma pesquisa recente do banco Inter diz que seus clientes economizaram mais de R$ 1 bilhão em tarifas bancárias em 2019. Isso porque, assim como seus concorrentes, ele oferece transações gratuitas e não cobra pela manutenção da conta nem pelo uso do cartão de crédito.
O sucesso dessas empresas já as leva a adquirir operações afins para expandir sua oferta de produtos. É o caso da Creditas, uma plataforma online de crédito com garantia: ela incorporou a Creditoo e agora oferece empréstimo consignado a funcionários de empresas privadas.
De modo geral, então, as fintechs são entidades mais próxima dos clientes — o que não ocorre nas instituições tradicionais. Assim, são capazes de oferecer assessoria personalizada e taxas menores em um ambiente tecnológico seguro e interativo. Ambos ganham: o consumidor, por ter mais opções a um custo menor, e a companhia, que amplia sua base de clientes.