Problemas peculiares exigem soluções à altura. Médicos da Bélgica tiveram de fazer um transplante de fezes para curar um homem que produzia álcool no próprio intestino e, por isso, sentia-se permanentemente embrigado. O caso foi descrito na revista Annals of Internal Medicine

O paciente sofria de uma condição rara chamada Síndrome da Autocervejaria (ABS, na sigla em inglês), que pode se manifestar quando a microbiota intestinal está desequilibrada.

É normal (e importante) que existam fungos no intestino que se alimentem dos restos de carboidratos que ingerimos. Esse processo é conhecido como fermentação, e resulta na liberação de álcool em pequenas quantidades.

Quem sofre de ABS, no entanto, tem uma porção exagerada desses fungos. Neste cenário, é como se a pessoa tivesse uma fábrica de cerveja funcionando intensamente no intestino. A matéria-prima é o carboidrato: pães, massas, cereais, bolos, tubérculos, entre outros; e os trabalhadores são uma legião de fungos famintos. 

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Quando equilibrada, a flora intestinal é uma população de bactérias e fungos essenciais para a saúde. Imagem: iStock

 

Entenda o caso

O caso em questão aconteceu em 2016. Depois de tomar doses mal administradas de antibióticos, um homem de 47 anos começou a sentir efeitos de bebida alcoólica mesmo sem ingeri-la. Sua esposa relatou, inclusive, que podia sentir o cheiro de álcool em sua respiração. Isso porque os antibióticos destruíram grande parte das bactérias essenciais de sua flora intestinal, o que permitiu aos fungos se reproduzissem fora de controle. 

No hospital, um exame de sangue revelou que os níveis de álcool no organismo do paciente estavam 17 vezes maiores que o normal. Os médicos adotaram o procedimento padrão e receitaram antifúngicos, mas eles não surtiram efeito. O homem continuou permanentemente bêbado, e seus problemas chegaram ao limite quando a polícia o penalizou por dirigir nesse estado. 

Foi então que a equipe médica decidiu tentar um procedimento cirúrgico muito curioso: um transplante fecal. O conteúdo dos intestinos grosso e delgado do paciente foi interamente retirado, e substituído pelas fezes de sua filha de 22 anos. Isso deu ao seu organismo a oportunidade de reconstruir sua microbiota intestinal. Dessa vez, de forma regulada. 

Esta foi a primeira vez em que alguém com ABS foi curado por meio de transplante. Normalmente, o tratamento é feito com remédios, mas, além de simples, a cirurgia mostrou-se mais rápida e eficiente.

“Com base em nossa experiência com este paciente, aconselhamos que outros médicos considerem o tratamento com transplante de microbiota fecal, especialmente se a terapia mais tradicional falhar”, escreveu a equipe na revista científica.

“Além disso, podemos imaginar que, no futuro, esta abordagem se torne a terapia padrão para a Síndrome da Autocervejaria”.

Via: Science Alert