Google repassou dados de usuários extremistas a autoridades policiais

Alguns dos relatórios continham nome, endereços, números de cartão de crédito, número do telefone e endereços de IP de usuários ligados a atividades racistas e terroristas
Renato Mota17/08/2020 19h09

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Documentos vazados dos quais o site Guardian teve acesso revelam que o Google possui uma unidade investigativa que repassa informações pessoais detalhadas de alguns usuários da empresa a membros de um centro antiterrorista do governo norte-americano. Esses perfis, muitas vezes ligados a organizações de extrema direita, frequentemente ameaçavam de violência outros ou expressavam opiniões extremistas.

Algumas dessas contas nunca foram banidas pelo Google até hoje, e algumas ainda estão ativas no YouTube, Gmail e outros serviços da empresa. Os documentos, apelidados de “Blueleaks“, foram retirados por hackers dos servidores de uma empresa de hospedagem do Texas, usado por várias agências de segurança pública dos Estados Unidos.

São centenas de milhares de informações de mais de 200 agências, datados de 1996 a junho de 2020. De acordo com o Guardian, o vazamento foi autenticado por especialistas em segurança cibernética e contém informações de uma unidade chamada CyberCrime Investigation Group (CIG) do Google, que já foi mencionado em processos criminais com base em seus relatórios.

O grupo se comunicava com o Centro de Inteligência Regional do Norte da Califórnia (NCRIC), parte de uma rede nacional de centros antiterroristas criados após o atentado de 11 de setembro de 2001, para facilitar o compartilhamento de informações entre agências policiais estaduais, federais e locais. Entre as informações, estão atividades de usuários individuais e informações detalhadas como nomes reais, endereços, números de cartão de crédito, endereços de e-mail de recuperação e Gmail, endereços de canais do YouTube e a hora e endereços IP de logins recentes.

Muitos dos documentos também incluem cópias de comentários que os usuários fizeram em plataformas do Google, como o YouTube. Em um vídeo no canal do supremacista branco Stefan Molyneux – agora excluído – que falava sobre os tiroteios em massa em El Paso e Dayton (em agosto do ano passado), o usuário escreveu: “Oi pessoal, preciso de sua ajuda, não posso deixar de olhar para aqueles atiradores e pensar, poderia ser eu. Eu assisto Stefan, e black pilled e muitos outros à direita. Acho que devo fazer a mesma coisa que eles estão fazendo”. Segundo o Guardian, o usuário então passou a discutir métodos de fabricação de explosivos.

Em um vídeo que mostrava atos de brutalidade por parte da polícia, um usuário escreveu um comentário instando outros a “matá-los, quando você for a julgamento eu não o consideraria culpado por atirar nesses criminosos. Mate todos”. De acordo com relatórios do Google, o mesmo usuário acrescentou calúnias raciais a vídeos que relatavam crimes.

Outro exemplo aparece em um vídeo de um incidente em que um veículo da polícia parece atropelar uma mulher com seu carro, um usuário escreveu: “Isso é homicídio veicular. Precisa entrar na casa dele dormindo e atirar nos filhos”. Em outro vídeo, uma reportagem do portal russo RT sobre o coronavírus, o mesmo usuário escreve: “Eu quero o nome do médico asiático que deixou o surto do coronavírus acontecer. Vou atirar na cara da filha dele”.

Em alguns casos, o Google utilizou métodos mais sofisticados para identificar os usuários. Um deles foi localizado ao se combinar dois endereços separados do Gmail acessados em um único dispositivo Android, o que resultou no nome do usuário, idade, endereço e número de telefone. Esse usuário em particular postou comentários antissemitas no YouTube, elogiando terroristas supremacistas brancos – incluindo assassinos em massa – e sugerindo que poderia imitá-los.

Nem todo o material que o Google compartilhou com as autoridades estava relacionado a ameaças racistas ou terroristas. Alguns deles também continham pensamentos de suicídio, automutilação ou distúrbios mentais. Porém, especialistas de segurança questionam a falta de transparência da empresa no trato desses dados.

Em conversa com o Guardian, Steven Renderos, diretor executivo da MediaJustice – uma organização sem fins lucrativos que luta por uma mídia mais justa e participativa – afirmou que “é imprudente do Google distribuir informações privadas do usuário à aplicação da lei. Embora a prevalência do discurso de ódio nas plataformas do Google seja um problema real, desviar a responsabilidade para a polícia não é a solução”.

Mike Sena, o diretor executivo da NCRIC, disse que os relatórios do Google vieram por meio de um recurso comum da organização, que “o público, as autoridades policiais e qualquer outra organização” podem usar para passar informações para o Centro. Sena disse que os relatórios que atendem a critérios como confiabilidade “na triagem” são armazenados por 12 meses.

Saira Hussein, advogada da Electronic Frontiers Foundation, contou estar preocupada com a “grande quantidade de dados do usuário” que o Google parecia estar repassando voluntariamente para a polícia, mas questionou o objetivo do Google ao fazer isso.

“Eles estão esperando que a polícia faça algo ou isso é apenas uma maneira de se protegerem? O Google vê sua responsabilidade simplesmente como relatar isso às autoridades policiais e seguir em frente?”, questiona Hussein.

Via: The Guardian

Editor(a)

Renato Mota é editor(a) no Olhar Digital