Do Torrent ao IPTV: como a pirataria está mudando de forma

A tecnologia evolui, e os métodos de consumo irregular de filmes e séries também
Renato Santino20/09/2019 20h25

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Megaprojetos

O Olhar Digital recentemente falou sobre como a explosão de conteúdo e serviços de streaming está gerando uma nova era da pirataria. O fenômeno da “fadiga das assinaturas”, que faz com que o público se recuse a assinar novos serviços simplesmente pelo fato de que não há mais espaço no orçamento mensal, é real e muitos consumidores preferem recorrer às alternativas piratas a pagar mais uma mensalidade.

No entanto, o que é interessante é que a ressurgência da pirataria, constatada com o aumento de tráfego de internet via torrent no mundo em 2018 e em 2019, está mudando. Aos poucos, essa ferramenta deixa de ser o único canal para acesso a filmes e séries irregulares para dar lugar a outros formatos, sendo o maior destaque do momento os serviços de IPTV.

Você já deve ter ouvido essas quatro letras em sequência recentemente. Trata-se de uma tecnologia que de nova não tem nada: TV pela internet existe desde que as primeiras conexões de banda larga começaram a surgir. A sigla também não tem necessariamente a ver com ilegalidade: quando você assina um pacote de TV por assinatura legítimo, com uma operadora como a Claro, Vivo, Sky e outras, ganha acesso a vários canais de TV online legais, e alguns canais oferecem seu conteúdo online mesmo sem intermediários. É uma forma de IPTV.

Só que nos últimos anos, o que ganhou força foi o IPTV pirata. Existem diferentes modelos de negócios. Muitas vezes esse serviço está associado à venda de caixinhas para TV em marketplaces na internet, muitas vezes listados para venda em sites grandes, mas também existem serviços por assinatura, nos quais você paga uma mensalidade para acessar o conteúdo sem depender de nenhum acessório físico. Em comum, no entanto, está o fato de que essas plataformas são sempre mais baratas do que pagar por todos os serviços de forma legítima.

Por trás desses serviços, há pessoas clonando o sinal de televisão e transmitindo pela internet em tempo real, utilizando para isso algum tipo de CDN, potencialmente permitindo alcançar milhares de pessoas no mundo inteiro.

IPTV ou Torrent

O torrent continua sendo uma ferramenta poderosíssima de compartilhamento de arquivos, mas não se trata de uma ferramenta de fácil acesso. Pense bem: para quem nunca fez um download por meio do protocolo, o processo de encontrar uma fonte confiável, baixar um arquivo .torrent de poucos KB e ainda ter que instalar um software no PC para entender esse arquivo pode ser pouco intuitivo. Para quem não é iniciado, compreender esses passos pode ser um transtorno.

E então vemos os serviços piratas de IPTV surgindo e se popularizando com a ampliação da banda larga. São serviços fáceis de usar e intuitivos, que emulam um catálogo de TV e serviços de streaming que são muito mais naturais do que o torrent convencional, mesmo que muitas vezes pagos. Nós já vimos isso no passado: ofereça conveniência, conteúdo atraente e valor acessível, e as pessoas topam pagar. Foi assim com a Netflix, é assim também com a pirataria. Por meio da plataforma Kodi, que por si só não tem nada de ilegal, piratas têm acesso a uma vasta gama de serviços irregulares.

De fato, o estudo “Global Internet Phenomena Report”, produzido anualmente pela Sandvine, uma empresa de infraestrutura de rede, mostra que o tráfego gerado por esse tipo de serviço de streaming irregular está crescendo. A análise mostra que, nas redes analisadas na América do Norte, na Europa e no Oriente Médio, entre 4% e 25% (dependendo da região) dos usuários de internet utilizaram ao menos uma vez esse tipo de serviço de IPTV ilegal semanalmente.

Efeito “Game of Thrones”

Existe um ponto que faz com que os serviços de IPTV sejam especialmente atraentes na comparação com os torrents convencionais, e eles têm tudo a ver com o modo como utilizamos a internet e as redes sociais nos dias atuais e o seriado “Game of Thrones”.

“Não importa qual a sua opinião sobre o final da série, ele foi bastante aguardado e as pessoas queriam assisti-lo imediatamente. Eles sabiam que se esperassem, eles seriam ‘spoileados’ por tuítes, artigos, posts em redes sociais e até mesmo noticiário de televisão. Então as pessoas se empenharam em obter acesso aos episódios por quaisquer meios”, como aponta o relatório da Sandvine.

Isso cria uma nova dinâmica entre os piratas: a necessidade de assistir algo em tempo real. Baixar episódios e assisti-los só no dia seguinte não era um problema enquanto essa cultura do spoiler nas redes sociais não era tão forte. A opção é procurar transmissões ao vivo dos episódios.

Foi o que aconteceu, segundo o estudo da Sandvine. O tráfego ligado ao Kodi, majoritariamente usado para transmissões ilegais, disparou na época de “Game of Thrones”, basicamente igualando o tráfego ligado ao HBO Go, a plataforma de vídeo online da HBO. O gráfico abaixo mostra bem o pico de uso de ambas as plataformas durante a transmissão da série.

Reprodução

Combate ao IPTV

As autoridades não estão cegas em relação à popularização do IPTV pirata e já estão realizando operações visando o desmantelamento dessas redes ilegais. Em junho deste ano, por exemplo, a Europol e a polícia da Bulgária realizaram uma ação que obteve sucesso em derrubar uma rede com mais de 700 mil usuários pelo mundo.

A ação visava derrubar não os grupos que oferecem os serviços de IPTV aos usuários, mas a origem do conteúdo. A operação envolvia a clonagem de sinais de canais de TV e o repasse das imagens irregulares para outras organizações, que comercializavam o conteúdo para o consumidor final.

Conforme mais usuários de internet começarem a recorrer a estes serviços para acessar filmes e séries de forma irregular, a tendência é que esse tipo de operação aumente. Assim como o mundo do torrent já foi alvo de grandes ações e processos, sendo o caso mais famoso o julgamento e prisão dos fundadores do Pirate Bay, é provável que vejamos operadores de IPTV envolvidos em grandes casos judiciais em pouco tempo.

Renato Santino é editor(a) no Olhar Digital