Como o ‘boom’ de concorrentes da Netflix causou uma nova era da pirataria

Cada vez mais serviços de streaming representam mais fragmentação de conteúdo e mais inconveniência ao consumidor
Renato Santino29/08/2019 00h31, atualizada em 29/08/2019 11h00

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No início da internet comercial, o mundo percebeu o quão fácil era compartilhar (ou piratear) mídia. Inicialmente, foram as músicas, graças ao seu tamanho compacto, compatível com as conexões discadas e limitadas da época; conforme a banda larga se difundia, filmes e seriados começavam a ser distribuídos online com mais facilidade. Enquanto isso, a indústria fonográfica e cinematográfica batia cabeça para entender essa nova dinâmica da era conectada e como lidar com essa situação.

Os anos passaram e o mercado conseguiu entender que pirataria não era apenas o desejo de não pagar por um produto; era também uma questão de conveniência. Seja mais conveniente que a pirataria e boa parte do público topa pagar uma quantia para ter acesso às suas músicas, filmes e séries preferidas. Foi quando os serviços de streaming começaram a cair no gosto do usuário de internet, representados em especial por Spotify e Netflix, ambos com catálogos gigantescos, diversos, disponíveis em múltiplos dispositivos e permitindo acesso instantâneo ao seu conteúdo preferido, sem precisar gastar tempo procurando uma fonte confiável e esperar o download terminar.

No entanto, o tempo fez com que várias empresas quisessem sua fatia desse bolo. Começaram a surgir vários competidores, cada um apostando em conteúdo original ou acordos de exclusividade que fizeram com que o mercado começasse a se fragmentar. Agora, na música temos Apple Music, YouTube Music, Deezer, Tidal e outros serviços; ocasionalmente, alguns álbuns são lançados de forma exclusiva em uma das plataformas, restringindo o acesso dos assinantes dos outros. De um modo geral, no entanto, as exclusividades são raras e normalmente temporárias, então os catálogos são bastante homogêneos, com a principal diferenciação se tornando os recursos tecnológicos.

No mercado de vídeo, a situação ficou consideravelmente mais complexa. Se a Netflix concentrava conteúdo de inúmeras fontes há alguns anos, cada vez mais produtoras e estúdios começaram a perceber que talvez fosse mais rentável trancar o seu material atrás de um serviço próprio em vez de receber alguns trocados cada vez que um filme seu é reproduzido. Nasceram daí HBO Go (e futuramente HBO Max), Disney+, Hulu, Amazon Prime Video e outros que já estão no mercado e que ainda estão por vir, todos investindo em material exclusivo, seja original, seja obtido por meio de acordos de exibição.

A ressurreição da pirataria

Reprodução

Essa situação criou uma nova dinâmica: se alguém quiser ter acesso a todo o conteúdo que quer, precisa pagar um valor mensal pesado para assinar múltiplos serviços de streaming. Só Netflix não dará mais conta de trazer todos os filmes e séries que uma pessoa quer.

Diante disso, o mercado já começa a interpretar o impacto do que ficou conhecido como “fadiga das assinaturas”, que é o ponto em que os usuários começam a rejeitar a assinatura de novos serviços pelo fato de seus orçamentos não suportarem mais um “pedágio” mensal para acessar conteúdo exclusivo.

A Muso, empresa britânica que monitora a pirataria na internet desde 2009, observa essa situação como propícia para o ressurgimento do compartilhamento irregular de arquivos na internet. A companhia nota que, apesar de a exclusividade ser um fator que cria lealdade do consumidor, muitos serviços com conteúdos exclusivos “inevitavelmente gerará mais e mais pirataria digital”.

“A chegada de mais e mais plataformas distintas vai trazer uma era de fragmentação ainda maior, e, ao mesmo tempo, alienar o consumidor que poderia estar disposto a pagar pelo conteúdo simplesmente porque eles não podem justificar pagar por outro serviço quando tudo que eles realmente queriam era uma série ou filme”, explica Andy Chatterley, CEO da Muso.

De fato, esse movimento já é observado em várias partes do mundo. Aqui no Brasil, segundo estudo da própria Muso, o número de acessos a sites dedicados à pirataria aumentou 12,5% entre 2017 e 2018.

Novidades e velharias

Essa fragmentação dos serviços do streaming pode gerar um crescimento da pirataria no mundo como nos dias da internet dos dias antigos, mas o mundo online é completamente diferente do que era no início dos anos 2000. A própria pirataria já não é mais a mesma do que era antigamente.

Se no passado a pirataria dependia de alguns passos que parecem bastante complexos para quem não é familiarizado com a tecnologia, incluindo baixar um aplicativo para o computador e procurar confiável um site para baixar o arquivo .torrent, hoje esse processo é muito mais simples. A indústria de tecnologia descobriu que o streaming facilita a vida dos usuários, mas a pirataria também.

Segundo a Muso, hoje 60% do tráfego pirata é ligado a serviços de streaming “não-licenciados”. A empresa também nota que esses sites não são obscuros e mal projetados, cheios de publicidade suspeitas. Usuários de serviços como Popcorn Time sabem do que estamos falando: há uma preocupação clara dos desenvolvedores com a experiência do usuário que simplesmente não existia na década passada. Eles têm interfaces intuitivas, carregamento rápido dos vídeos e, acima de tudo, não possuem nenhuma restrição de conteúdo; tudo está disponível gratuitamente, sem precisar de uma assinatura mensal, sem se preocupar com limitações geográficas.

Isso não quer dizer que o torrent morreu. Muito pelo contrário: os últimos anos viram um novo pico de interesse no protocolo, como relatado no último estudo “The Global Internet Phenomena Report”, da consultoria Sandvine, publicado ainda em 2018.

A explicação da Sandvine para o aumento no interesse global pelo torrent nos últimos anos é a mesma da Muso: “com mais opções de conteúdo e canais do que nunca, consumidores não tem boas opções para ter acesso a todo o conteúdo que podem lhes interessar e ainda recorrem à pirataria”, diz o estudo.

Há opções legais

Claro que a fragmentação gera transtornos, mas ainda há opções legais para ter acesso a todos esses serviços sem precisar quebrar o porquinho. A melhor forma de lidar com isso é rotacionando suas assinaturas dependendo das estreias.

Você pode ter um ou dois serviços fixos, cuja assinatura você mantém independentemente do que está chegando, e pagar por um mês de outros para assistir apenas aquele conteúdo novo que seja do seu interesse. Por exemplo: se você se interessou por “The Boys”, do Amazon Prime Video, e nada mais, não há motivos para continuar pagando depois de terminar de assistir.

Neste caso, é importante ter um pouco de autocontrole e disciplina para cancelar a assinatura antes da virada do mês e fôlego para maratonar o conteúdo antes que você tenha que pagar por mais um mês de uso.

Renato Santino é editor(a) no Olhar Digital