‘Artigo 13’: entenda a lei de direitos autorais da Europa que ameaça a internet

Proposta de reforma das leis de direitos autorais tem deixado muita gente preocupada, inclusive no Brasil
Equipe de Criação Olhar Digital26/03/2019 15h50

20190321054437-1920x1080
Publieditorial

Nesta terça-feira, 26, o Parlamento Europeu votou em plenário a Copyright Directive e aprovou, por 348 votos a favor e 274 votos contra, a nova lei de direitos autorais da União Europeia. Isto significa que o Artigo 13 e o Artigo 11, conhecidos, respectivamente, como “filtro de upload” e “taxa de link”, agora são lei na Europa – e podem trazer consequências ao Brasil no futuro.

O Artigo 13 e o Artigo 11 são trechos de um projeto de lei discutido pela União Europeia desde 2016. No texto final, eles viraram, respectivamente, os artigos 17 e 15. A proposta tem como objetivo reformular o sistema de garantias de direitos autorais na internet. Mas, segundo seus principais críticos, pode colocar em risco os principais fundamentos da internet como a conhecemos hoje.

Mas que projeto é esse? O nome dele é “Directive on copyright in the Digital Single Market” (2016/0280/COD). Há várias propostas ali para facilitar a verificação de conteúdo protegido por direitos autorais e dar mais garantias aos donos desses direitos na web. Mas dois trechos do texto discutido pelos parlamentares europeus, os artigos 11 e 13 (do rascunho original), se tornaram os mais famosos.

O primeiro tem como objetivo regulamentar o compartilhamento e a reprodução de conteúdo jornalístico produzido por empresas de mídia e veículos de comunicação, como jornais, sites de notícias e canais de TV. O segundo tem como objetivo regulamentar o compartilhamento e a reprodução online de conteúdo protegido por direitos autorais como música, filmes etc.

Vamos entrar em detalhes sobre cada um nos parágrafos abaixo.

O que é o Artigo 13 (17)?

O Artigo 13 (que no texto final virou Artigo 17) ficou conhecido como a lei do “filtro de uploads“. O texto original dava a entender que qualquer plataforma que recebe uploads de usuários – como YouTube, Facebook, Twitter e fóruns em geral – pasaria a ser responsável por monitorar e filtrar os dados recebidos, para “identificar e prevenir” violações de direitos autorais.

O texto original dizia exatamente o seguinte:

“Os prestadores de serviços da sociedade da informação que armazenam e facultam ao público acesso a grandes quantidades de obras ou outro material protegido carregados pelos seus utilizadores devem, em cooperação com os titulares de direitos, adotar medidas que assegurem o funcionamento dos acordos celebrados com os titulares de direitos relativos à utilização das suas obras ou outro material protegido ou que impeçam a colocação à disposição nos seus serviços de obras ou outro material protegido identificados pelos titulares de direitos através da cooperação com os prestadores de serviços.”

Um trecho que vinha logo em seguida era especialmente perturbador: “Essas medidas, tais como o uso de tecnologias efetivas de reconhecimento de conteúdos, devem ser adequadas e proporcionadas”. O Artigo 13, como foi escrito originalmente, dava a entender que qualquer empresa de tecnologia, independentemente do tamanho, deveria filtrar todo o conteúdo que os usuários postam e impedir o upload de material protegido por direitos autorais sem expressa autorização dos donos.

É mais ou menos o que o YouTube já faz com todo vídeo que é colocado em sua plataforma, sempre de olho em usuários tentando subir filmes pirateados ou músicas protegidas, pronto para tirar do ar ou impedir o upload de conteúdos que violem essas regras. Só que ampliado para todos os sites que recebem upload, grandes e pequenos.

Após diversas reuniões e discussões entre parlamentares, lobistas e membros da sociedade civil, porém, o texto foi severamente modificado para acalmar as principais preocupações que o texto original levantava. O Artigo 17, na redação final, indica que empresas pequenas têm obrigações mais brandas do que gigantes como o YouTube.

O texto atual, aprovado pelo Parlamento, declara exatamente o seguinte: “A aplicação do presente artigo não implica qualquer obrigação geral de monitorização”. O texto tem sido interpretado como a garantia de que nenhum site será obrigado a aplicar um filtro prévio por lei. Mas um outro trecho dá a entender que, embora não sejam obrigados, esse será um caminho incentivado ou inevitável.

Neste ponto, a lei diz exatamente o seguinte (o destaque é nosso, não do texto original):

“Caso não seja concedida nenhuma autorização, os prestadores de serviços de partilha de conteúdos em linha são responsáveis por atos não autorizados de comunicação ao público, incluindo a colocação à disposição do público, de obras protegidas por direitos de autor e de outro material protegido, salvo se os prestadores de serviços demonstrarem que:

a) Envidaram todos os esforços para obter uma autorização; e

b) Efetuaram, de acordo com elevados padrões de diligência profissional do setor, os melhores esforços para assegurar a indisponibilidade de determinadas obras e outro material protegido relativamente às quais os titulares de direitos forneceram aos prestadores de serviços as informações pertinentes e necessárias e, em todo o caso;

c) Agiram com diligência, após receção de um aviso suficientemente fundamentado pelos titulares dos direitos, no sentido de bloquear o acesso às obras ou outro material protegido objeto de notificação ou de os retirar dos seus sítios Internet ou de, e envidaram os melhores esforços para impedir o seu futuro carregamento, nos termos da alínea b).”

Estes são, portanto, os pontos mais polêmicos do Artigo 17 (originalmente, 13).

Quais são as consequências do Artigo 13 (17)?

John Schranz, porta-voz do Parlamento Europeu, afirma que o Artigo 13 não prevê a criação de um filtro de upload prévio global. “O projeto estabelece um objetivo a ser alcançado: plataformas online não devem ganhar dinheiro com material criado por outras pessoas sem as compensar.”

“A proposta de diretiva, no entanto, não especifica ou lista quais ferramentas, recursos humanos ou infraestrutura podem ser necessários para evitar que material não remunerado apareça no site. Portanto, não há exigência de filtros de upload”, completa Schranz.

Por outro lado, o porta-voz admite um ponto do texto que tem sido alvo de muitas críticas. “Uma plataforma é legalmente responsável se houver conteúdo em seu site pelo qual seu criador não foi devidamente pago”. Ou seja: se você subir um conteúdo protegido por direitos autorais num site como o Facebook sem autorização, quem poderá ser processado é o Facebook, não você.

A Wikimedia Foundation, responsável pela enciclopédia virtual e colaborativa Wikipédia, já se declarou contra a reforma proposta pelos europeus e tem críticas específicas ao Artigo 13. A fundação vê com especial preocupação a história de que as plataformas devem “realizar os melhores esforços” para obter autorização para o conteúdo em seus sites e também para derrubar aquilo que viola direitos autorais.

“Estas são tarefas difíceis para qualquer plataforma que permite que um grande número de usuários faça upload de conteúdo, e apenas os sites mais sofisticados e bem financiados poderão desenvolver a tecnologia para impor essas regras”, declarou a Wikimedia em um manifesto contra o Artigo 13.

“Isto diminuirá drasticamente a diversidade de conteúdo disponível online, se os sites cumprirem estritamente esses requisitos, e também criará um sistema de coação privada de direitos autorais por meio de filtros de upload que podem levar à remoção excessiva de conteúdo, devido ao medo de responsabilidade e falsos positivos.”

Sites que dependem de conteúdo gerado por usuários, como Facebook, YouTube, Google, Twitter, Instagram e a própria Wikipédia, além de outras redes menores e fóruns online, como o Reddit, são os principais prejudicados pelo Artigo 17 (antigo 13), tornando-se legalmente responsáveis por tudo o que cada usuário publica lá dentro.

Memes serão proibidos?

Há também o medo de que o Artigo 13/17 acabe proibindo os memes. Aquelas imagens, fotos e vídeos, compartilhadas nas redes sociais com propósito de comentar, criticar ou tirar sarro de alguma coisa, geralmente se apropriam de conteúdo protegido por direitos autorais, como cenas de filmes, séries, programas de TV e músicas, sem autorização dos donos.

O Parlamento Europeu garante que não é o caso e os memes não serão proibidos. “A diretriz acordada tem disposições específicas que obrigam os Estados-Membros a proteger o upload e compartilhamento gratuitos de obras para fins de citação, crítica, revisão, caricatura, paródia ou pastiche. Obviamente, isso garantirá que memes e GIFs continuem disponíveis“, diz John Schranz.

Quem defende o Artigo 13 (17)? E por quê?

De modo geral, os mais favorecidos pelo Artigo 17 (antigo 13) seriam os donos de direitos autorais, como gravadoras e estúdios de cinema. Nem todos são a favor da mudança na lei europeia, mas poucos se mostraram publicamente contra a Copyright Directive.

A Sociedade dos Autores, Compositores e Distribuidores de Música da Europa (Sacem, na sigla em inglês), por exemplo, é a favor do Artigo 13. Eles dizem que o filtro de uploads é uma ferramenta “que permitiria aos detentores de direitos autorais recuperar dinheiro de empresas da internet que lucram com seu trabalho”.

Axel Voss, o parlamentar alemão relator da proposta de lei de direitos autorais, também defende o Artigo 13. Ele diz que a campanha contra esse trecho do projeto é financiada por grandes empresas de tecnologia, como Google e Facebook, que querem manter o controle total e desregulado sobre o que seus usuários publicam na internet.

Ele também afirma que a tese de que o Artigo 13 é uma ferramenta de censura é “injustificada, excessiva, objetivamente errada e desonesta”. Voss também destaca o fato de que ferramentas de filtro de upload estão em uso por plataformas da internet há anos, como o já citado caso do YouTube, sem jamais terem gerado uma “campanha anti-censura”.

O que é o Artigo 11 (15)?

Outro ponto polêmico do projeto de reforma das leis de direitos autorais da Europa é o Artigo 15, que nas versões anteriores era o Artigo 11. Esse trecho trata especificamente da distribuição de conteúdo jornalístico, produzido por sites de notícias, jornais e emissoras de TV, através da internet.

O Artigo 11 ficou conhecido como a lei do “imposto de link“. O texto original dizia o seguinte:

“Os Estados-Membros devem conferir aos editores de publicações de imprensa os direitos previstos no artigo 2.º e no artigo 3.º, n.º 2, da Diretiva 2001/29/CE relativos à utilização digital das suas publicações de imprensa.”

A diretiva a que o texto se refere, por sua vez, diz o seguinte:

“Os Estados-Membros devem garantir o direito exclusivo de autorizar ou proibir a reprodução, direta ou indireta, temporária ou permanente, por qualquer meio e sob qualquer forma, no todo ou em parte:

(a) para os autores de seus trabalhos;
(b) para artistas intérpretes de suas performances;
(c) para os produtores de fonogramas, dos seus fonogramas;
(d) para os produtores das primeiras fixações de filmes, no que diz respeito ao original e às cópias dos seus filmes;
(e) para organizações de radiodifusão, das fixações das suas transmissões, independentemente de essas transmissões serem feitas por fio ou sem fio, por cabo ou satélite.”

E também isso:

“Os Estados-Membros devem garantir o direito exclusivo de autorizar ou proibir a disponibilização ao público, por fio ou sem fios, de modo a que o público possa acessá-los a partir de um local e momento por eles escolhido:

(a) para artistas, de suas performances;
(b) para os produtores de fonogramas, dos seus programas;
(c) para os produtores das primeiras fixações de filmes, no que diz respeito ao original e às cópias dos seus filmes;
(d) para organizações de radiodifusão, das fixações das suas transmissões, independentemente de essas transmissões serem feitas por fio ou sem fio, por cabo ou satélite.”

Apesar de tudo, no texto original, era o complemento do Artigo 11, o Artigo 12, o que deixava as pessoas preocupadas.

“Os Estados-Membros podem prever que, nos casos em que um autor tiver transferido ou concedido uma licença de um direito a um editor, essa transferência ou licença constitui base jurídica suficiente para o editor reivindicar uma parte da compensação pela utilização da obra ao abrigo de uma exceção ou limitação ao direito transferido ou autorizado.”

Ou seja: aquela plataforma que reproduzir reportagens ou notícias pode ser obrigada a pagar uma taxa para o veículo original. Essencialmente, o medo é de que empresas como o Google e o Facebook tenham que pagar a cada site de notícias por cada link de um desses sites que aparecer na página deles. Por exemplo: se você compartilhar o link desta matéria que você está lendo agora no Facebook, a rede social deveria pagar ao Olhar Digital pelo compartilhamento. Se você encontrar esta matéria numa busca do Google, o Google também teria de pagar ao nosso site.

No texto atual, porém, houve uma série de mudanças que tornam a interpretação um pouco menos agressiva e limitam a tese do “imposto de link”. O projeto agora diz que a garantia de pagamento aos veículos de mídia “não se aplica a atos de hiperlink” e em casos de “uso de palavras individuais ou extratos muito curtos de uma publicação de imprensa”.

John Schranz, porta-voz do Parlamento Europeu, explica que o Artigo 11 vai impedir que reportagens ou textos inteiros sejam reproduzidos por plataformas como Facebook e Google. Mas links e trechos das matérias vão continuar aparecendo na Busca ou no Feed de Notícias da rede social.

“O acordo permitirá que os agregadores de notícias continuem a exibir trechos sem precisar de uma autorização dos editores da imprensa. Isso será possível desde que o trecho seja um ‘extrato muito curto’ ou ‘palavras individuais’, e que o agregador de notícias não seja pego abusando desse recurso”, diz o porta-voz europeu.

Quais são as consequências do Artigo 11 (15)?

O texto atual não impede que o Google mostre notícias nos resultados de busca, nem que o Facebook permita a postagem de links para notícias de outros sites. Mas pode, em tese, minar os esforços dessas duas empresas de hospedar internamente o conteúdo dos sites de notícias sem pagar por eles.

O Google possui um sistema conhecido como AMP (Accelerated Mobile Pages) que permite que sites de notícia hospedem no próprio servidor do Google uma versão reduzida das páginas das suas matérias. Assim, o texto da matéria carrega mais rapidamente no celular do usuário que chegou até ela através da Busca, do Chrome ou das sugestões de artigos do Android.

Já o Facebook possui os Instant Articles, uma plataforma semelhante. Sites podem hospedar no próprio Facebook a íntegra de suas matéria, mas em versão HTML mais simples. Assim, a notícia vai abrir mais rapidamente no celular do usuário que chegou até ela pelo feed de notícias do aplicativo da rede social. Tudo isso, claro, se o publisher (veículo que publicou a matéria em primeiro lugar) autorizar.

Nesse caso, o Facebook e o Google têm a vantagem de manter os usuários dentro dos seus respectivos aplicativos o tempo todo, já que eles não precisam sair ou ir até o site original da notícia para ler o texto. Em geral, perdem os sites de notícias, que exibem uma versão com menos anúncios para o usuário final em troca de uma melhor colocação no índice de Facebook e Google.

As empresas de tecnologia, naturalmente, são contra. Se a proposta original fosse aprovada, Facebook e Google argumentam que não teriam condições de pagar por cada matéria que aparece nos respectivos feeds. Em janeiro de 2019, vazou na web uma imagem de como ficaria a página de buscas do Google se o Artigo 11 fosse aprovado do jeito como previa o texto original. Seria assim:

Além disso, outro prejudicado nessa história podem ser os aplicativos agregadores de notícias, como Feedly, Flipboard, Pocket e o próprio Google Notícias. Em 2014, quando a Espanha aprovou uma lei semelhante ao que descreve o Artigo 15 da Copyright Directive, o Google tirou do país o aplicativo Google News. E a empresa já indicou que pode fazer o mesmo em toda a Europa agora.

Alguns veículos de informação, porém, são a favor da medida. Um grupo formado por nove jornais e agências de notícias da Europa emitiu uma carta pública defendendo o Artigo 11 como uma forma de subsidiar a distribuição de notícias pela internet, evocando o conhecido conceito de que “não existe almoço grátis”.

Segundo esses veículos, empresas como Google e Facebook “oferecem de graça aos usuários de internet o trabalho que é feito por outros, as empresas de mídia”. E que, enquantos os lucros das companhias de tecnologia crescem com base em audiência aferida por anúncios, os negócios das empresas de mídia estão “em colapso”.

“Aqueles que se beneficiaram desproporcionalmente das receitas de publicidade deveriam repatriar uma parcela significativa dessas receitas para a mídia que financia a produção de conteúdo”, dizem os defensores do Artigo 15 (antigo 11), lembrando que o acesso às notícias continuará gratuito para o usuário, e somente as empresas como Google e Facebook terão que pagar para reproduzir o conteúdo.

Mas se a lei é europeia, o que o Brasil tem a ver com isso?

A reforma nas leis de direitos autorais da Europa só atinge diretamente os países que fazem parte da União Europeia e as divisões das empresas de tecnologia que atuam nesses países. O Google do Brasil, portanto, não é obrigado a seguir a mesma lei que o Google da França, por exemplo. Por aqui, temos nossa própria legislação referente a direitos autorais.

Mas se engana quem pensa que a mudança não pode afetar o Brasil de alguma forma. Mudanças legislativas em grandes mercados como o da Europa e o dos Estados Unidos, onde estão sediadas muitas das empresas de tecnologia afetadas pelos artigos 11 e 13, tendem a surtir efeito no serviço que é oferecido pelas empresas no mundo todo. E isso já aconteceu.

Em 2018, o mesmo Parlamento Europeu aprovou uma lei de proteção de dados pessoais conhecida como GDPR. A legislação fez com que os principais serviços de internet do momento – incluindo Netflix, Spotify, Facebook, Instagram, Amazon e muitos outros – atualizassem seus termos de uso, incluindo para usuários brasileiros.

Além disso, a aprovação do GDPR na Europa movimentou diversos países a fazerem algo semelhante. No Brasil, a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), inspirada na legisção europeia e com basicamente os mesmos intuitos e mecanismos, entrou em vigor também em 2018. Ou seja, no que diz respeito à internet, o que mexe com a Europa também pode mexer com o Brasil.

O que acontece agora? Quando a lei entra em vigor?

Em 26 de março de 2019, o plenário do Parlamento Europeu votou a Copyright Directive e aprovou o texto sem ressalvas, com 348 votos a favor e 274 contra. Isto significa que os artigos 15 (antigo 11) e 17 (antigo 13) agora são leis nos países que formam a União Europeia. Agora, cada nação deve formalizar a nova lei em seus próprios territórios. O prazo para isso acontecer termina em 2021. Resta saber como as empresas de tecnologia vão reagir a partir de agora, e como essa decisão vai reverberar em outros cantos do planeta, como no Brasil.