Já há dois anos, desde janeiro de 2017, Apple e Qualcomm se enfrentam quase mensalmente em cortes de justiça de diferentes partes do mundo. E isso depois de terem um relacionamento extremamente próximo por muitos anos — enquanto a Qualcomm era a fornecedora de processadores de conectividade de rede para a marca da maçã.
Essas batalhas judiciais podem colocar o iPhone em risco. Afinal, a empresa de chips é desenvolvedora das tecnologias que permitem que os smartphones se conectem às redes de celular. Por isso, boa parte de sua receita vem de licenciamento, já que mais de 350 organizações usam seus chips — o grande problema é que a cobrança pelo direito de uso da tecnologia tem como base o preço do telefone, não o do componente.
Para a Apple, o mais correto é a Qualcomm cobrar royalties com base no preço do chip em si. Isso porque, segundo a fabricante do iPhone, o desenvolvimento do aparelho foi feito pela Apple e não faz sentido pagar por uma tecnologia que ela mesma desenvolveu. Enquanto isso, a Qualcomm alega que suas patentes são licenciadas em bloco e, por isso, fornecem mais que conectividade. A fabricante de chips cita, entre outros exemplos, o método que permite a conservação de energia nos aparelhos — sem o qual, o iPhone não existiria.
Foi justamente aí que a relação entre a Apple e a Qualcomm azedou. Apesar de a criadora do iPhone ter seu próprio processador de aplicações, ela ainda precisa de um chip de terceiros para garantir a conectividade de rede. De 2011 a 2015 — ou seja, do iPhone 4S ao 6S+ — a única fornecedora desses componentes para a Apple foi a Qualcomm. No ano seguinte, porém, ao fazer os modelos 7 e 7+, a companhia optou por usar produtos Intel em alguns aparelhos (e manteve a Qualcomm nas versões para as operadoras Verizon e Sprint).
Isso continuou em 2017: os dispositivos XS, XS Max e XR usam apenas processadores da Intel. A Apple acusa a Qualcomm por sua atitude. Com isso, os encontros na justiça se tornaram frequentes — e há chances de que afetem a produção de iPhones com tecnologia 5G.
Há êxitos em ambas as argumentações
Os dois lados têm experimentado conquistas. Alguns juízes se posicionaram favoravelmente à Apple (o que resultou até em um processo antitruste contra a Qualcomm, por operar um monopólio em chips sem fio), enquanto outros deram vitória para a fabricante de processadores — e a dona da marca da maçã foi condenada a pagar US$ 31 milhões (US$ 1,41 por iPhone) por violação de patentes.
A Qualcomm alega que investiu mais de US$ 40 bilhões em pesquisa e desenvolvimento nas últimas três décadas e construiu um portfólio com mais de 130 mil patentes (entre as concedidas e as em análise) em todo o mundo. Por isso, segundo ela, suas invenções são necessárias para fazer que os smartphones funcionem como um todo — há diferentes tecnologias envolvidas nisso, não apenas a conectividade.
Ocorre que a Qualcomm não licencia suas patentes para outros fabricantes de processadores. Segundo ela, isso é desnecessário porque o que é pago pelas desenvolvedoras de aparelhos já cobre o uso das tecnologias. Ou seja, toda empresa que fizer um equipamento que se conecte a redes móveis, mesmo que não use os chips da Qualcomm, deve pagar royalties a ela.
O grande embate nos tribunais, entretanto, começou hoje e deve durar cerca de 20 dias em San Diego. Ele é relacionado à queixa inicial da Apple, aquela enviada à Justiça em janeiro de 2017, de que os termos de licenciamento da Qualcomm não são justos. A companhia da maçã inclusive colaborou em uma investigação na Coreia do Sul, quando a fabricante de chips reteve US$ 1 bilhão que deveriam ser reembolsados.
Enquanto a Qualcomm diz que sua tecnologia é essencial no segmento de smartphones, a Apple informa que, em uma das patentes questionadas, um engenheiro que já trabalhou para a marca da maçã (e hoje está no Google) deve ser creditado — trata-se da tecnologia que garante que, ao ser ligado, o dispositivo se conecte à internet rapidamente.
Como essa briga pode respingar no próximo iPhone
Para o consumidor final, em geral, pouco importa qual chip é usado em seu smartphone. A Qualcomm, entretanto, é mais rápida que a Intel. E isso é uma grande vantagem. Há dois meses, por exemplo, a Qualcomm apresentou o chip X55, que é o primeiro modem capaz de funcionar em redes de 2G a 5G e pode atingir velocidades de download de até 7,5Gbps.
Os primeiros modelos de smartphones 5G, porém, devem usar o chip X50 — que faz downloads em até 5Gbps — e estar disponíveis nos próximos meses. O X55 só deve equipar novos aparelhos no fim do ano. Ou seja, na virada para 2020, os grandes distribuidores de celulares Android devem ter opções 5G com chips da Qualcomm disponíveis.
A Intel, por sua vez, ainda não apresentou seu modem com capacidade 5G e, provavelmente, só vai fazê-lo no segundo semestre de 2019 — isso se ele não atrasar, o que já é um rumor importante no mercado.
É justamente aí que o iPhone pode sofrer: em 2018, a Apple tentou se entender com a Qualcomm e comprar chips 4G para seus aparelhos. A fabricante dos componentes não quis fazer negócio, porque, segundo a marca da maçã, os modelos foram desenvolvidos depois que a briga entre as companhias começou. A Qualcomm, por sua vez, diz que tenta renovar os contratos com a desenvolvedora do iPhone e não consegue.
Se a Apple, de fato, for esperar pelos processadores da Intel e, por algum imprevisto, eles atrasarem, a companhia pode ter de adiar o lançamento de um iPhone 5G para 2021 (a previsão é de que ele chegue ainda em 2020). Isso significa que a empresa ficaria dois anos atrás de seus concorrentes que usam sistema operacional Android no segmento 5G.
A fabricante experimenta um declínio nas vendas há algum tempo e, em janeiro de 2019, reportou receitas menores do que o esperado no último trimestre de 2018 e estimativa de ficar aquém também no período encerrado em março de 2019. Então, mesmo que haja acordo com a Qualcomm, há poucas chances de que, por exemplo, os preços dos produtos da marca da maçã sejam reduzidos. Os preços mais altos devem ser a referência a partir de agora.