A pandemia forçou milhões de professores e alunos a repensar a educação presencial, levando muitas escolas a adotar o uso de aplicativos  de monitoramento que prometem controle total do ambiente e “observam” os alunos enquanto fazem as provas ou realizam os trabalhos escolares.

Esses aplicativos de monitoramento pretendem determinar se um aluno está “colando”, utilizando padrões registrados de pressionamentos de tecla e reconhecimento facial que supostamente confirmam se o aluno que está inscrito para a prova é o mesmo que está fazendo o teste.

Por meio de uma série de técnicas de monitoramento que invadem a privacidade dos usuários, como o rastreamento ocular que tem como objetivo garantir que os alunos não fiquem muito tempo fora do alcance da tela, ou dos microfones e câmeras que gravam os arredores dos alunos, transmitindo-os a um inspetor, essas ferramentas praticam vigilância biométrica forçada de potencialmente milhões de alunos.

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Grande parte dessa tecnologia é efetivamente indistinguível de spyware, um malware comumente usados para rastrear ações de usuários desavisados em seus dispositivos e na Internet. E tem muito em comum com o “bossware”, o software invasivo de rastreamento de tempo e de “produtividade” do trabalhador.

Além da coleta invasiva de dados biométricos, os serviços de fiscalização reúnem e retem informações de identificação pessoal sobre os alunos – por meio de suas escolas ou exigindo que os alunos insiram esses dados ao se registrar em uma conta. Isso pode incluir nome completo, data de nascimento, endereço, número de telefone, documentos de identidade emitidos pelo governo, afiliação à instituição educacional e número de carteira de estudante.


Aplicativos de monitoramento muitas vezes utilizam vigilância biométrica. Foto: Freerange Stock

Também são coletados dados automaticamente nos dispositivos dos alunos, independentemente de serem dispositivos fornecidos pela escola ou não. Esses registros coletados podem incluir informações de sistemas operacionais, marca e modelo do dispositivo, bem como números de identificação do dispositivo, endereços IP, tipo de navegador e configurações de idioma, software no dispositivo e suas versões, ISP, registros de URLs visitados e como alunos permanecem em um determinado site ou página da web.

As empresas retem muito do que reúnem também – seja documentação ou vídeo de varredura do quartos. Algumas dessas informações são compartilhadas com terceiros e muitas vezes os alunos ficam sem uma forma clara de solicitar a exclusão de seus dados porque não são considerados os “proprietários” dos mesmos, já que foram coletados e repassados pela instituição educacional ou outra empresa.

Riscos da coleta de informações dos usuários

O risco do aproveitamento dos dados dos alunos para fins comerciais e a coleta de grandes quantidades de dados sobre as pessoas é imprudente devido a violações frequentes e subsequentes vazamentos de dados.

Algumas empresas, como a ProctorU, não têm limites de tempo para retenção de dados armazenados e no mês passado teve mais de 440.000 registros de usuários de seu serviço de supervisão vazados em um fórum de hackers, incluindo endereços de e-mail, nomes completos, endereços residenciais, números de telefone, senhas com hash, a organização afiliada e outras informações.

Além das preocupações com a privacidade, esses aplicativos de monitoramento podem penalizar os alunos que não tem controle sobre a sua volta, ou aqueles com hardware menos funcional ou internet de baixa velocidade. Para os alunos que não tem acesso à Internet em casa, a prova fica bloqueada.

Essas ferramentas podem prejudicar aqueles que já tem problemas de foco durante as provas, seja por causa da dificuldade de manter o “contato visual” com o dispositivo ou simplesmente porque a realização das provas os deixam nervosos. A partir do momento que o software pressupõe que todos os alunos façam os testes da mesma maneira, em ambientes que podem ser controlados, com os olhos fixos à frente e os dedos digitando em um ritmo rotineiro, há grandes chances dos com dificuldade falharem, excluindo alguns alunos.

Com a pandemia, a tecnologia sendo utilizada em larga escala abriu oportunidades sem precedentes para o aprendizado à distância. As escolas estão tendo que se readaptar e devem partir do princípio que não podem ter controle total do ambiente do aluno, quando este está em casa. As instituições de ensino precisam se adaptar ao ensino à distância sem depender de aplicativos de monitoramento invasivos para tentar substituir métodos que funcionam apenas pessoalmente.

Os aplicativos de monitoramento violam a privacidade dos alunos, exacerbam as desigualdades existentes, diferem totalmente do controle que as escolas costumam aplicar na sala de aula. Provavelmente, nunca impedirão totalmente os alunos criativos de burlarem o sistema e, principalmente, exigem que o aluno seja forçado a escolher entre entregar seus dados biométricos e ser monitorado continuamente ou ser reprovado na aula, transformando o EAD em vigilância remota.

Via: EFF