Android 11 e iOS 14: os dois sistemas nunca foram tão parecidos

Google e Apple parecem trabalhar para tornar seus sistemas praticamente indistinguíveis no equilíbrio entre liberdade e segurança
Renato Santino23/06/2020 04h35, atualizada em 23/06/2020 09h00

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Os planos de Apple e Google para 2020 já estão sobre a mesa. O Android 11 já teve todas as suas novidades expostas, enquanto o iOS 14 já foi apresentado durante a WWDC. E com isso é possível cravar com clareza: os dois nunca foram tão iguais quanto agora.

Quem acompanha essa disputa de mercado há algum tempo sabe bem quais são os clichês de argumentação para cada sistema operacional. “O Android dá muito mais liberdade para o usuário, muito mais possibilidades de personalização”, “o iPhone é muito mais seguro, muito mais preocupado com a privacidade do usuário”. O ano de 2020 é o ano em que as barreiras estão caindo.

O Android iOS-ficado

O Android ainda é indiscutivelmente mais aberto do que o iOS, por mais que a diferença entre os dois sistemas esteja diminuindo. Mas é notável que o caminho do Google é cada vez mais seguir o caminho da Apple.

O maior exemplo desse caminho está no gerenciamento de permissões de aplicativos. O Android passou a levar a sério o que cada aplicativo pode ou não pode fazer depois de instalado após anos de apps que abusaram de permissões concedidas por usuários que não sabiam o que estavam fazendo. Agora é possível dar acesso temporário para apps, impedindo o uso indevido dos privilégios.

O sistema também se fechou um pouco mais. O Google tem progressivamente feito com que seja mais difícil instalar aplicativos por fontes alheias à Play Store, embora não bloqueie esse tipo de ação completamente. O Android 11 coloca ainda mais barreiras para apps de fontes desconhecidas, e não seria surpresa se em um futuro distante esse caminho seja bloqueado. Afinal de contas, esse canal pode ser útil para usuários experientes, mas é uma via preocupante de ataque para quem não domina tanto a tecnologia e pode se tornar uma ameaça à segurança dos dados.

O Google também está cada vez mais centralizador em relação ao Android, tirando das fabricantes cada vez mais poder de alteração sobre o sistema operacional, em nome de uma unidade do ecossistema de dispositivos, utilizando o acesso ao Google Mobile Services e seus aplicativos (a Play Store sendo o mais importante deles) como a principal moeda de troca para impor limitações. Do lado do consumidor, isso tem se refletido em aparelhos mais parecidos entre si, mas com a capacidade de receber atualizações mais prontamente em caso de emergência por meio do Google Play Services. É uma opção: menos liberdade, mais segurança.

O Google ainda tem um caminho longo para ter o controle que a Apple tem sobre sua plataforma, no entanto. A Play Store ainda precisa passar a filtrar com mais cuidado o que pode ou não ser publicado para evitar que apps mal intencionados alcancem o usuário final. Por enquanto, todos os meses descobrem-se malwares distribuídos pela Play Store.

O iOS Androidificado

Do lado da Apple, a empresa sempre foi conhecida pela expressão “walled garden” (“jardim entre paredes”), por permitir uma experiência de qualidade e segura… desde que o usuário não ousasse tentar fazer nada de diferente com seu celular. Não existe personalização no iOS. Ou não existia até agora.

O iOS 14 é um passo gigantesco em favor de dar mais liberdade de personalização para o usuário. Você quer novas formas de organizar os aplicativos na tela inicial? Você pode. Você nunca mais quer usar o Safari na sua vida, dando preferência para outro navegador padrão do sistema? Você pode.

São revoluções tecnológicas? Certamente não, mas é uma sinalização de mais liberdade para usuários do iOS e que podem fazer com que o sistema seja mais atraente para os entusiastas do Android. Entre comunidades de fãs do sistema do Google, uma das críticas mais feitas ao iPhone sempre foi a incapacidade de esconder ícones de aplicativos que não são usados regularmente e que não podem ser desinstalados. A “gaveta” de apps introduzida com o iOS 14 finalmente resolve essa questão.

Os widgets também dão mais liberdade para a configuração da tela inicial do aparelho, permitindo que ele assuma um visual da preferência do usuário, muito além de uma grade de ícone insossa. A ideia é a mesma do Windows Phone: os widgets não são apenas uma forma de interagir mais rapidamente com aplicativos, sem precisar abri-los; também são um modo de tornar um aparelho único.

Como o Google em relação a segurança e controle, a Apple ainda tem um bom caminho pela frente para igualar o Android em relação à personalização, mas o caminho está traçado. O iOS ainda pode avançar bastante em relação à definição de aplicativos padrão, por exemplo, mas parece uma rota sem volta.

É irreversível e natural

Existe uma frase atribuída a Steve Jobs que mostra o ponto em que estamos: “bons artistas copiam, grandes artistas roubam”. A frase descreve bem o momento da indústria: uma boa inovação de um sistema operacional invariavelmente será copiada dentro de um ou dois anos pelo concorrente.

É um sintoma do amadurecimento do mercado de smartphones. Tanto Android quanto o iOS já são excelentes dentro de suas propostas, e há pouco espaço para manobra. Resta às empresas um caminho: melhorar os pontos em que o concorrente se destaca mais.

Então, sim, veremos o Google seguir o caminho da segurança e das promessas de privacidade para contrabalancear o domínio da Apple entre quem privilegia esse ponto na hora de comprar um celular. E veremos a Apple dar mais liberdade ao consumidor para quem gosta de ter um aparelho único, de forma como só o Android pode oferecer atualmente. O resultado disso são dois sistemas cada vez mais parecidos no longo prazo.

Renato Santino é editor(a) no Olhar Digital