Agências dos EUA grampearam jornalistas e manifestantes do BLM

Força-tarefa de várias agências teria usado sofisticado ataque de clonagem de celulares para interceptar as comunicações durante os protestos do movimento Black Lives Matter em Portland
Redação25/09/2020 21h04, atualizada em 25/09/2020 22h16

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O Departamento de Segurança Interna (DHS) norte-americano teria usado agências federais para grampear telefones de manifestantes do movimento Black Lives Matter (BLM) na cidade de Portland. Nem jornalistas que cobriam o evento escaparam à investigação. É o que revela uma reportagem da revista semanal ‘The Nation’. Portland é a maior cidade do Estado do Oregon e se tornou o epicentro dos protestos contra o racismo e a violência policial nos Estados Unidos, desencadeados pelo assassinato de George Floyd, em 25 de maio de 2020.

No auge do movimento, a cidade virou uma praça de guerra. A reação dos homens de farda foi dura, com disparo de balas de borracha e gás lacrimogêneo. O Congresso americano chegou a exigir do DHS explicações sobre a operação. “Stormtroopers não identificados. Carros não marcados. Raptando manifestantes e causando ferimentos graves em resposta a pichações. Essas não são ações de uma república democrática. As ações [do Departamento de Segurança Interna] em Portland minam sua missão”, escreveu no Twitter a presidente da Câmara, Nancy Pelosi, em meados de julho.

A história oficial diz que Portland – assim como Nova York e Seattle – são jurisdições ‘anarquistas’, termo que é usado como sinônimo de antifa, um coletivo de grupos autônomos de esquerda que se opõem a ações, organizações e governos de tendência fascista. Já a história contada por dois ex-agentes de inteligência à ‘Nation’, inclui atividades clandestinas, interceptações de telefonemas e rapto de manifestantes por uma força-tarefa com agentes federais além do DHS.

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A frase ‘I can’t breathe’ (Eu não consigo respirar), a última dita por George Floyd antes de morrer, virou símbolo nos protestos do movimento Black Lives Matter. Crédito: Josh Hild/Pexels

Missão clandestina e ilegal

Membros dos Comitês de Inteligência da Câmara e do Senado prontamente exigiram saber que tipo de informações o Escritório de Inteligência e Análise (I&A), divisão especializada do DHA havia coletado sobre jornalistas e manifestantes. Uma carta do Senado lembrava que o I&A “é obrigado por estatuto a manter os comitês de inteligência do Congresso plenamente e atualmente informados de suas operações”. No entanto, não houve qualquer resposta. Mas logo em seguida à carta, Brian Murphy, subsecretário de Inteligência de alto escalão foi destituído do cargo.

De acordo com as fontes ouvidas pela ‘Nation’, ao contrário da inteligência secreta mais sensível, os relatórios dos jornalistas foram baseados inteiramente em informações já públicas. Eles lembram que, embora as regras de privacidade geralmente evitem que “pessoas dos EUA” sejam objeto de avaliações de inteligência, “esse tipo de sujeira acontece o tempo todo”, explicou um dos ex-oficiais.

Aparentemente, muitos dos agentes federais que monitoraram e agiram em Portland não estavam ali em uma missão oficial. Várias agências federais, do DHS ao FBI, buscaram simplesmente voluntários. “O facto de terem pedido voluntários mostra que estava fora do âmbito das suas funções. Você só faz isso se não tiver a capacidade de ordenar que alguém vá, provavelmente porque é ilegal”, explica um dos ex-agentes. E outro, ainda na ativa e a serviço do FBI, confirmou que recebeu uma chamada para se voluntariar na ação contra os distúrbios civis e concordou aquele tipo de convite era extremamente incomum. “Esta é a primeira vez que vejo pedidos de voluntários para outro escritório de campo”, disse a fonte.

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Indícios são de que o governo de Donald Trump tratou os protestos públicos em massa como suspeitos e alvos de investigação. Crédito: Lina Kivak/Pexels

Ataque de clonagem de celulares

Um funcionário do DHS, em condição de anonimato, informou que um colega experiente em vigilância foi enviado para Portland. O propósito seria extrair informação dos telefones dos manifestantes. A força-tarefa interagência teria usado ainda um sofisticado ataque de clonagem de celulares – cujos detalhes permanecem confidenciais – para interceptar as comunicações dos manifestantes. A clonagem de celulares envolve o roubo de identificadores exclusivos de um telefone e sua cópia para outro dispositivo. Assim é possível interceptar as comunicações recebidas pelo dispositivo original. Isso faz parte do que chamou de operação de “Interceptação de Voz de Baixo Nível”. “Você está tendo uma visão interna de seus alvos: quem são, com quem estão falando – a hierarquia”, disse o ex-oficial de inteligência.

De acordo com ele, muitos dentro do DHS acreditam, assim como diz o presidente Donald Trump, que o antifa é um grupo organizado – ao contrário do que defende a maioria dos especialistas, incluindo o próprio diretor do FBI. O procurador-geral William Barr, por exemplo, já afirmou recentemente que o antifa está recebendo patrocínio estrangeiro, ainda que não tenha apresentado qualquer comprovação. Este seria um critério necessário para designar formalmente o movimento como uma organização terrorista. É isso que vem prometendo fazer Trump, desde julho.

“A coleta de inteligência de sinais não seria útil para prevenir saques oportunistas ou confrontos violentos. Isso pressupõe a existência de atividades coordenadas, propositadas e ilegais conduzidas por meios eletrônicos”, disse Steven Aftergood, que chefia o Projeto da Federação de Cientistas Americanos sobre Sigilo Governamental. “A preocupação geral é que o DHS tratou os protestos públicos em massa – não apenas indivíduos violentos –  como suspeitos e alvos de investigação, ou pior”, diz. Já um dos ex-agentes vai além: “Quando o presidente faz o tipo de declaração que faz, você sabe que tem a aprovação tácita. Você só precisa de uma piscadela de seu supervisor.”

Fonte: The Nation

Colaboração para o Olhar Digital

Redação é colaboração para o olhar digital no Olhar Digital