O 5G chegou ao Brasil. Não é nem de longe o que as operadoras e empresas de tecnologia esperavam, já que o leilão das frequências necessárias para a implementação total só deve acontecer em 2021, mas as velocidades mais altas proporcionadas pelas redes móveis da nova geração já estão entre nós.
Diante da situação atual do país, isso também significa uma coisa: a propagação de desinformação sobre o 5G. Afinal, a tecnologia causa ou não câncer?
Começando pelo começo. O 5G em sua forma inicial no país não tem como causar nenhum dano a mais do que o 4G. Nesta primeira etapa, o 5G DSS (sigla para Compartilhamento Dinâmico de Espectro) utiliza exatamente as mesmas frequências utilizadas no 4G; a grande mudança está na parte de software que permite o tráfego de dados com maiores velocidades. Não há nenhum risco adicional porque as ondas ainda são as mesmas.
E quanto o 5G chegar de verdade?
Em uma segunda etapa, depois do leilão da Anatel, o 5G brasileiro deve começar a operar nas frequências de 3,5 GHz, que são mais altas do que o espectro em utilização para o 4G e têm sido adotadas internacionalmente como o padrão para a tecnologia.
No entanto, a frequência de 3,5 GHz ainda está abaixo do que o roteador de internet Wi-Fi na sua casa é capaz de produzir. A maioria dos dispositivos do tipo hoje em dia suportam ao menos dois canais: um de 2,4 GHz para maior alcance, mas menos velocidade e outro de 5 GHz, que é o contrário, com mais velocidade e menos alcance.
Pela lógica de que ondas de frequência mais alta são mais danosas ao organismo, seria necessário descartar primeiro o roteador da sua casa antes que seja discutido o impedimento às redes 5G.
E as ondas milimétricas?
Um aspecto novo do 5G, que certamente será lembrado na questão dos riscos à saúde, são as ondas milimétricas, que utilizam um espectro de radiofrequência muito mais alto, acima de 24 GHz. Elas recebem esse nome devido ao pequeno comprimento de onda, na casa dos milímetros.
As ondas milimétricas serão o diferencial do 5G, mas são a maior fonte de preocupação com segurança (Foto: Qualcomm)
Lembra que logo acima mencionamos que, quanto maior a frequência da onda, menor o seu alcance quando falamos do seu roteador Wi-Fi? Isso também é válido para sua capacidade de penetração em objetos sólidos, incluindo o corpo humano. Como explica ao Olhar Digital a Elisabeth Yoshimura, professora do Instituto de Física da USP, ondas de maior frequência, como as usadas no 5G, têm menor poder de penetração, e acabam absorvidas diretamente pela pele. Desta forma, elas seriam incapazes, ou, no mínimo, menos prováveis de causar algum tipo de dano mais grave, como um câncer em algum órgão interno como o cérebro.
A questão de segurança desse tipo de radiação utilizada na telefonia móvel, definida como radiação não-ionizante (em contraponto à radiação ionizante, que carrega mais energia com frequências ainda mais altas, como os raios-X), é acompanhada por uma organização internacional, a Comissão Internacional de Proteção Contra Radiação Não-Ionizante (ICNIRP), que aponta, no máximo, efeitos térmicos para a exposição das ondas de radiofrequência. Isso significa que o corpo pode até ter algum tipo de aquecimento, mas não outros efeitos. As recomendações de segurança giram em torno de limitar esse aquecimento, permitindo alteração de, no máximo 0,2 graus na temperatura corpórea para usuários comuns de celular. É um limite que permite à corrente sanguínea consegue refrigerar sem dificuldades.
Na literatura científica, só existem evidências claras de um tipo de radiação não-ionizante que tem ação cancerígena: a luz ultravioleta. Até existem indícios de que outras faixas podem trazer algum risco a humanos, mas não há evidências fortes e claras para confirmar essas suspeitas, como explica Yoshimura.
Mas e o aumento no número das antenas?
Com a redução do alcance das antenas causada pela adoção das ondas milimétricas, haverá um efeito: serão necessárias mais antenas para poder cobrir a mesma área que hoje é coberta pelo 4G.
Pode parecer preocupante, mas, na verdade, o efeito pode ser o contrário. Cristiano Amon, presidente global da Qualcomm, uma das empresas que lidera a implementação do 5G no mundo, explica em entrevista ao Olhar Digital que a redução no raio de alcance de cada célula de transmissão também acarreta numa diminuição na energia emitida pelas antenas.
Mais preocupante, na visão de Amon, seriam as antenas de TV aberta, por exemplo, que precisam de muita energia para cobrir grandes áreas.
Não, o 5G não causa Covid-19
Uma teoria da conspiração que ganhou força em várias partes do mundo com a Covid-19 é de que o 5G teria relação com a propagação do coronavírus pelo planeta. Para isso, os conspirólogos se baseiam em mapas de distribuição de redes 5G pelo mundo e os maiores focos de propagação do vírus.
Quando se coloca os mapas lado a lado, realmente pode parecer que as coisas são relacionadas, mas trata-se de uma coincidência. O coronavírus se propaga com mais facilidade em grandes metrópoles, onde a concentração populacional e a proximidade das pessoas criam um ambiente ideal para a difusão de uma doença respiratória. O fato de essas cidades receberem maior influxo de viajantes internacionais também faz com que elas sejam as primeiras a registrarem casos.
Essas cidades também são polos econômicos, onde é mais interessante para as empresas lançarem uma nova tecnologia como é o caso do 5G. É onde estão as pessoas que podem bancar um novo smartphone com suporte às novas redes, onde estão as indústrias que podem se beneficiar da tecnologia.
Ou seja, tanto o coronavírus quanto o 5G chegarão primeiro aos grandes centros urbanos, mas uma coisa não tem absolutamente nada a ver com a outra. E não é muito difícil perceber que essa hipótese não faz sentido: basta ver quantos países no mundo registram casos de Covid-19 sem qualquer antena de 5G. O próprio Brasil, que até julho não tinha nenhuma rede comercial ativa do tipo, já registrava milhões de casos confirmados e dezenas de milhares de mortes.