Bolsonaro ignora segurança da informação ao usar WhatsApp em celular comum

Presidente expôs conversas com o atual ex-ministro Sérgio Moro, deixando claro que não usa sistemas de comunicação especiais para tratar de temas de governo
Renato Santino06/05/2020 21h58, atualizada em 06/05/2020 22h35

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Desde 2013, com os vazamentos provocados por Edward Snowden, não há como discutir um fato: vivemos na era da ciberespionagem. Hackers, muitas vezes ligados a órgãos governamentais, estão sempre buscando formas de obter acesso a informações privilegiadas para obter vantagens políticas ou financeiras.

Por este motivo, imagens da última terça-feira (5) se mostraram preocupantes. Em meio a uma disputa com o ex-ministro da Justiça Sérgio Moro, o presidente Jair Bolsonaro expôs seu celular para a imprensa, revelando algumas faltas de cuidado com a segurança da informação governamental.

Reprodução

Pelas imagens, não é difícil descobrir que Bolsonaro está usando um Galaxy Note 9 para se comunicar com seus ministros. Os ícones de navegação confirmam que se trata de um aparelho da Samsung, e a entrada da S-Pen, a stylus dos aparelhos da Samsung, na parte inferior do celular, também confirma a marca do smartphone. Além disso, o fato de o aparelho contar com uma borda na parte superior para abrigar a câmera frontal em vez de ter um furo na tela para isso também confirma que o modelo em questão é o Note 9.

Pela interface do sistema, também é fácil perceber que não se trata de um celular que teve uma ROM personalizada, desenvolvida especificamente para limitar recursos e riscos de segurança. O software é idêntico ao de qualquer smartphone Samsung que você encontra no mercado, o que significa que conta com os mesmos riscos de segurança de um celular comum. Qualquer software conta com falhas, então por isso é importante limitar as portas de entrada para os cibercriminosos restringindo recursos, especialmente quando se trata de segurança de informações sigilosas de Estado. Isso passa por restringir recursos e funções não-essenciais.

Também significa que atualizações do sistema operacional estão diretamente na mão da empresa, o que pode gerar atrasos na distribuição de correções de segurança gerando vulnerabilidades que permanecem abertas por um tempo muito maior do que o ideal.

O uso do WhatsApp para discussão de temas sensíveis também traz algumas preocupações. O aplicativo promete criptografia de ponta-a-ponta, o que é, em teoria, muito bom, mas o fato de o app ter o seu código fechado impede a averiguação da real segurança do sistema. Ao utilizar o WhatsApp para discutir temas de governo, a única garantia de que as conversas não são interceptadas é a promessa da empresa de que isso não vai acontecer.

O ideal seria a utilização de um aplicativo criptografado desenvolvido internamente, com supervisão da Agência Brasileira de Inteligência (Abin). Caso isso não fosse possível, a segunda melhor opção seria recorrer a um app de código aberto, que pudesse ser cuidadosamente estudado para garantir a segurança da informação que por ele circula. Da mesma forma, o celular ideal para tratar temas tão delicados deveria obrigatoriamente ser personalizado para minimizar riscos de segurança.

Como se faz?

Quando ocupava a presidência dos Estados Unidos, Barack Obama deu o exemplo de como deve ser o celular de um líder político global. Por muitos anos, enquanto ocupou o cargo, ele não pode usar um smartphone, por orientação do Serviço Secreto do país.

Quando ele finalmente teve a liberdade para começar a usar um smartphone no lugar do seu antigo BlackBerry, em 2016, por questões de segurança, o dispositivo foi tão alterado que era difícil chamá-lo de “smart”, como ele contou em entrevista ao comediante Jimmy Fallon.

“Quando eu recebi, me disseram: ‘senhor presidente, por questões de segurança, este celular é ótimo, um dos melhores do mercado, mas ele não tira fotos, você não pode enviar mensagens, o telefone não funciona, você não pode tocar música’”, disse Obama na época, comparando também o celular presidencial a um telefone de brinquedo para crianças.

Apesar do tom de brincadeira, isso mostra a preocupação do governo dos Estados Unidos com segurança da informação, entendendo a importância de proteger as comunicações presidenciais e evitar potenciais vazamentos. Qualquer conversa sigilosa que caia nas mãos de países adversários pode trazer prejuízos graves ao país.

E, no fim das contas, os smartphones que temos hoje nada mais são do que microfones e câmeras equipados com GPS e internet. São o dispositivo de espionagem perfeita se tiverem a sua segurança quebrada.

Renato Santino é editor(a) no Olhar Digital